sábado, 23 de junho de 2012

Paraguai cassa presidente e pode ser expulso do Mercosul

Senadores ignoram pressão de países, que ameaçam isolar novo governo

A nove meses das eleições, o Senado paraguaio aprovou o impeachment do presidente Fernando Lugo, o primeiro da História do país, e empossou o vice-presidente e opositor, Federico Franco. Senadores ignoraram os apelos da missão da União das Nações Sul-Americanas (Unasul), que tentou salvar o ex-presidente da cassação, relata Flávio Freire, enviado a Assunção. O bloco ameaça não reconhecer a legitimidade do novo governo e isolá-lo. A presidente Dilma Rousseff cogitou sanções, entre elas a expulsão do Mercosul. Aparentemente conformado, Lugo disse que a democracia foi distorcida “de forma covarde”, mas garantiu que acataria o impeachment.

Senado cassa Lugo e isola país

Congresso ignora pressão da Unasul e empossa vice, após destituir pela 1 vez um presidente

Flávio Freire

Ignorando os apelos da diplomacia regional e a mobilização popular, o Senado paraguaio aprovou ontem, a nove meses das eleições, o impeachment do presidente Fernando Lugo, o primeiro da História do país. Aparentemente conformado, Lugo prometeu respeitar a decisão, que elevou ao poder imediatamente o vice Federico Franco, um de seus maiores adversários políticos. A cassação foi condenada e classificada como um golpe de Estado pela União de Nações Sul-Americanas (Unasul). O bloco ameaça agora não reconhecer a legitimidade do novo governo e, com os países do Mercosul à frente, isolá-lo regionalmente.

Minutos após a decisão do Senado, já como ex-presidente, Lugo discursou à nação. Disse que a democracia foi distorcida "de forma covarde", mas garantiu que acataria o impeachment. Sua saída, afirmou, foi "pela porta mais importante da pátria, a do coração dos compatriotas".

- Espero que tenham noção da gravidade dos fatos. Acato a decisão do Congresso e estou disposto a responder por meus atos como ex-presidente. Que o direito de manifestar sua opinião não seja negado a nenhum cidadão paraguaio, mas que o sangue dos justos não se derrame nunca mais por causa de interesses mesquinhos no nosso país - discursou Lugo.

Todo o processo durou pouco mais de 24 horas - começou na tarde de quinta-feira e terminou antes da noite de ontem. Cercado por aproximadamente 20 mil manifestantes e protegido por milhares de policiais, o Congresso deu duas horas para os argumentos dos advogados de Lugo - que se recusou a comparecer - e praticamente atropelou a apresentação das acusações. A votação do impeachment, feita em menos de cinco minutos, foi de 39 votos a favor e cinco contra.

- Vamos avaliar em que medida será possível continuar com a cooperação. Tudo indica que, pela velocidade dos acontecimentos, poderíamos estar diante de uma situação, de fato, de golpe de Estado - afirmou o secretário-geral da Unasul, o venezuelano Alí Rodríguez, após ler um comunicado assinado pelos chanceleres do grupo. - Nosso temor é de que possa haver um derramamento de sangue.

Diante do Congresso, a multidão de partidários de Lugo recebeu a decisão com indignação. Muitos tentaram romper a barreira da polícia, que respondeu com gás lacrimogêneo e canhões de água. Nas entradas da capital, movimentos de agricultores chegaram a bloquear estradas. E, diante da casa do vice-presidente, manifestantes fizeram vigília - sem sucesso - para evitar que ele deixasse o local e tomasse posse. Munidos de paus e pedras, alguns chegaram a pular os muros, mas foram contidos por soldados de elite, que também foram posicionados estrategicamente em diferentes pontos do prédio do Congresso. Do telhado, apontavam armas para o povo.

O clima de tensão do lado de fora se refletiu no Congresso. Para evitar que o julgamento político se alongasse, em menos de uma hora senadores opositores leram, sem entrar em detalhes, os cinco motivos que consideraram suficientes para cassar o ex-bispo: mau uso das Forças Armadas; tolerância a invasores de terra; falhas no combate à violência; violação da Constituição paraguaia na assinatura de acordos regionais; e, o estopim, a desastrosa desocupação de uma propriedade perto da fronteira com o Brasil, que terminou com 17 mortes.

- O único instigador das invasões de terra é Lugo, com sua conduta cúmplice - disse o deputado liberal Jorge Ávalos. - Enquanto elas aconteciam, o presidente se mostrava de portas abertas aos líderes dessas invasões.

Em suas duas horas no Congresso, os advogados de Lugo tentaram deslegitimar o processo. Apesar de um impeachment rápido estar previsto na Constituição, argumentaram, o ex-bispo não teve tempo suficiente para preparar sua defesa. Segundo eles, as acusações apresentadas eram infundadas, e o julgamento político foi arbitrário.

- Não há qualquer elemento objetivo para sustentar o que se atribui ao chefe de Estado. Ele está sendo julgado à tradição do autoritarismo strossnista - afirmou Adolfo Ferreiro, um de seus cinco advogados, em referência à ditadura de Alfredo Stroessner. - Não existe crime de ideias no Paraguai, pelo menos desde que somos uma República democrática.

Indiferença à maratona diplomática regional

Antes da votação, Lugo denunciou ser vítima de "um golpe de Estado express ". Ele disse que o processo, mais do que um julgamento político, "era um golpe parlamentar com roupagem jurídica" e prometeu recorrer por outras vias. No discurso após a decisão do Congresso, ele não mencionou o recurso, mas uma ação contra a inconstitucionalidade do impeachment foi aberta na Suprema Corte, como confirmou seu porta-voz.

Os principais diplomatas da América do Sul, com o chanceler Antonio Patriota à frente, fizeram uma maratona para tentar demover a oposição de ir adiante com o impeachment. Eles encontraram representantes de partidos políticos, instituições legislativas e com Federico Franco. Como resposta, obtiveram silêncio e indiferença. Só na casa de Franco ficaram por 40 minutos, até voltarem à sede do governo para redigir o comunicado, lido por Rodriguez, em que lamentavam a falta de abertura para o diálogo.

Lugo permaneceu todo o tempo em seu gabinete, no Palácio Lopez, e acompanhou pela TV toda a sessão do Senado. Franco, por sua vez, só deixou sua casa para tomar posse e, já como presidente, discursar. Ele defendeu a legalidade do impeachment e prometeu fazer a transição até as eleições, marcadas para daqui a nove meses, dentro da ordem constitucional.

FONTE: O GLOBO

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