quarta-feira, 11 de julho de 2012

Sobre mercados e governos :: Eliana Cardoso

Pelo menos três hipóteses explicariam os pacotes econômicos dos últimos meses. A primeira atribuiria à presidente a ilusão de que Keynes lhe entregou todas as muletas de que necessita para lidar com a falta de crescimento. Mas, se assim fosse, por que misturar estímulos, que deveriam ser horizontais, com política industrial e protecionismo? Ela tem saudades das crenças cepalinas que ficaram para trás?

A segunda hipótese lembraria a força dos interesses. Os lobbies de algumas indústrias ganharam espaço junto ao governo...

Ainda mais lógica, talvez, é a sugestão de que o Brasil, a seu modo, acompanha o pêndulo que, historicamente, balança entre as forças do mercado e as do governo. Neste momento de crise internacional, ele se move em direção a mais intervenção.

Com certeza, a sociedade precisa de mercados e governo. Desejos e necessidades dão origem a mercados. Nossa malícia exige restrições impostas pelo Estado. Mercados sem cabresto produzem desigualdades e abusos. O governo é mal necessário, que se torna intolerável quando multiplica arbitrariedades ou seu peso se torna excessivo.

Tony Judt, historiador e ensaísta, disse que nos livramos da crença, dominante na metade do século 20, de o Estado ser a melhor solução para qualquer problema. Mas, continuou ele, ainda tínhamos de nos curar da noção oposta: a de que o Estado - sempre e por definição - é a pior opção. Parece que a crise de 2008 veio trazer a cura pela qual ele esperava.

Na verdade, a opinião sobre o papel do governo na promoção do crescimento oscilou durante os últimos 200 anos. Andou em baixa no final do século 18, quando Adam Smith difundiu a imagem da mão invisível a promover o equilíbrio entre oferta e demanda, ao mesmo tempo que David Ricardo afirmava que a eficiência do livre-comércio permitiria a especialização e fomentaria o crescimento. Ao governo caberia apenas promover a lei e a ordem.

1930 trouxe uma reviravolta e desmentiu a fé na correção automática dos mercados. Naquela década, a queda generalizada de preços, em vez de equilibrar oferta e demanda, pôs o mundo numa espiral deflacionária. Keynes apontou a instabilidade dos mercados e consagrou a intervenção do governo como agente da recuperação em períodos de desemprego alto. A ascensão do governo continuou na década de 1940, com o nascimento do Estado de bem-estar e seus gastos em saúde e aposentadorias.

Mas os anos 70 puseram em questão a eficiência da ação governamental com seus dois choques do petróleo, que produziram estagflação e moveram o pêndulo econômico para a direita. Milton Friedman culpou o governo, argumentando que a intervenção mina instintos, como o espírito empreendedor e a competição, fundamentais para o funcionamento do capitalismo. Liberalização tornou-se a palavra de ordem. Margaret Thatcher reduziu impostos, desregulamentou indústrias, privatizou estatais, limitou o poder sindical e reduziu programas sociais. O colapso da União Soviética e a abertura da China consagraram o triunfo do capitalismo e de seus mercados. Reformas estruturais sucederam-se em vários países.

Tudo parecia ir muito bem até que a crise financeira de 2008 mostrou o rei nu a exibir suas imperfeições: assimetria de informação, risco moral e comportamentos motivados não por escolhas consistentes, como alardeiam os economistas, mas alimentados pela ganância e pelo medo. As imperfeições dos governos - que mantiveram as taxas de juros baixas demais por muito tempo nos países ricos e eram, portanto, corresponsáveis por booms especulativos e endividamentos excessivos - completavam o quadro. A crise de 2008 abalou a fé no capitalismo, assim como o colapso da União Soviética havia destruído a confiança no Estado socialista. A opinião pública deu-se conta de que tem de ficar de olho no governo, nos bancos e nas empresas, para mantê-los na linha.

No Brasil, pragmatismo e flexibilidade evitaram guinadas radicais do pêndulo econômico. Não sofremos a centralização das economias socialistas, bastaram-nos alguns planos quinquenais cumpridos mal e parcamente. Não nos entregamos à liberalização de Thatcher, satisfizeram-nos certa abertura comercial e algumas privatizações. Não adotamos a dolarização dos vizinhos, contentaram-nos os percalços das valorizações cambiais, que tiveram o lado positivo de matar a megainflação em meados da década de 1990 e o negativo de reduzir a competitividade das exportações industriais, naquela ocasião e novamente nos anos recentes.

Alguns sinais mostram que a euforia dos investidores externos em relação ao Brasil acompanhou a queda do preço das commodities - que o governo não controla. O acúmulo de medidas casuístas também deve ter contribuído para o pessimismo em relação ao País.

Medidas pontuais não solucionam o baixo crescimento e tornam a economia menos previsível. O investimento odeia incertezas e desconfia do intervencionismo que escolhe eleitos. O protecionismo, que aceita preços mais altos de produtores nacionais, reduz a disciplina da competição. Ao invés de usar a crise para corrigir erros passados, nosso governo soma aos velhos erros novos.

Na economia globalizada os governos têm menos alavancas para mover os negócios e essas alavancas são menos potentes. Na tentativa de tapar o sol com a peneira dos pacotinhos, parece faltar calma para decidir o que fazer nas áreas em que as fraquezas exigem ação.

Se for verdade que o capitalismo resolve com crises os problemas acumulados durante o boom, chegou a hora da cura. Medidas que contribuem para aumentar a inadequação do nosso sistema tributário deveriam dar lugar a reformas que o tornem mais simples e horizontal. Se a crise ajuda de fato a focar no que importa, é hora de completar a reforma da Previdência e simplificar os impostos.

Ph.d. pelo MIt, é professora, titular da FGV-São Paulo

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

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