terça-feira, 24 de julho de 2012

Dilma e o Itamaraty:: Tereza Cruvinel

A personalidade peculiar e um tanto esfíngica da presidente Dilma Rousseff, que muito a diferencia dos políticos, tanto no trato pessoal como no processo decisório, costuma produzir leituras equivocadas de seus gestos ou falas. Escreveu-se muito, nos últimos dias, que o ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, não duraria no cargo. Especulou-se com nomes de substitutos. Tais notícias, por certo, basearam-se em falas ou gestos da presidente, mas fontes que lhes são próximas garantem: ela não pretende substituir seu chanceler, com quem viaja hoje para Londres, depois de uma boa reunião a dois, na semana passada, preparando a agenda. Há uma grande insatisfação, sim, mas é com o tempo de ação e resposta do Itamaraty que, para ela, precisa de ajustar-se, técnica e processualmente, às necessidades do país e à realidade global. Não são apenas os tais punhos de renda que a incomodam.

No Itamaraty, as queixas da presidente são conhecidas e confirmadas e todos dizem compreender a pressa que ela tem por resultados. Afinal, está em curso uma crise econômica internacional que já afeta o Brasil e cabe ao governo dela consolidar a posição externa conquistada pelo Brasil. Ali se reconhece que a projeção brasileira teve início com Fernando Henrique, muito mais pelo prestígio intelectual e pelos relacionamentos que ele possuía do que pelo peso do Brasil naquela fase. Lula, com seu prestígio e carisma, somados à dinâmica adquirida pela economia brasileira em seu governo, proporcionou ao Brasil projeção e prestígio inéditos. Dilma, até aqui, não inventou nada de novo mas tem se diferenciado por agregar consistência, narrativa e objetividade às ações do Brasil. Ela demanda e exige muito mais do Itamaraty , que segundo um interlocutor bem situado, tem procurado se adaptar. Dilma reclamava, por exemplo, da escassa presença brasileira em organismos multilaterais. Nos úlltimos meses, o Brasil emplacou sete nomes em tais organizações, a começar pelo do ex-ministro José Graziano como diretor-geral da FAO. Para as muitas embaixadas criadas por Lula, especialmente no Caribe, ela cobrou um plano de cooperação efetivo, agora em curso. Os BRICs já existiam, mas com ela ganharam uma nova dinâmica na contraposição à hegemonia do clube dos ricos. E é dela o mérito pelo aprofundamento das relações com os Estados Unidos, Europa, China, afora Africa e América do Sul. No âmbito regional, foi ela que ousou bancar, juntamente com Cristina Kirchner, o ingresso da Venezuela, convencida de que o bloco ganhará muito com o ingresso da quarta maior economia sul-americana.

Nesta linha, o Itamaraty prepara uma agenda agressiva para a diplomacia presidencial de Dilma no segundo semestre. Ela deve comparecer à ASA, cúpula América do Sul-Africa, na Guiné Equatorial, deve recepcionar uma reunião entre América do Sul e União Europeia e pode abrir novamente a Assembléia Geral da ONU, em Setembro, por exemplo, ao lado de Patriota.

Em Londres, Dilma dispensou um encontro, que certamente considerou pouco objetivo, com o príncipe Charles. De trabalho, tratará com quem governa, o primeiro-ministro David Cameron. Mas não dispensou a música. Não poderá ver a montagem de Otelo, que saiu de cartaz, mas verá Operália, com o tenor Plácido Domingo, no Royal Opera House.

A crise, este fantasma

Uma notícia boa: as exportações brasileiras começaram a se recuperar. Uma péssima notícia: a crise começou a afetar o nível de empregos. Segundo o Caged/Ministério do Trabalho, os empregos com carteira assinada caíram 25,9% no primeiro semestre deste ano em relação ao mesmo período do ano passado.

A crise mostra a cara e o governo, novos remédios. Até aqui, foram adotadas as mesmas medidas que Lula usou, com êxito, para enfrentar a primeira onda, logo depois da quebra do banco Lehman Brothers, em 2008: redução de impostos e incentivo ao consumo. A diferença, com Dilma, ficou por conta da queda maior nos juros. Agora, vem aí a primeira inflexão na terapia, com o pacote de agosto, abrindo ao setor privado a exploração de estradas, portos, ferrovias e aeroportos. E, é claro, haverá novamente aquele renitente debate, com os tucanos acusando os petistas de renderem-se à privatização e estes afirmando que não se trata de venda de ativos mas de concessões de serviços. Seja o que for, importante agora é dinamizar a economia, antes que venha o pior.

Melhor prestar atenção ao que vem dizendo o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, que ontem fez nova advertência: "O Brasil precisa ter humildade diante da gravidade da atual crise econômica, para não cair em "simplismos". Para continuarmos crescendo, vamos depender mais das nossas próprias energias, de nossa própria poupança, do nosso esforço"

FONTE: CORREIO BRAZILIENSE

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