sábado, 16 de junho de 2012

Destruição criadora:: Merval Pereira

A crise financeira que devastou o mundo a partir de 2008, cujas consequências perduram até hoje, trouxe à tona a necessidade de rever atitudes e procedimentos para que o capitalismo continue sendo o melhor sistema econômico disponível, privilegiando a produção e não a especulação financeira, prestando melhores serviços à sociedade.

A disputa entre os defensores de ações do Estado para superá-la e os que se batem pela redução da ação do Estado nestes anos pós-crise atualizou uma disputa mais antiga, entre o austríaco liberal Hayek e o inglês intervencionista John Maynard Keynes, a tal ponto que diversas simulações de um debate entre os dois foram promovidas em várias partes do mundo, inclusive aqui no Brasil, em novembro do ano passado, patrocinado pelo Ibmec.

A estudante Virgínia Barbosa teve a ideia de replicar um debate realizado meses antes pela BBC de Londres. Desta vez, para discutir os novos rumos do capitalismo, a mesma Virgínia, com o apoio do Ibmec e do Instituto Millenium, promoveu um debate, realizado na quarta-feira passada no auditório da Academia Brasileira de Letras, que eu intermediei, entre os economistas André Lara Resende e Gustavo Franco, dois dos criadores do Plano Real.

Ambos valeram-se não de Hayek ou Keynes para analisar a crise econômica global, mas de Joseph Schumpeter, um dos mais importantes economistas da primeira metade do século XX , autor da teoria da "destruição criativa" do capitalismo.

Lara Resende lembrou que, evitando um grande colapso à custa de um aumento expressivo da dívida pública e do passivo dos bancos centrais, "ao se controlar artificialmente as forças cíclicas naturais do capitalismo, se pode ter esclerosado grande parte de suas virtudes, de sua força criativa e renovadora".

Foi aí que lembrou Schumpeter, "defensor entusiasmado do capitalismo e da fecundidade do espírito empresarial", enfatizou a importância da "destruição criadora" do capitalismo, "como mola propulsora dos avanços em todas as esferas da sociedade".

Já Gustavo Franco começou sua fala afirmando que tinha otimismo "sobre o capitalismo e sobre Brasil, e também, sobretudo, sobre o casamento entre um e outro, essencialmente um empreendimento de destruição criadora".

Para ele, destruição criadora, instabilidade "são partes necessárias dessa paisagem, não existe capitalismo sem isso". Talvez porque, analisou, "o capitalismo é um sistema de arquitetura aberta, por isso se adaptará, emergirá mais forte" da crise.

André Lara Resende acha, no entanto, que "a possibilidade de que estejamos próximos de duas restrições, que eram ainda distantes nos anos 30, exige efetivamente repensar os rumos do capitalismo".

A primeira seria "o limite do tolerável - no sentido de não vir a se tornar disfuncional - da participação do Estado na economia". Ele lembrou que em toda parte, "até mesmo onde o capitalismo nunca foi seriamente questionado, como nos EUA", houve, ao longo de todo o século XX, "sistemático aumento da carga fiscal e da participação do Estado na renda nacional".

As respostas, tanto para a crítica econômica - da instabilidade intrínseca - quanto para a crítica social - da desigualdade crônica - ao capitalismo, levaram ao aumento da participação do Estado na economia.

A segunda nova restrição seria "a proximidade dos limites físicos do planeta", assunto que ele vem abordando ultimamente em vários artigos. "É evidente que não será possível continuar indefinidamente com a série de ciclos de expansão do consumo material, alimentado pela turbina do crédito, até uma nova crise, que só se resolve com mais crescimento", analisou Lara Resende, para ressalvar: "A menos que haja uma radical mudança tecnológica, será preciso encontrar a fórmula do aumento do bem-estar numa economia estacionária."

Para ele, a mudança tecnológica "não parece provável", pois a questão do meio ambiente seria um caso clássico "de bens públicos, que o mercado não precifica de forma correta".

Uma crítica à esquerda ao capitalismo, quanto ao risco do consumismo, está sendo retomada depois da crise econômica de 2008, lembra Lara Resende: "A tese da alienação consumista permeia a crítica cultural do capitalismo de massas, desde a Escola de Frankfurt até os novos teóricos da sociedade do espetáculo."

Para ele, "ao transformar todas as esferas da vida numa questão de cálculo financeiro, ganhamos capacidade de criar riqueza, mas em contrapartida nos tornamos insaciáveis".

André Lara Resende diz, ecoando vários autores, que "a busca desenfreada por crescimento econômico, por mais consumo material, nos levou a esquecer de por que queremos mais. Mais consumo material tornou-se um objetivo em si mesmo".

Para ele, "será preciso superar o fosso profundo do preconceito ideológico" para encontrar respostas para "as duas grandes questões de nosso tempo": como reduzir a disparidade dos padrões de vida, sem aumentar a intermediação do Estado e restringir as liberdades individuais. E como reverter o consumismo, a insaciabilidade material, sem reduzir a percepção de bem-estar.

"São grandes desafios, sem dúvida", admite André Lara Resende, para quem a competição capitalista parece "imprescindível" para que seja possível encontrar as respostas aos problemas criados pelo sucesso do capitalismo.

"Só a pluralidade das ideias, que foi capaz de desmistificar todo tipo de autoritarismo, seja o religioso, o fundamentalista ou o ideológico, e criar a cultura da autonomia do indivíduo, será capaz de fazer revisão cultural que a circunstâncias exigem, sem sacrificar as conquistas do Iluminismo."

(Continua amanhã.)

FONTE: O GLOBO

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