sexta-feira, 31 de agosto de 2012

OPINIÃO DO DIA - Cármen Lúcia: ‘o mensalão maculou a República’ (XXVII)

O Judiciário brasileiro está fazendo o possível, dentro das dificuldades que a ministra Rosa [Weber] apontou tão bem em seu voto de se colherem provas. Porque, aqui, não se tem um corpo de delito, como num homicídio. Aqui se tem uma dificuldade enorme exatamente de se saber qual é a verdade real e a verdade processual.

O que mais coloca em risco as instituições é a corrupção. A vida é igual a uma estrada. Não adianta você dizer que foi na reta certinho por mil quilômetros. E depois você entra na contramão e pega alguém. Você tem que ser reto a vida inteira. Não dá para um cidadão ir dormir imaginando que no espaço público está fazendo alguma coisa errada.

Eu acho que é jogando luz em todo lugar (que se combate a corrupção). Onde houver sombra fica sempre mais difícil. É tudo muito triste para o Brasil enquanto estiver assim.

Cármen Lúcia, ministra do STF, em seu voto no processo do mensalão, 28/8/2012.

Manchetes de alguns dos principais jornais do Brasil

O GLOBO
A hora do mensalão - Empréstimos ao PT eram fictícios, diz relator
Última a saber
União quer mais casas no parque
Serra atribui rejeição a boatos

FOLHA DE S. PAULO
João Paulo sofre nova condenação e abandona eleição
STF afirma que lei foi alterada para livrar réus
85% dos eleitores de SP querem gestão diferente da atual
Em 2013, governo deve poupar menos para crescer mais
Paciente com doença terminal poderá recusar tratamento

O ESTADO DE S. PAULO
Pressionado pelo PT, João Paulo desiste de concorrer em Osasco
Ibope aponta empate técnico entre Serra e Haddad
Medida prevê intervenção em elétricas
Depois de 15 anos, sai licença para Viracopos

VALOR ECONÔMICO
Licenças de mineração estão suspensas até o novo código
Sob pressão, teles reclamam do governo
O melhor remédio
Crédito põe em dúvida rapidez da recuperação
Aumento de capital de R$ 1,5 bi à Caixa
CPI não pode usurpar poder do Judiciário

BRASIL ECONÔMICO
Orçamento reserva R$ 15 bilhões para aquecer atividade econômica
Venda de veículos perto do recorde
Queda nas tarifas de energia exige redução de custos

CORREIO BRAZILIENSE
Orçamento prevê 30% de aumento a militares
Sebastião Curió vira réu no Pará
Flagrante revela bronca de Dilma em ministras
Mensalão derruba candidato petista
Saúde: Igreja critica a “morte” em testamento

ESTADO DE MINAS
Prorrogação do IPI reduzido não garante carro novo
Bronca por escrito
R$ 670,95 - Orçamento prevê reajuste do mínimo
Mensalão: Outra condenação a João Paulo Cunha
Lei das Cotas desorienta reitores
Café: Agricultura familiar em minas terá US$ 4,2 milhões

ZERO HORA (RS)
Nova regra dá escolha a pacientes terminais
Dilma não gostou
Obras que o Planalto vai bancar no Estado

JORNAL DO COMMERCIO (PE)
UFPE terá 870 vagas de cotas
Orçamento tem novo mínimo de R$ 670,95
Paciente terminal poderá decidir sobre tratamento
Mensalão

Hora do mensalão - Empréstimos ao PT eram fictícios, diz relator

No segundo tema em votação, Banco Rural é acusado de gestão fraudulenta

STF fecha primeira fase do julgamento condenando todos os réus denunciados pelo procurador; João Paulo, culpado também por lavagem, perde candidatura

Ao iniciar a 2ª etapa do julgamento, o relator Joaquim Barbosa disse que são irregulares os empréstimos dados pelo Banco Rural ao PT e a Marcos Valério. O banco manipulou balanços, omitiu o nível de risco das operações e não exigiu garantias: "Os empréstimos não deveriam ser pagos, pois materialmente não existiam." Com o voto de Ayres Britto, o petista João Paulo foi condenado também por lavagem de dinheiro e renunciou à candidatura em Osasco.

