segunda-feira, 23 de julho de 2012

Os Domingos - Paulo Mendes Campos

Todas as funções da alma estão perfeitas neste domingo.
O tempo inunda a sala, os quadros, a fruteira.
Não há um crédito desmedido de esperança
Nem a verdade dos supremos desconsolos -
Simplesmente a tarde transparente,
Os vidros fáceis das horas preguiçosas,
Adolescência das cores, preciosas andorinhas.

Na tarde – lembro – uma árvore parada,
A alma caminhava para os montes,
Onde o verde das distâncias invencidas
Inventava o mistério de morrer pela beleza.
Domingo – lembro – era o instante das pausas,
O pouso dos tristes, o porto do insofrido.
Na tarde, uma valsa; na ponte, um trem de carga;
No mar, a desilusão dos que longe se buscaram;
No declive da encosta, onde a vista não vai,
Os laranjais de infindáveis doçuras geométricas;
Na alma, os azuis dos que se afastam,
O cristal intocado, a rosa que destoa.
Dos meus domingos sempre fiz um claustro.
As pétalas caíam no dorso das campinas,
A noite aclarava os sofrimentos,
As crianças nasciam, os mortos se esqueciam mortos,
Os ásperos se calavam, os suicidas se matavam.
Eu, prisioneiro, lia poemas nos parques,
Procurando palavras que espelhassem os domingos.
E uma esperança que não tenho.

Paulo Mendes Campos (Belo Horizonte, 28 de fevereiro de 1922 - Rio de Janeiro, 1 de julho de 1991) - Além de poeta, foi cronista, jornalista e tradutor. Publicou em poesia: 'A Palavra Escrita', 'Testamento do Brasil' e 'O Domingo Azul do Mar'. Destacou-se nas crônicas, que, ao lado de Rubem Braga, Fernando Sabino e outros, mudaram a maneira de fazer crônicas no Brasil. Diversos livros com reuniões de suas crônicas como 'O Cego de Ipanema', 'Os bares morrem numa quarta feira', foram republicados.

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