domingo, 10 de junho de 2012

Enquanto isso, nos EUA...:: Merval Pereira

A Suprema Corte dos Estados Unidos é o modelo de Corte Constitucional em que se baseia nosso Supremo Tribunal Federal, e como cá, nos EUA os presidentes da República nomeiam os ministros. Mas lá o Congresso, sempre equilibrado entre os partidos Republicano e Democrata, é mais severo ao aprovar as indicações: o ex-presidente George W. Bush não conseguiu emplacar sua advogada, que renunciou antes de se submeter à sabatina, diante da reação negativa que sua indicação suscitou.

Lindon B. Johnson nomeou seu advogado pessoal Abe Fortas e depois tentou fazê-lo Presidente da Corte - lá é o presidente dos Estados Unidos quem nomeia o presidente da Suprema Corte, função vitalícia -, mas o Senado não aceitou, e Fortas renunciou.

Mas o mais importante é que, lá, o cargo de ministro é vitalício, o que faz abrir pouquíssimas vagas nos oito anos de mandato de um presidente que se reelege. Aqui, a idade limite de 70 anos e o sistema de aposentadoria pública estimulam a aposentadoria precoce.

Mas, sempre que podem, os presidentes tentam, com suas nomeações, dar uma tendência à Suprema Corte de acordo com seu próprio credo político.

Em tempos recentes, lembra Tomas Trebat, diretor do Instituto de Estudos da América Latina e do Centro de Estudos Brasileiros da Universidade Columbia (NY), tem havido críticas à Corte, acusada de ser apenas uma filial do Partido Republicano.

Outro americano especialista em política brasileira, o cientista político David Fleischer, lembra que em 2000, quando o Supremo americano mandou o estado da Flórida encerrar a recontagem da votação para presidente, dando a vitória para George W. Bush, que assim venceu no colégio eleitoral, dois juízes da Corte Suprema deveriam ter se considerado impedidos pois seus filhos estavam envolvidos no caso, um na banca de advocacia defendendo Bush, e outro defendendo Al Gore. A imprensa americana foi muita dura nas críticas, mas estes dois juízes nem deram bola.

Atualmente, o Supremo americano está para decidir a constitucionalidade do "Obamacare" - o sistema de plano de saúde obrigatório que o Congresso aprovou em 2009 -, e o presidente Obama foi duramente criticado por supostamente fazer pressão sobre a Corte quando, em uma entrevista, disse que não acreditava que os juízes fossem anular uma lei aprovada pela maioria do Congresso.

Um caso famoso recente diz respeito ao ministro Antonin Scalia, um dos mais antigos e conservadores da Corte Suprema, que foi flagrado participando de uma caçada em companhia do então vice-presidente dos Estados Unidos Dick Cheney, em cujo avião oficial pegou carona. Como havia um caso em julgamento que envolvia diretamente Cheney, foi questionada a participação de Scalia no julgamento.

O juiz reagiu dizendo que ninguém que acreditasse que ele seria capaz de julgar imparcialmente, apesar de sua amizade com o vice-presidente, acharia razoável que ele não decidisse imparcialmente apenas por que foi caçar com seu amigo e aceitou uma carona num avião do governo.

Para completar, criticando a imprensa que o criticava, Scalia disse que a questão não era o que um observador desinformado pudesse pensar, mas sim o que um observador bem informado pensaria. E acrescentou que em nenhum momento da viagem ficara sozinho com Cheney e que pagou um bilhete de ida e volta ao local da caça, pois só pegou carona na ida. Em nenhum momento a questão ética entrou em suas análises.

Diego Werneck Arguelhes professor da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas e especialista no sistema Judiciário americano diz que em seus mais de 200 anos de história constitucional, o Estados Unidos foi um verdadeiro laboratório de maneiras pelas quais a política pode pressionar e até disciplinar o Judiciário: remoção de competências da Corte, suspensão da garantia do habeas corpus (Lincoln, durante a Guerra Civil), emendas constitucionais "anulando" interpretações da Constituição feitas pelo Judiciário - e até um caso de impeachment de um juiz (Samuel Chase, no início do século XIX).

O exemplo sempre lembrado pelos estudiosos é a tentativa de mudanças na composição da Suprema Corte feita pelo presidente Franklin Roosevelt.

Reeleito com grande apoio popular, ele enfrentava resistências na Suprema Corte, que declarava inconstitucionais diversas leis por ele chanceladas criando proteções sociais aos trabalhadores, que a Corte, de perfil ultraliberal, considerava violarem a liberdade de contratar, prevista na Constituição.

Roosevelt então mandou para o Congresso um projeto que lhe dava direito de nomear um ministro para cada um que completasse 70 anos, a fim de aumentar sua influência na Corte.

O projeto não foi aprovado, mas a Suprema Corte cedeu e passou a validar a legislação social e intervencionista do New Deal.

O professor Diego Werneck diz que tampouco faltam exemplos de posturas desafiadoras em relação a decisões judiciais particularmente controversas, especialmente em casos de racismo.

Vários estados do Sul se recusaram inicialmente a cumprir a decisão no caso Brown vs. Board (1954), que permitiu que crianças brancas e negras frequentassem a mesma escola.

Ele define como "bullies" da Suprema Corte grandes figuras da história americana que a enfrentaram em alguns momentos, como Thomas Jefferson e Andrew Jackson, ambos em confronto com o presidente da Suprema Corte John Marshall.

Segundo Diego Werneck, há uma diferença básica entre o que acontece nos Estados Unidos e aqui: ações institucionais da política contra a Justiça, como retaliação a decisões já tomadas, são parte do jogo nos EUA; ações individuais em relação a juízes específicos, no processo de tomada de decisões específicas, não. Os canais e os efeitos da pressão são institucionais, e não pessoais.

FONTE: O GLOBO

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