domingo, 3 de junho de 2012

José R. Mendonça de Barros: 'Não dá para repetir a mágica do passado'

Ex-secretário da Fazenda alerta que dez milhões de famílias estão endividadas e estimular PIB por meio do consumo não resolve mais

Eliária Andrade

O GLOBO: Depois do resultado do PIB no primeiro trimestre, o que esperar do ano?

JOSÉ ROBERTO MENDONÇA DE BARROS: A nossa projeção para o trimestre era de 0,5%, portanto, veio pior do que imaginávamos. A expectativa é de alguma recuperação a partir do segundo semestre. Entretanto, os dados parciais de produção de abril e de maio já sugerem que essa recuperação vai compensar mal e mal a fraqueza da primeira metade do ano. Esperamos um PIB no fechamento do ano em torno de 2,5%. Se chegarmos a esse número, já será um acontecimento, porque pode ser ainda menor.

Por que menor?

MENDONÇA DE BARROS: Do lado da demanda, o consumo ainda veio razoável no primeiro trimestre. Cresceu 1%. O que me preocupa é a trajetória dos investimentos, que apresentou queda pelo terceiro trimestre consecutivo. A relação PIB e investimento caiu para 18,7%, contra 19,5% antes. Como reação à crise internacional e ao baixo crescimento da economia no período mais recente no Brasil, os empresários estão mais cautelosos. O que vemos é o adiamento de projetos importantes. E é difícil mudar esse comportamento.

Por que as medidas do governo não fizeram efeito?

MENDONÇA DE BARROS: Esse efeito vai aparecer, necessariamente. O consumo de automóveis vai se recuperar lentamente, assim como o de outros bens. Mas esse efeito será limitado, dado o grau de endividamento dos consumidores. Fizemos uma pesquisa com uma amostra de 55 mil pessoas, usando como base a POF de 2009. O resultado é que mais de dez milhões de famílias em todo o país já comprometem mais de 30% de sua renda mensal com o pagamento de prestações. Em alguns casos, esse comprometimento chega a 50%.

O governo, então, segue um caminho que não dará certo?

MENDONÇA DE BARROS: Francamente, não vejo nada (na atual política econômica) que não seja tiro curto: um favorzinho aqui, tira um imposto dali. Não tem foco.

Falta política estrutural?

MENDONÇA DE BARROS: Estamos perdendo as condições de mercado com essa visão, que está basicamente errada, de achar que é bombando a demanda e dando favores a certos setores que todo o resto estará resolvido. O mundo mudou, a situação dos mercados mudou. E, internamente, os consumidores estão mais endividados. Não dá mais para repetir a mágica que deu certo no passado.

O senhor se refere ao aumento de consumo depois de 2008?

MENDONÇA DE BARROS: Até recentemente, a expansão do consumo foi gigantesca porque havia o efeito da inclusão de novos consumidores no mercado. Essas pessoas utilizaram o crédito e rapidamente preencheram seu espaço de endividamento. Neste momento, é impossível incorporar novas levas de consumidores. Ficar bombando o consumo vai resultar numa resposta cada vez menor do que antes. No fundo, teremos um segundo ano com crescimento entre 2,3% e 3% (em 2011, o PIB avançou 2,7%). Isso mostra que a economia mantém pesos atados às pernas. O peso do custo-Brasil, do excesso de tributos, de burocracia, agora de excessiva intervenção do governo. Os suspeitos de sempre. E o governo insiste em uma só direção.

E a previsão para o próximo ano?

MENDONÇA DE BARROS: É possível que o resultado seja melhor do que o de 2012, mas não nos parece provável que seja um número muito maior do que 3%.

Na sua avaliação, o que pode ter maior peso sobre a economia: os efeitos políticos de um ano com CPI no Congresso ou a crise na Europa?

MENDONÇA DE BARROS: A questão política influi nas expectativas. Mas a crise na Europa é o que mais gera preocupações, na medida em que pode evoluir para um estágio ainda pior do que o atual.

O euro vai acabar?

MENDONÇA DE BARROS: Gosto muito de uma frase segundo a qual, em certos momentos, quem diz que sabe o que está acontecendo é porque está mal informado. Os países estão reagindo aos fatos. Se vai haver uma ruptura, não sei. No curto prazo, a Alemanha vai acabar cedendo mais uma vez e haverá um entendimento para sair desse sufoco. Mas em um ou dois anos o provável é que a Grécia, de comum acordo, deixe o euro.

Com a crise na Europa, qual o comportamento dos investimentos estrangeiros?

MENDONÇA DE BARROS: Parece que aquele encantamento com o Brasil desmontou. E não falo do investidor que vem para especular, mas do industrial. Todos estão mais cautelosos. Junto com a crise lá fora, você tem a constatação de que o país não fez reformas estruturais, há excesso de intervenção e protecionismo, e os custos explodiram em todos os setores.

O Copom voltou a cortar a Selic. Trata-se de um acerto?

MENDONÇA DE BARROS: Está correta a avaliação de que os juros deveriam cair, aproveitando esse efeito deflacionário de preços decorrente da crise internacional. Mas o que me incomoda nessa administração é o zigue-zague completo, desde o ano passado, nas análises e comunicações do Banco Central. Uma hora é ousado, na outra volta a ser conservador. É normal que governos reajam a mudanças de curto prazo, mas não da forma como vemos hoje.

Interferência do Planalto?

MENDONÇA DE BARROS: Pode ter uma certa redução na independência (do BC), pelo menos como conhecíamos antes. Mas o que me parece mais óbvio é que o BC está satisfeito com qualquer número de inflação que fique entre 5% e 6% (no ano). É uma mudança de visão de mundo, que expôs a equação do crescimento explicitamente. Ao ficar nesse zigue-zague, o BC demonstra que não sabe operar com dois objetivos, o de crescimento e o de inflação.

FONTE: O GLOBO

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