segunda-feira, 23 de julho de 2012

Entre proteger a Carta e atender a maioria

Juliano Basile, Maíra Magro e Raymundo Costa

BRASÍLIA - Desde que o presidente do Supremo marcou o julgamento do mensalão, mudou o discurso dos 38 réus remanescentes dos 40 denunciados pelo Ministério Público Federal em 2006. Antes, réus e seus advogados acusavam a imprensa de incitar a opinião público a pressionar o STF para apressar o julgamento. Agora, com a data marcada para 2 de agosto, o discurso é que a pressão é para condenar. Tanto que algumas entidades ligadas ao PT, como a Central Única dos Trabalhadores (CUT) ameaçam não aceitar o resultado, se ele não for "técnico", termo que virou quase sinônimo para absolvição.

Na realidade, quem acompanha os votos, conferências e até as sabatinas no Senado dos atuais 11 ministros do Supremo, além das conversas informais com o Valor, entende que eles têm posições doutrinárias diversas sobre a influência da imprensa e da opinião pública nos julgamentos, todas baseadas nos melhores princípios do direito. Opiniões que, sem dúvida, terão implicações diretas no julgamento do mensalão.

Luiz Fux, por exemplo, entende que o Judiciário deve estar atento à opinião pública, mas nunca deferente a ela. "O Judiciário não pode vestir o véu da ignorância. O juiz deve saber o que se passa na sociedade", afirmou o ministro, em palestra sobre as relações entre o Judiciário e a imprensa. Para Fux, o STF não pode assumir uma postura de bajulação da opinião pública, mas também não deve ser necessariamente contramajoritário de modo a votar contra a vontade da população apenas para mostrar que ela está juridicamente errada. "O Supremo não está sozinho no mundo", definiu.

Juiz não é ácaro de gabinete", costuma dizer Ayres Britto ao defender que o Supremo esteja atento à sociedade

Já o ministro Gilmar Mendes entende que o STF deve ser sim contramajoritário e indicar correções de rumo aos anseios da sociedade nos casos em que a opinião da maioria entrar em conflito com dispositivos da Constituição. Nesses casos, a função do STF é de proteger a Constituição contra a maioria. Mendes foi contrário à Lei da Ficha Limpa, apesar de a ação ter recebido mais de dois milhões de assinaturas, obtido aprovação unânime no Congresso e passado incólume pela Presidência da República. Para Mendes, o STF não pode fazer "relativizações de princípios constitucionais visando atender a anseios populares". Ele compara a vontade do povo pela aprovação à mesma que elege os candidatos com "ficha suja" na Justiça.


Por outro lado, Mendes é um ferrenho defensor da ideia de que o STF deve ouvir a sociedade antes de decidir, por meio de públicas, como as que foram realizadas antes do julgamento sobre a possibilidade de abortos nos casos de anencefalia, da autorização de pesquisas com células-tronco e da decisão a favor de cotas para negros nas universidades. Para o ministro, ouvir a sociedade não significa que a Corte vai ter que seguir a opinião da maioria. "Sou a favor da participação plural da sociedade nos julgamentos sem que tenhamos que fazer transação com esse grito das ruas, que é obviamente desorientador ao direito", disse Mendes, na mesma palestra sobre a relação entre o Judiciário e a imprensa de que Fux participou.

No caso do mensalão, a influência da opinião pública será analisada sob outro prisma. Os ministros devem analisar tanto a situação de cada uma dos réus quanto o impacto que a decisão final vai ter para a sociedade. Na visão de Fux, os processos penais devem ser eminentemente técnicos. "Nos julgamentos de habeas corpus e da situação individual de réus, a atividade do juiz tem que ser a de avaliação de provas e de aplicação do direito", resumiu Fux. "A opinião pública, nessa parte, não pode interferir. O juiz é um técnico, e não pode se deixar levar pelo clamor social."

Já Mendes entende que, mesmo nos julgamentos de casos individuais, o STF define entendimentos que podem ser utilizados no futuro para outros réus. Portanto, a repercussão da decisão deve ser considerada para além do caso concreto. "O tribunal deve perceber a dimensão concreta de sua decisão. Num caso objetivo, temos de ter em conta a repercussão para o caso como um todo", afirmou Mendes.

