domingo, 22 de julho de 2012

Liberais, conservadores e importadores:: Diego Werneck Arguelhes

Na espera pelo julgamento do mensalão, multiplicam-se as previsões sobre os votos dos ministros do STF. Essa tentativa de profetizar sobre o que os juízes farão muitas vezes traz consigo simplificações perigosas. Exemplo recente é a ideia de que, classificando os ministros como "liberais" (como o ministro Britto, diriam uns) ou "conservadores" (como o ministro Peluso, apontariam outros), é possível prever e explicar seus votos. Parece ser uma importação apressada do debate travado nos EUA sobre a Suprema Corte. Mas será mesmo que esses rótulos nos permitem compreender melhor as decisões do nosso Supremo?

Classificar um juiz dessa forma só é possível se você consegue determinar o que divide "liberais" e "conservadores" na sociedade em geral. Nos EUA, esses rótulos se associam a agrupamentos bem-definidos de posições sobre diferentes questões morais e políticas. Por exemplo, o típico conservador discordará de políticas de ação afirmativa e da legalização do aborto, ao mesmo tempo em que defenderá o poder do Estado de investigar e punir crimes. O liberal típico terá posições opostas. Há uma agenda relativamente estável de temas que dividem, de forma previsível, liberais e conservadores. Para tornar as coisas ainda mais simples, há um sistema bipartidário, no qual essas dicotomias são exploradas na competição eleitoral.

Nada disso parece aplicável ao Brasil. Sem dúvida, há posições mais conservadoras ou mais progressistas nesse ou naquele debate político. Mas elas não costumam vir em bloco, como nos EUA. É comum encontrar pessoas, partidos e líderes políticos com posições "liberais" quanto a um dado tema, e "conservadoras" quanto a outro. Para não falar nos debates de conjuntura - Ficha Limpa? Royalties do Petróleo? - que desafiam explicações ideológicas.

Nesse cenário, a importação fica difícil. O que dizer de quem defende cotas raciais, mas é severo em processos criminais, como o ministro Britto? Ou que rejeita a legalização do aborto de fetos com anencefalia, mas prioriza os direitos de defesa dos acusados, como o ministro Peluso? Seriam "liberais" ou "conservadores"?

Além disso, classificar politicamente um ministro nunca é suficiente para prever seu voto em casos específicos. Nem aqui, nem nos EUA. Há muitos fatores envolvidos, e casos politicamente importantes só fazem aumentar o número de considerações que podem influenciar os votos. É o que mostra recente decisão da Suprema Corte sobre as reformas do presidente Obama na área da saúde. John Roberts, conservador indicado a dedo pelo presidente Bush, votou com os liberais, a favor da reforma. Terá sido estratégia? Ou ele realmente se convenceu dos méritos da reforma? Sincero ou não, Roberts surpreendeu a todos que quiseram reduzir a complexidade de sua tarefa a um simples rótulo. Ele certamente é um cidadão conservador. Mas isso é apenas parte do que influencia o seu trabalho como juiz.

O momento do mensalão é importante por encorajar a produção de informação e de análises sobre o complexo processo decisório do Supremo. A importação de rótulos sobre os ministros, porém, é um falso atalho. Nos EUA, a dicotomia liberal/conservador se popularizou por permitir, com algum sucesso, explicar o que é desconhecido (o processo decisório da Suprema Corte) por meio de categorias que são familiares na política de lá. Não é o caso do Brasil. Ao se tentar explicar o que é desconhecido com categorias também desconhecidas, acaba-se dificultando, em vez de facilitar, a necessária tarefa de entender como decidem esses onze homens e mulheres que têm tanto poder em suas mãos.

Diego Werneck Arguelhes é professor da Escola de Direito da FGV-RJ

FONTE: O GLOBO

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