"Empréstimos não existiam"

Relator diz que, para beneficiar PT, Rural manipulou balanços e omitiu risco de operações

Thiago Herdy, André de Souza

BRASÍLIA O relator do processo do mensalão, ministro Joaquim Barbosa, endossou a tese do Ministério Público e considerou irregulares os empréstimos concedidos pelo Banco Rural ao PT e a agências de publicidade de Marcos Valério e seus ex-sócios, a SMP&B e a Graffiti. Na segunda etapa do julgamento, iniciada ontem - que trata dos crimes de gestão fraudulenta de instituição financeira por parte de quatro ex-diretores do Rural - Barbosa considerou que o banco manipulou balanços contábeis, omitiu o verdadeiro nível de risco das operações e renovou empréstimos sem ter garantias reais de pagamento. Para Barbosa, os financiamentos foram feitos para não serem pagos

A conclusão do voto, porém, ficou para segunda-feira. Na lista dos réus desse item estão os ex-dirigentes do Rural Kátia Rabello, José Roberto Salgado, Ayanna Tenório e Vinicius Samarane.

- À luz de todo acervo probatório, verifica-se que, como bem ressalta a acusação, "o Banco Rural somente decidiu cobrar os valores objeto dos empréstimos após a divulgação do escândalo pela imprensa. E assim agiu porque os empréstimos, na verdade, não deveriam ser pagos, pois materialmente não existiam" - disse Barbosa, confirmando trecho das alegações finais apresentadas pelo Ministério Público.

Delúbio e Genoino avalizaram empréstimo

Em seu voto, Barbosa considerou que o Rural não observou as exigências normativas relativas aos cadastros de clientes, tampouco checou as informações contábeis apresentadas pelo PT e pelas empresas ligadas a Valério. Para o MP, eram operações fictícias, criadas para distribuir recursos a parlamentares da base aliada do governo. Em maio de 2003, o tesoureiro do PT Delúbio Soares e o presidente do partido José Genoino avalizaram empréstimo de R$ 3 milhões.

- O crédito foi liberado sem que (o banco) tivesse sequer cadastro do partido, das pessoas físicas responsáveis e dos avalistas. Os signatários examinaram documento de análise financeira que teve como base balanços do PT de 2002 a 2004. Fica evidente que o banco não observou a deficiência financeira do PT em 2002. Quanto às renovações, o Banco Rural também continuou omisso, sem garantias reais para quaisquer operações - disse o ministro.

Barbosa também apontou irregularidades nos empréstimos para as empresas de Marcos Valério e seus sócios: R$ 19 milhões à SMP&B e R$ 10 milhões à Graffiti, no mesmo ano. No cadastro de Ramon Hollerbach, sócio de Valério, por exemplo, não constava qualquer declaração de bens ou rendimento. Dados contábeis apresentados pela agência, em setembro de 2004, apontava balancete com R$ 3,5 milhões em dívidas. No Banco Central, a dívida registrada era bem maior: R$ 33,3 milhões. Segundo Barbosa, cabia ao banco checar este dado antes de conceder empréstimos ou renová-los.

Para o ministro, há elementos suficientes para acreditar que "os cadastros existentes sequer eram atualizados, estavam instruídos com documentação falsa e, quando apareciam deficiências, eram ignoradas pelo Banco Rural". Exemplos disso seriam, por exemplo, dados do próprio Valério no banco. A ficha cadastral indicava que ele tinha rendimentos brutos superiores a R$ 403 milhões. No mesmo cadastro, constava cópia de declaração de ajuste de Imposto de Renda com rendimentos de R$ 3,8 milhões.

Em nota, banco rural nega irregularidades

Para responder a um dos principais argumentos da defesa dos réus do Rural, que pedem a absolvição dos clientes por considerar que eles não ocupavam cargos ligados à concessão de empréstimos em 2003, Barbosa atribuiu diretamente a Kátia Rabello, José Roberto Salgado e Ayanna Tenório responsabilidade pelas renovações sucessivas das operações irregulares.

