segunda-feira, 18 de junho de 2012

Economia verde: afinal, de que se trata? :: Paulo Haddad

Nas últimas semanas, em função da Rio+20, um dos conceitos mais comentados pelos meios de comunicação é o de economia verde. A experiência mostra que, quando todo mundo fala de um assunto novo, as pessoas provavelmente podem estar falando de coisas diferentes. Podem-se distinguir pelo menos três das principais interpretações que têm sido dadas à economia verde. É possível identificar a primeira interpretação de uma versão mais limitada do que seja a economia verde. Trata-se da tentativa de estender o sistema de preços aos serviços e aos ativos ambientais, mesmo considerando-se que a sua valorização não signifique que esteja transformando-os em mercadorias.

O sistema de preços é considerado um mecanismo tão eficiente, democrático e econômico de resolver os problemas econômicos fundamentais de uma sociedade (o que produzir, como produzir, onde produzir, como produzir e para quem produzir) que acaba por estimular um esforço intelectual muito expressivo para preservar o seu uso nas políticas ambientais. É o caso, por exemplo, de situações em que ocorrem externalidades ambientais (poluição hídrica, avanço da especulação imobiliária sobre os mangues, desmatamento, etc.), quando se procura definir apropriadamente um valor econômico para os recursos ambientais, simulando as condições de mercado para a sua disponibilidade e a sua utilização, a fim de se identificarem as perdas e os danos para a sociedade.

Os mercados funcionam adequadamente na alocação de bens privados, os quais são caracterizados pela exclusividade (quem não desejar pagar o preço de mercado é excluído do seu consumo) e pela rivalidade no consumo (o bem pode ser subdividido, de tal forma que quem consome pode excluir os outros dos seus benefícios). Os bens ambientais tendem a ser não excludentes e divisíveis (exemplo: reservas de águas subterrâneas), excludentes e indivisíveis (exemplo: acesso às áreas fechadas de reservas naturais) ou indivisíveis e não excludentes (exemplos: paisagens cênicas; ar puro). Assim, muitos bens ambientais, por se assemelharem mais a bens públicos (não excludentes, indivisíveis, sem rivalidades) do que a bens privados, não conseguem desenvolver ou simular mercados para avaliações monetárias apropriadas e consistentes.

Uma segunda concepção de economia verde está ligada ao desenvolvimento de modelos de planejamento econômico-ambiental que incorporam os conceitos de insumos ecológicos, processos ecológicos e produtos ecológicos. Trata-se de uma tentativa de melhor compreender a interdependência entre o sistema ecológico e o sistema econômico. Esses modelos permitem que se analisem, por exemplo, os impactos dos investimentos previstos no PAC sobre a pegada ecológica (relativa às áreas de terra produtiva e aos ecossistemas aquáticos), sobre a pegada de carbono (emissão de gases de efeito estufa) e sobre a pegada hídrica (uso direto e indireto de água). Esbarram, contudo, em enormes dificuldades para obter dados sobre o subsistema ecológico, desde o cálculo de simples coeficientes que relacionem a quantidade de poluentes de diversos tipos emitidos por unidades de produção em cada setor produtivo até informações sobre as características específicas de diferentes processos ecológicos.

Essas duas concepções de economia verde se situam, contudo, dentro de uma visão tradicional da Ciência Econômica. Na visão tradicional, a economia é vista como um sistema isolado, sem trocas de matéria e energia com o meio ambiente. Nesta visão, muitas vezes, não se vislumbram insumos ecológicos ou produtos ecológicos enquanto se produz (exemplos: captação de água ou emissão de dejetos industriais em uma bacia hidrográfica), enquanto se consome (exemplo: emissão de monóxido de carbono de veículos automotivos) ou enquanto se acumula capital (investimentos) na sociedade.

O ecossistema é considerado apenas como um setor extrativo e de disposição de resíduos da economia. Mesmo que esses serviços se tornem escassos (capacidade de suporte de uma bacia hidrográfica ou limitações de oferta de um recurso natural não renovável relevante), o crescimento econômico pode se manter para sempre porque a tecnologia permite a substituição de capital natural por capital man-made. O único limite ao crescimento, na visão tradicional, é a tecnologia e, desde que se desenvolvam novas tecnologias (produção de etanol ligno-celulósico para o aproveitamento do bagaço da cana ou de resíduos de madeiras, a descoberta de novos materiais, a miniaturização de bens duráveis de consumo, etc.), não há limites para o crescimento econômico.

Por outro lado, a visão contemporânea de desenvolvimento sustentável inclui a economia como um subsistema aberto do ecossistema. Desde que o ecossistema permaneça constante em escala enquanto a economia cresce, é inevitável que, a economia se torne maior em relação ao ecossistema ao longo do tempo, ou seja, a economia torna-se maior em relação ao ecossistema que a contém. O capital natural remanescente passa a ser o fator limitativo do crescimento econômico num ecossistema congestionado (com estresse ou em regime de coma ecológico) onde prevalecem as leis da termodinâmica, a de conservação de matéria e energia e a lei da entropia.

Paulo Haddad, professor do IBMEC/MG. Foi ministro do Planejamento, da Fazenda no governo Itamar Franco

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

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