Para a mais nova integrante do Supremo, Rosa Weber, para julgar questões penais o importante é compreender o caso concreto. Ou seja, a sentença deve ser aplicada de acordo com a situação de cada réu nos autos e não apenas pela percepção geral da denúncia do Ministério Público. Weber é auxiliada, no mensalão, por um juiz que já deu decisões a favor de operações da PF e tem visão mais próxima de condenações, o que tem causado apreensão a advogados dos réus.

Ayres Britto, o poeta presidente do STF, costuma dizer que o tribunal não vive numa redoma de cristal. "Juiz não é ácaro de gabinete", afirma, para explicar que os magistrados também devem estar atentos ao que acontece no mundo.

O revisor do mensalão, Ricardo Lewandowski, deve apresentar um voto pormenorizado, abrangendo a conduta de cada réu, analisando cada crime. É provável que se contraponha a Barbosa em alguns pontos, o que deve gerar discussões e apartes do relator no início do julgamento. Não deve acolher todas as alegações do Ministério Público pela acusação, mas também não vai absolver todos os réus.

O juiz é um técnico e não pode se deixar levar pelo clamor social", contrapõe Gilmar Mendes ao tentar blindar o STF de pressões

A ministra Carmen Lúcia vai dividir as suas atividades de agosto entre o mensalão, que será votado em sessões à tarde, com as sessões noturnas no TSE, nas quais também vai julgar representações contra desvios de políticos. Mineira, evita dar pistas sobre como vai votar e passou a filmar advogados dos réus do mensalão sob a justificativa de que, dessa forma, não perderia o teor de suas defesas. De conduta simples, a ministra costuma dirigir o próprio veículo.

Marco Aurélio Mello costuma dizer que o STF não pode inovar em determinadas questões. É o preço para se viver num Estado Democrático de Direito - o respeito à Constituição. Marco Aurélio procura fazer faz uma leitura muito objetiva da Carta. É também um costumeiro provocador dos colegas e usa de fina ironia para questionar alguns posicionamentos que são contrários aos seus. Ele costuma ser voto vencido e não teme ficar fora da maioria. Pelo contrário. Marco Aurélio até se orgulha dessa posição, dizendo que o voto vencido de hoje pode ser o vencedor de amanhã.

É difícil prever como alguns ministros vão votar. Cezar Peluso - que se aposenta no início de setembro e talvez nem vote - não comenta nem com assessores de seu próprio gabinete se pretende seguir os estudos que eles fazem a respeito dos processos e que lhe são encaminhados para proferir as suas decisões. Nas discussões internas no gabinete, a maioria dos assessores era favorável ao aborto de fetos anencéfalos. Mas, quando Peluso votou, convenceu-os do contrário. O ministro alegou que o conceito de anencefalia era impreciso, assim como o diagnóstico do feto com má formação no cérebro. Por isso, muitos bebês com possibilidade de vida plena poderiam simplesmente deixar de nascer.

No mensalão, Peluso conta com um juiz auxiliar para lhe ajudar na formulação das principais questões. Mas a conclusão do voto é sempre do ministro e nem esse juiz sabe, ao fim, como o ministro vai se posicionar.

Britto desenvolveu uma visão particular a respeito de uma das principais formulações teóricas jurídicas do Brasil: a teoria tridimensional do Direito. Elaborada por Miguel Reale essa teoria defende que o Direito se compõe de três aspectos: normas, fatos e valores. Para Britto, o Direito é constituído primordialmente de normas. Mas não há normas sem fatos e valores. Os fatos fazem parte das normas e são sentidos pela população. E os valores também estão contidos nas normas. Nessa linha de pensamento, o ministro entende que a visão da sociedade a respeito de fatos e valores deve ser levada em consideração na formulação do direito e na tomada de decisões pelos tribunais.

Essa concepção foi desenvolvida pelo ministro quando ele tinha 22 anos. Se ela vai fortalecer ou não a opinião das ruas no julgamento do mensalão é algo que apenas o presidente da Corte, prestes a completar 70 anos, pode responder.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

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