sexta-feira, 1 de junho de 2012

Juros, uma fronteira importante:: Luiz Carlos Mendonça de Barros

Juros reais mais baixos são uma vitória para a sociedade, mas trazem dose maior de responsabilidade

Amanhecemos ontem com a menor taxa Selic desde que o sistema de metas de inflação foi criado, em 1999. O mesmo pode ser dito se considerarmos o juro real (que desconta a taxa de inflação prevista para os próximos 12 meses).

Olhando para a frente, isso quer dizer que as aplicações financeiras devem render aos investidores algo próximo de 3% ao ano. Se descontarmos o pagamento do Imposto de Renda, o numero é ainda mais baixo. Sem dúvida, cruzamos mais uma fronteira importante na evolução da economia brasileira.

Os juros juntam-se agora a outras mudanças estruturais que vêm ocorrendo desde que o presidente Fernando Henrique Cardoso liderou a luta contra a hiperinflação, em 1994. O Brasil tem uma situação fiscal sólida, com o Banco Central reportando ontem que a dívida do governo, descontados ativos líquidos, equivalia a 35,7% do PIB do país.

Mesmo se olharmos para a dívida bruta (56,8% do PIB em abril), vivemos hoje em um país pouco endividado quando comparado com o mundo desenvolvido. Em 12 meses, o deficit nominal chegou a 2,42% do PIB, abaixo do teto de 3% que prevalece na zona do euro e atualmente quase inatingível para vários países que dela fazem parte.

Outra mudança relevante nos últimos anos foi a transformação do real em moeda confiável, forte e que precisa da intervenção do Banco Central para evitar sua valorização excessiva. Apenas os juros continuavam em níveis muito elevados, mesmo depois de acomodar-se em níveis mais civilizados nos últimos anos. Agora vamos viver -devedores e credores- em um equilíbrio mais coerente com a situação macroeconômica que construímos com tantas dificuldades.

Mas para que essa nova realidade dos juros possa ser perene, como as outras mudanças que citei, será preciso uma posição mais cuidadosa do governo -principalmente do Banco Central- na gestão da política econômica. Um juro real elevado representa uma defesa natural maior contra flutuações em preços importantes da economia causadas por forças de mercado ou por erros de política econômica.

Por exemplo, com os juros reais próximos de 3% ao ano, a flutuação da taxa de inflação precisa ser muito menor do que a que ocorria no passado, quando os juros reais chegavam a mais de 8% ao ano.

Com espaço bem menor de segurança, a fronteira entre juros reais positivos e negativos pode ser cruzada com maior frequência e rapidez. Principalmente porque estamos vivendo em um mundo afetado por fortes forças deflacionárias e que poderão mudar de direção se a crise mundial der sinais de acomodação.

Vejam, por exemplo, a queda recente dos preços do petróleo nos mercados internacionais e que salvaram a Petrobras de correção forte nos preços dos combustíveis. Se a economia mundial se recuperar, os preços do petróleo voltarão a subir, e um reajuste será necessário.

Outro exemplo importante desse cuidado adicional é a administração da taxa de câmbio. O financiamento da dívida pública interna, principalmente na parte mais longa de seus vencimentos, depende em grande parte dos investidores estrangeiros.

Com juros mais baixos, o valor do real nos mercados de câmbio passa a ser muito mais decisivo para a manutenção desses investidores em nosso mercado.

E não estamos falando de investidores de curto prazo, ou especuladores, como habitualmente diz nosso ministro da Fazenda.

A responsabilidade pela manutenção da estabilidade microeconômica daqui para a frente será, no final, do BC na condução da política monetária. Os ajustes nos juros Selic, devido a mudanças conjunturais, terão de ser mais rápidos e com maior eficiência. Além disso, a importância das expectativas de mercado em relação à taxa futura de inflação também vai aumentar na administração dos juros, forçando o BC a considerá-la de forma mais relevante nas suas decisões.

Como tudo na vida, juros reais mais baixos representam uma vitória para a sociedade, mas trazem no seu bojo uma dose maior de responsabilidade e eficiência.

Luiz Carlos Mendonça de Barros, 69, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo Fernando Henrique Cardoso).

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

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