segunda-feira, 16 de julho de 2012

Brics: tema que não pode ser esquecido:: Luiz Carlos Mendonça de Barros

Vivemos um período ímpar na história recente das economias de mercado. A longa crise que atingiu as nações mais ricas do mundo, em meados de 2008, fez com que a ligação de racionalidade entre o curto prazo e o futuro, que sempre caracterizou o chamado capitalismo moderno, se rompesse. Com isso, o metabolismo das economias de mercado mudou de forma radical e mergulhamos em um período difícil para o analista que procura olhar mais longe.

Costumo resumir o que sinto em relação a isso com um pensamento muito simples: os mercados hoje não conseguem olhar para o futuro, pois esperam - a qualquer momento - o fim do mundo e o mergulho em uma crise terminal nas maiores economias do planeta.

Nesta coluna de julho para o Valor vou fugir desse sentimento, que o leitor sabe não ser o meu. Quero projetar as lições de hoje em um horizonte mais longo, pois assim poderemos conhecer mais sobre o que nos espera mais à frente. Aliás, ontem ao rever um filme fantástico de Luchino Visconti - "Il Gattopardo" -, essa ideia de olhar para além dos acontecimentos de curto prazo e procurar visualizar as transformações estruturais que estão acontecendo na economia mundial, ficou ainda mais clara para mim.

Em recente publicação o banco americano JP Morgan apresentou a evolução do PIB mundial nos primeiros 11 anos deste século sob a ótica da divisão entre a evolução dos países desenvolvidos e a dos emergentes. Os números resgatam - e reafirmam - um tema que foi muito popular até três anos atrás e que hoje caiu no esquecimento: o chamado descolamento entre esses dois mundos.

Faço a seguir um pequeno resumo dos números que estão na publicação do Morgan e, a seguir, uma projeção para a segunda década do século se o mundo não acabar.

Uma primeira observação sobre esses números é que eles foram construídos com a metodologia chamada de PPP, em que se usa a chamada paridade do poder de compra das moedas dos vários países para medir o PIB de cada país. Se usarmos para tal as taxas de câmbio de mercado, os números são diferentes, embora a direção seja a mesma.

Com essa segunda metodologia, o PIB do mundo desenvolvido representava, em 2011, 65% do mundial contra 52,1% na metodologia PPP. Em 2000 esses números eram respectivamente de 79,5% para os desenvolvidos e 20,5% para os emergentes, o que mostra um crescimento destes ainda maior quando se usa as taxas de câmbio de mercado.

Outra observação importante que podemos inferir dessa diferença entre as duas metodologias é que, a taxa de câmbio média do mundo desenvolvido, dólar e euro principalmente, terá que se desvalorizar pelo menos 15% nos próximos anos na medida em que esse processo de mudanças se consolidar e, principalmente, se o mundo não acabar. Finalmente fica claro pelos números da tabela que o processo de mudanças no mundo continua muito forte e que o mundo nos próximos anos vai ser muito diferente da fotografia de hoje.

Mas a fotografia de 2011, tirada pela equipe do JP Morgan, irá envelhecer muito rapidamente em função do agravamento da crise de crescimento que viverão as economias desenvolvidas nos próximos anos.

Os mercados hoje não conseguem olhar para o futuro, pois esperam - a qualquer momento - o fim do mundo

Por isso pedi ao economista Fábio Ramos da Quest que projetasse para a próxima década, em função das expectativas de crescimento disponibilizadas pelo FMI e dos dados do trabalho do Banco JP Morgan, a distribuição do PIB mundial entre nações desenvolvidas e emergentes. E os números que aparecem são impressionantes.

Pelo critério PPP a economia chinesa ultrapassa a americana em 2018, e não em 2025 que era a previsão de três anos atrás. O PIB dos principais emergentes ficará maior do que o do mundo rico em 2019, com uma antecipação de cinco anos sobre as previsões anteriores. Ou seja, a crise no mundo desenvolvido que estamos assistindo não apenas interrompeu - ou enfraqueceu - o fenômeno do descolamento que vínhamos assistindo mas acelerou sua intensidade.

Os números mostram também que o fenômeno dos emergentes é basicamente uma dinâmica asiática. Poderíamos inclusive ir mais longe e dizer que ele é provocado pelo crescimento da China. Não por outra razão todos os olhos - que ainda estão abertos - estão voltados para esse país. Embora o Brasil participe pouco dele em termos numéricos, a influência da demanda chinesa chega a nós via os chamados termos de troca. Os preços mais elevados das commodities tem pouca influência na taxa de crescimento brasileira - por nossa culpa - mas dão sustentação à conta corrente externa que é peça relevante para o equilíbrio macro econômico. Quando o pesadelo que vivemos hoje passar, os analistas e os investidores vão acordar para um mundo diferente, como aconteceu com Don Fabrizio Corbera, príncipe da casa Salina, na Sicília no fim do século XIX e início do século XX na história contada por Giuseppe di Lampedusa no livro "Il GattoPardo."

Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é diretor-estrategista da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

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