domingo, 17 de junho de 2012

Palmas pra eles!

A CPI do Cachoeira decidiu que, por enquanto, não vai convocar para depor o dono do grupo Delta. Isso depois de ele ter ameaçado revelar segredos que envolvem outras empreiteiras com doações clandestinas a políticos

Daniel Pereira e Adriano Ceolin

A foto que ilustra essa página sugere ao leitor mais desavisado que a CPI do Cachoeira desvendou um dos mais intrincados mistérios sobre as relações heterodoxas do contraventor Carlos Augusto Ramos com autoridades públicas, políticos empreiteiras aquinhoadas com contratos milionários em órgãos oficiais. Mas os sorrisos e os aplausos de alguns deputados e senadores não refletem nem de longe o bom andamento dos trabalhos da comissão — pelo contrário proclamam sua paralisia e a falta de disposição dos parlamentares para investigar um esquema de corrupção com potencial para manchar boa parte do espectro partidário do país. Essa abulia investigativa ficou clara, mais uma vez na semana passada. Convocados a prestar esclarecimentos sobre indícios de envolvimento de suas administrações com a máfia da jogatina, o governador de Goiás, o tucano Marconi Perillo, e o do Distrito Federal, o petista Agnelo Queiroz, ambos investigados pelo Ministério Público, foram absolvidos sem sobressaltos pelo plenário. Saíram das audiências "maiores" do que quando entraram, segundo um espantoso consenso. Daí a alegria incontida de seus correligionários e das claques levadas ao Congresso. Palmas e mais palmas!

Mas há outro motivo para o júbilo da maioria dos parlamentares. A CPI rechaçou a convocação de Fernando Cavendish, dono da Delta Construções, empreiteira que se tornou a principal prestadora de serviços à União no governo Lula. Negou-se a ouvi-lo menos de dois dias depois de a Controladoria-Geral da União (CGU) ter declarado a empreiteira inidônea — o que a impede de fechar novos contratos com o poder público — ao atestar que ela pagara propina para obter obras no Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit). A negativa da comissão soa a um tremendo contrassenso — e é. Mas tem explicação. No mesmo dia em que a CGU anunciou a punição à Delta, Cavendish esteve em Brasília. Numa conversa com um parlamentar de quem é amigo, ele disse que não apenas a Delta, mas a maioria das grandes empreiteiras paga propina a servidores públicos e políticos em troca de obras e aditivos contratuais. Cavendish afirmou ainda que a Delta adotou o mesmo sistema que já era usado pelas outras empreiteiras: para dificultar o rastreamento da propina, repassava os recursos a empresas-laranja, que, posteriormente, entregavam o pedágio a quem de direito.

Sentindo-se injustiçado por ser o único a expiar os pecados em público, Cavendish apresentou ao parlamentar um conjunto de empresas-laranja que serviriam à Delta e às concorrentes. Ele nominou sete empresas das áreas de engenharia e terraplenagem. Todas atenderiam às empreiteiras de modo geral, repassando recursos destas a autoridades que facilitam a obtenção de contratos em órgãos públicos. Todas funcionam em São Paulo e têm como proprietário o empresário Adir Assad, apesar de estarem em nome de pessoas como o técnico em refrigeração Jucilei Lima dos Santos e de Honorina Lopes, sua mulher, ambos encarnando o papel daquilo que os manuais de corrupção classificam como laranja. Cavendish conhece como poucos Adir Assad — e os serviços prestados por ele. Há duas semanas, VEJA revelou que a Delta repassou 115 milhões de reais a empresas-laranja. Do total, 47,8 milhões abasteceram as contas da Legend Engenheiros Associados, da Rock Star Marketing e da S.M. Terraplanagem, que também são de propriedade de Adir Assad. As sete novas empresas de engenharia e de terraplenagem, segundo Cavendish, fariam parte do mesmo laranjal a serviço da Delta e também de outras grandes empreiteiras do país.