- Com o objetivo de esconder a realidade das operações questionadas, o Banco Rural também omitiu registros e livros contábeis, bem como manipulou esses eventos contábeis para simulação de fatos jurídicos - disse Barbosa, citando um laudo da Polícia Federal.

Em nota, o Rural refutou ontem a afirmação de que os empréstimos às empresas de Valério foram fictícios. Segundo o texto, "os empréstimos foram periciados pela Polícia Federal, por solicitação do ministro Joaquim Barbosa, e considerados verdadeiros". Para o banco, o valor global dos empréstimos era proporcional à capacidade dos tomadores e correspondia a menos de 1% da carteira do Rural em 2003.

"Os empréstimos ao PT e a Marcos Valério não foram concedidos originalmente por nenhum dos executivos acusados", diz o texto.

FONTE: O GLOBO

João Paulo sofre nova condenação e abandona eleição

Após decisão do Supremo, petista deixa candidatura em Osasco e pode ter de cumprir pena em regime fechado

Depois de nova condenação no julgamento do mensalão, por lavagem de dinheiro, o deputado João Paulo Cunha (PT) abandonou sua candidatura a prefeito de Osasco (Grande SP).

Os ministros do Supremo já haviam considerado o petista culpado por corrupção passiva e peculato (desvio de dinheiro por servidor).

João Paulo sofre nova punição e deixa eleição

Com condenação por lavagem de dinheiro no STF, aumenta a chance de petista cumprir parte da pena em regime fechado

Também considerado culpado por peculato e corrupção, deputado abandonou disputa à Prefeitura de Osasco

Felipe Seligman, Flávio Ferreira, Márcio Falcão, Nádia Guerlenda, Rubens Valente, Catia Seabra e Daniel Roncaglia

BRASÍLIA, SÃO PAULO - O presidente do Supremo Tribunal Federal, Carlos Ayres Britto, encerrou a primeira parte do julgamento do mensalão aplicando nova condenação ao deputado João Paulo Cunha (PT-SP), que horas depois anunciou a seu grupo político a desistência de concorrer à Prefeitura de Osasco.

A nova punição no caso do mensalão -o petista agora está condenado por três crimes- aumenta as chances de ele ter de cumprir parte da pena em regime fechado.

Britto proferiu o sexto voto para condenar o petista por lavagem de dinheiro e também o considerou culpado por corrupção passiva e peculato, crimes em relação aos quais já havia maioria na corte para a condenação.

As punições aplicadas ao petista se referem a desvio de dinheiro da Câmara dos Deputados, quando ele presidiu a Casa (2003-2005).

Segundo a acusação, João Paulo recebeu R$ 50 mil do empresário Marcos Valério Fernandes Souza para, em troca, o beneficiar em contrato com a Câmara.

Sua pena poderá ficar acima de oito anos e começaria a ser cumprida na prisão, em regime inicialmente fechado.

Choro

Cunha informou ao PT a decisão de retirar sua candidatura em reunião na noite de ontem no Sindicato dos Bancários de Osasco. O vice de sua chapa, Jorge Lapas, assumirá a candidatura.

Segundo participantes, João Paulo chorou na reunião com os correligionários. Do lado de fora foi possível ouvir o prefeito de Osasco, Emidio de Souza (PT), dizer que a hora é de "enxugar as lágrimas" e seguir em frente.

João Paulo não falou com a imprensa.

Na saída do encontro, militantes do PT empurraram e agrediram jornalistas e fotógrafos. Mais tarde, Emidio se desculpou, em nome do PT, pelo ocorrido.

Rural

No voto sobre João Paulo, o presidente do Supremo também condenou o ex-diretor do Banco do Brasil Henrique Pizzolato, Marcos Valério e ex-sócios. Também contra esses já havia maioria para a punição.

"[O processo] não deixa dúvidas de que as posições funcionais de João Paulo Cunha e Henrique Pizzolato foram decisivamente utilizadas para beneficiar as empresas de Marcos Valério."

Falta ainda o voto de Rosa Weber no caso de lavagem de dinheiro contra João Paulo, mas o placar está em 6 a 4.

