domingo, 10 de junho de 2012

Competitividade e estratégias empresariais:: José Roberto Mendonça de Barros

O relatório do IMD para 2012 revelou que o Brasil caiu, desde 2010, oito posições no ranking de competitividade elaborado pela organização, indo para o número 46, numa amostra de 59 países.

Na América Latina, Chile, Peru e México são mais competitivos do que o nosso país. Segundo a pesquisa, que entre nós é conduzida pela Fundação Dom Cabral, o País segue mal nas áreas de comércio internacional, arcabouço institucional, legislação de negócios, produtividade e eficiência e de infraestrutura básica e tecnológica. Em educação, ocupamos o "honroso" 54.º lugar entre 59 países. O resultado, infelizmente, não é nenhuma surpresa para quem acompanha a economia brasileira, como tento fazer nos artigos publicados pelo Estado.

Os dados do crescimento do País no primeiro trimestre deste ano também não foram animadores. Falo aqui menos do crescimento em si, mas do desanimador quadro do investimento, cujo resultado é negativo há três trimestres. Já tratei disso em novembro do ano passado ("O investimento perde o vigor"); entretanto, a profundidade do processo em curso sugere que devamos voltar ao assunto.

A taxa de investimento caiu para 18,7% do PIB e a de poupança para 15,7% do PIB. O futuro próximo não é também muito animador: as estimativas de inversões futuras construídas pelo BNDES vão na direção de redução.

O banco espera agora uma redução de algo como R$ 35 bilhões nos investimentos nos próximos anos, segundo sua análise (em geral exageradamente otimista) dos projetos de inversão anunciados. Muitas empresas, como a siderúrgica CSA, estão à venda.

É impossível não ver que temos aqui um problema muito maior do que uma flutuação conjuntural e que é hora de parar com avaliações triunfalistas ou a denuncia de conspirações internacionais. Num mundo que vai crescer menos, a disputa vai se elevar, e o que vai falar mais alto é a capacidade de competição de cada país. No que se segue estarei falando especificamente do setor industrial, área em que temos os maiores problemas.

É preciso reconhecer que na matéria de competitividade não existe bala de prata. Apenas um programa de prazo mais longo, e que o ataque às inúmeras frentes relevantes irá poder melhorar a posição relativa do País em alguns anos.

Como isso vai demorar, as empresas precisam avançar em estratégias que permitam traçar um caminho de expansão sustentável. Digo isso para distinguir de duas rotas muito utilizadas em situações difíceis como a que estamos vivendo, ambas levando a resultados muito limitados: a atitude puramente defensiva e a rota de Brasília.

Frente à ameaça da competição internacional e convivendo com importantes reduções de margens, muitas empresas têm se voltado para o mercado local e desenvolvido ações muito centradas no corte de gastos, especialmente daqueles ligados ao futuro, como expansão de instalações, desenvolvimento de novas linhas ou produtos, ações de marketing etc.

Embora seja óbvio que o momento é de gastar com muito cuidado e cuidar do nível de endividamento e estoques, é preciso perceber que a rota defensiva, embora possa reduzir o risco de uma eventual insolvência da companhia, muitas vezes leva à sua paralisia, perda de mercado e de valor, que nunca mais será recuperado. Já vimos esta situação em outros momentos, como no início dos anos 90, época da abertura de nossa economia.

A segunda rota de defesa é a rota de Brasília, hoje até algo congestionada. Muitas companhias vão para a capital extrair suporte e ajuda do governo federal, cujos bolsos largos têm sido bastante generosos com certos eleitos.

Esse é um filme que já vimos muitas vezes, e que levam as companhias beneficiadas, em geral, ao conforto de resolver o curto prazo, deixando o ajuste verdadeiramente competitivo para depois, momento que muitas vezes nunca chega. O que chega rápido é o custo do ajuste para a economia brasileira. Por exemplo, a furiosa sucessão de benefícios fiscais, apenas para certos setores e elos da cadeia produtiva, está introduzindo uma complexidade louca num sistema tributário já reconhecidamente complicado.

Entretanto, e felizmente, muitas companhias desenvolveram no passado recente estratégias de ajustes que parecem consistentes com o mundo atual, e que geram valor de forma sustentável para acionistas, trabalhadores e demais agentes que com eles interagem. A observação de alguns destes casos pode ser útil para muita gente. Menciono a seguir três diferentes caminhos:

Integração para trás: a indústria do aço sempre foi relativamente pulverizada, ficando prensada entre a mineração e os usuários finais (por exemplo, o setor automotivo), segmentos caracterizados por poucas grandes empresas. A incorporação de minas por parte das siderúrgicas brasileiras elevou o ganho do conjunto, alem da possibilidade de exportar o próprio minério.

Avançar para o exterior: muitas empresas, como a Gerdau, já se moveram para perto de mercados consumidores há tempos. Entretanto, o caso mais nítido de recuperação da capacidade competitiva via operação no exterior é o da petroquímica. A revolução na produção do gás de rocha ("shale gas") nos EUA derrubou seus preços para a faixa de US$ 2,5 por milhão de BTUs, comparados aos US$ 15 no Brasil. É o que levou o grupo Ultra e a Braskem a comprar unidades naquele país. A petroquímica brasileira está condenada ao encolhimento enquanto a Petrobrás precificar o produto como tem sido nos últimos anos. A redução do custo da energia nos Estados Unidos também beneficia, naturalmente, as indústrias que precisam de calor, como a siderúrgica. Mais uma vez, as unidades da Gerdau ficam bonitas na foto.

Expansão e integração para frente: a expansão para a área de serviços, a partir de uma base industrial, tem várias vantagens. O segmento não tem grande competição externa (exceto na área de turismo), sofre em geral com menor interferência governamental (fora regulação, que afeta a todos), menor pressão sindical e, muitas vezes, permite maior eficiência tributária, especialmente no sistema de impostos sobre o valor adicionado completamente abastardado que temos hoje.

Logística, distribuição de produtos no atacado e varejo são áreas de expansão de antigas empresas industriais. Grupo Ultra e Cosan são dois dos exemplos de casos muito bem sucedidos.

Algumas companhias de setores duramente atingidos pela competição externa, como calçados e têxteis, reposicionaram-se partindo para o varejo. Neste caso, além da ampliação das margens, as informações colhidas diretamente com os consumidores permitem ajustar muito mais rapidamente as coleções, minimizando os erros. Em certos casos, o varejo acaba mais importante até que a indústria; em outros, o instrumento de expansão são as franquias, mantendo-se o "core" industrial. Arezzo, Hering e Lupo são exemplos dessas estratégias.

Estes casos são apenas alguns dos que mostram existir possibilidades de ajustes mais sustentáveis. É claro que nem tudo são flores. O varejo, por exemplo, apresenta também grandes desafios. Entretanto, o mais importante é a capacidade das companhias de construir seu futuro.

Uma última observação: a política de campeões nacionais pouco ajuda neste quadro, pois ela é parte da rota de Brasília. Esta acaba se sobrepondo à rota da eficiência, porque em geral dá muito menos trabalho. Tão simples quanto isto.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

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