O parlamentar que conversou com Cavendish passou o relato adiante. Foi como se acendesse um rastilho de pólvora que percorreu as bancadas do PMDB, PP, PR e PT. O recado foi entendido como um pedido de solidariedade e, claro, como uma ameaça velada, destinada a trazer novas empresas e parlamentares para o centro da investigação. "Está claro que convocar o Cavendish é trazer para a CPI todas as empreiteiras", diz um graduado petista que votou contra a convocação do empreiteiro. Só uma investigação acurada sobre a movimentação financeira das empresas-laranja revelará se Cavendish blefa ou fala a verdade. O fato é que, na semana passada, o empresário foi blindado apesar da fartura de indícios que pesam contra ele. Além do relatório do Coaf, a própria CPI já detectou que houve grande quantidade de saques em dinheiro, às vésperas das eleições, nas tais empresas-laranja abastecidas pela Delta. Uma planilha em poder da comissão também revela que contas da empreiteira que recebiam os recursos federais foram as mesmas que transferiram dinheiro para uma empresa-laranja sediada em Brasília, agraciada com 29 milhões de reais. Os parlamentares de oposição acreditam que encontraram o caixa usado para subornar funcionários; do governo federal.

O deputado Miro Teixeira (PD lembrou no plenário da CPI o célebre segredo de Cavendish para transformar a Delta em campeã de verbas recebidas da União. Conforme revelado por Veja, o empreiteiro disse que corrompia poderosos para conquistar contratos. Um senador da República custaria 6 milhões de reais. "Se eu botar 30 milhões de reais nas mãos de políticos, sou convidado para coisas para c...", afirmou Cavendish a dois ex-sócios numa conversa gravada. Já naquela época, o empresário prescrevia, segundo os ex-sócios, o uso de notas frias para justificar a saída do dinheiro que remunerava políticos e servidores que abriam o cofres da administração pública. A CPI desistiu de votar a convocação de Cavendish por 16 votos a 13. Prevaleceu a maioria formada por aquilo que Miro chamou de "tropa do cheque" - pressão cunhada um dia antes, num ato falho, pelo deputado Ronaldo Fonseca (PR-DF). A tropa pró-Cavendish foi integrada pelos parlamentares do PT e da base aliada — os mesmos que a aparecem na foto aplaudindo. Para a definição do placar, foram decisivos dois parlamentares: o senador Ciro Nogueira (PP-PI), que se alinhou à maioria, e o deputado Maurício Quintella Lessa (PR-AL), que não participou da sessão. Soube-se depois que Nogueira e Lessa haviam se encontrado na Semana Santa com Cavendish num restaurante Paris. Um encontro casual que, alegam os parlamentares, nada teria influenciado na posição dos dois na comissão.

Principal padrinho da criação da CPI do Cachoeira, o ex-presidente Lula nunca quis investigar a Delta. A ideia inicial dele era usar a comissão para tumultuar o julgamento do mensalão, no qual figuram como réus o ex-ministro José Dirceu e outros petistas de proa (veja o quadro ao lado). O plano deu errado. O processo começará a ser analisado em agosto, e a empreiteira já está na pauta da comissão parlamentar, inclusive com sigilo bancário quebrado. Devido ao desgaste na semana passada, até o relator. Odair Cunha (PT-MG), admite que será inevitável a convocação de Cavendish. O PT já percebeu esse movimento e, por isso, tratou de reforçar sua tropa de choque na CPI. Ex-presidente do partido, o deputado Ricardo Berzoini foi escalado para o posto de suplente no lugar do inexpressivo Sibá Machado. Os petistas tentaram ainda ocupar vagas dos suplentes do PMDB. Se dependesse do partido, a CPI do Cachoeira manteria a prática de aprovar dezenas de convocações e quebras de sigilo, mas só de coadjuvantes ou de pessoas e empresas já devidamente investigadas pela Polícia Federal. Na melhor das hipóteses, mexeria com personagens de apelo popular, mas com pouca capacidade de elucidar a organização criminosa sob investigação. Caso da esposa de Cachoeira. Andressa Mendonça, convocada a depor na semana passada. Pelo menos beleza ela levará a um espetáculo que, - até agora, tem se mostrado degradante para a imagem do Congresso brasileiro. Palmas pra eles!

FONTE: REVISTA VEJA

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