sexta-feira, 15 de junho de 2012

Teste da liderança:: Míriam Leitão

O Brasil será testado nos próximos dias em sua capacidade de liderança nas negociações da Rio+20. A reunião do Comitê Preparatório vai terminar hoje e há pouca chance de sair deste último dia da etapa preliminar um acordo forte. O Brasil assumirá oficialmente o papel de presidente da Conferência e terá que remover os muitos vetos que se espalham por quase todo o documento.

E há espaço para isso. Entre o fim da reunião do Comitê Preparatório e a chegada dos chefes de Estado, o Brasil instalou quatro estratégicos dias. Neles, haverá um evento semioficial, os diálogos de sustentabilidade. Nas salas de reunião, contudo, as negociações continuarão, apesar de estarem oficialmente encerradas hoje no fim do dia. Na diplomacia, tudo começa antes de começar, e agora, nesta reunião preparatória, vai continuar depois de terminar.

O maior impasse está no que eles chamam de Meios de Implementação. A sigla é MOI (Means of Implementation ). A tradução verdadeira é: dinheiro. Ou seja, empacou tudo na hora de decidir como será o fundo e quem depositará recursos para financiar a busca em países mais pobres pelos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Há vários outros pontos de dúvida, mas esse é o mais difícil.

Normalmente, o país que sedia a conferência tem que assumir a liderança nos momentos de impasse, para tentar dissolvê-lo. Um dos problemas que ocorreu na COP 15, em 2009, foi que o governo da Dinamarca negociou um documento à parte, em conversas com apenas alguns países, e isso minou a confiança na presidência da conferência. O governo dinamarquês negou que tivesse um documento secreto para substituir o que estava sendo negociado. Mas o rascunho acabou vazando e sendo publicado pelo "The Guardian". Seguiu-se a isso uma guerra de documentos feitos por grupos de países. Ao preparar a sua versão do documento, a Dinamarca tinha ouvido preferencialmente dois países: os Estados Unidos e a China. Quem ficou de fora não gostou.

Por isso, quando a imprensa perguntou se o Brasil tinha preparado sua versão paralela do documento, o embaixador Luiz Alberto Figueiredo imediatamente disse que não havia documento algum. Reiterou categórico: "O Brasil não apresentará novos textos." Tentava assim fugir da síndrome de Copenhague.

O caminho que está sendo costurado pelo Brasil é estudar alternativas para cada ponto de impasse. Terá que ser criativo e capaz de conciliar. Neste momento, para atender melhor o interesse de fazer da Rio+20 uma conferência de sucesso, o governo brasileiro terá que ir além da visão brasileira da questão. É o preço da liderança.

Para ajudar a resolver, o Brasil terá que sair do discurso que opõe países ricos e países pobres. O assunto é mais complexo do que isso. Em cada reunião climática e ambiental há um momento em que países como China, Índia, Brasil se escudam atrás do grupo dos G-77 e lembram o princípio das "responsabilidades comuns, porém diferenciadas".

Quando o princípio foi consagrado, o Brasil era um país pequeno, em crise econômica, a Índia também era pequena, e a China tinha uma fração do tamanho que tem hoje, em todos os sentidos. Quando os países ricos querem flexibilizar esse princípio, exigindo, por exemplo, que os países maiores entre os em desenvolvimento participem do rateio dos recursos, eles reagem lembrando as emissões históricas. De fato, quem emite gases de efeito estufa há mais tempo são os países de industrialização mais antiga. Mas hoje a China é a maior emissora absoluta de gases de efeito estufa; os Estados Unidos são o maior quando a conta é feita em relação à população.

É por isso que, ontem, o embaixador Luiz Alberto Figueiredo evitou dividir o mundo assim. Lembrou que a China é líder mundial em desenvolvimento de tecnologia de energias renováveis e que, portanto, pode transferir tecnologia de energia limpa. Lembrou que há neste momento "uma forte retração dos doadores" - os países ricos - "por causa da crise econômica".

Com essas duas declarações, ele admitiu que o mundo é mais complexo do que a divisão que sempre aparece nos discursos em determinado momento. O de que os ricos poluem há mais tempo e que, portanto, têm que capitalizar os fundos de socorro e transferir tecnologia aos mais pobres.

O Brasil terá que exercer sua liderança em momento difícil, porque a crise econômica internacional torna os países tradicionalmente doadores de recursos refratários a qualquer conversa sobre eles depositarem recursos. Como dizer para a Europa que ela terá que depositar num fundo e que a China não o fará?

Há muito mais acordo do que parece. Já houve avanços na negociação para que os países assumam o compromisso de ter Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Está adiantada a negociação para que haja uma legislação, dentro da Convenção do Mar, para proteção da biodiversidade marinha em águas internacionais. Houve acordo sobre o fortalecimento do Pnuma, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente.

Mesmo assim, há risco de fracasso. Como o princípio é o de que nada está decidido até que tudo esteja decidido, se a discussão sobre dinheiro não for superada haverá um retrocesso nos outros pontos. É esse risco que a liderança do Brasil não pode correr.

FONTE: O GLOBO

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