O tamanho das penas só será definido no fim do julgamento no STF.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

STF afirma que lei foi alterada para livrar réus

O presidente do Supremo, Carlos Ayres Britto, afirmou que um projeto de lei sobre a contratação de serviços de publicidade por órgãos públicos foi modificado em 2008 na Câmara para beneficiar réus do mensalão.

Bancada por PT e PR, a alteração foi considerada pelo ministro um "atentado escancarado à Constituição". Os deputados que mudaram a lei negam ter agido por causa do julgamento.

Lei foi alterada para proteger réus, diz presidente do STF

Ayres Britto afirma que medida feita na Câmara foi "atentado escancarado"

Mudança patrocinada por deputados do PT e do PR tornou legal ação que foi questionada no processo do mensalão

Rubens Valente, Nádia Guerlenda, Leandro Colon, Felipe Seligman, Flávio Ferreira e Márcio Falcão

BRASÍLIA - O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Carlos Ayres Britto, afirmou ontem em plenário que um projeto de lei foi alterado propositalmente para influenciar o julgamento do mensalão e beneficiar alguns dos réus.

Para o ministro, a manobra "é um atentado veemente, desabrido, escancarado" à Constituição. A declaração refere-se à lei 12.232, sancionada pelo então presidente Lula em 2010.

O texto trata da contratação de publicidade por órgãos públicos e durante sua tramitação na Câmara foi alterado por deputados do PT e do PR, partidos que têm membros entre os réus.

Britto diz que a redação "foi intencionalmente maquinada" para legitimar ação pela qual réus eram acusados.

O episódio citado começou em 2008, quando o ex-deputado e hoje ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo (PT), apresentou o projeto.

Ele regulava, entre outras coisas, os repasses do "bônus-volume", que são comissões que as agências recebem das empresas de comunicação como incentivo pelos anúncios veiculados.

No processo do mensalão, o Ministério Público acusou empresa de Marcos Valério Fernandes de Souza de ficar com R$ 2,9 milhões de bônus que deveriam ser devolvidos para o Banco do Brasil, contratante da empresa.

A acusação diz que o dinheiro foi desviado para abastecer o esquema de compra de votos no Congresso.

A proposta de Cardoso permitia que as agências ficassem com o bônus, mas só em contratos futuros.

Uma mudança feita na Comissão de Trabalho em 2008, porém, estendeu a regra a contratos já finalizados.

O relator na comissão foi o deputado Milton Monti (SP), do PR, partido envolvido no mensalão e que tem um dos seus dirigentes, Valdemar da Costa Neto, como réu.

Durante a discussão, o então deputado Paulo Rocha (PT-PA), também réu no caso do mensalão, pediu uma semana para analisar o texto.

Logo depois, Monti abriu prazo para emenda. O deputado petista Cláudio Vignatti (SC) apresentou sugestões, entre elas a que estendia a aplicação da lei a licitações abertas e contratos em execução. Monti não só acatou a sugestão como incluiu os contratos encerrados.

O texto seguiu a tramitação e virou lei, que foi usada em julho pelo Tribunal de Contas da União para validar a ação de Valério. A decisão, porém, está suspensa.

Ontem Ayres Britto disse que a mudança no projeto é "desconcertante". "Um trampo, me permita a coloquialidade, à função legislativa."

A questão do Bônus já foi decidida pelo STF, que por unanimidade condenou quatro réus, entre eles Valério.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

STF tende a condenar políticos do 'mensalão'

Votos de juizes até agora indicam que deputados e ex-deputados que se beneficiaram do esquema devem ser condenados

Felipe Recondo, Fausto Macedo

As primeiras condenações no jul¬gamento do mensalão pratica¬mente sentenciam, conforme mi¬nistros do Supremo Tribunal Federal e advogados de réus consultados pelo Estado, o destino de todos os políticos que receberam recursos do esquema. Dificilmente os parlamentares se livrarão da condenação do crime de corrupção passiva. O mesmo vale para os que se valeram de auxiliares ou familiares para retirar do Banco Rural o dinheiro que era repassado pelo operador do mensalão, o empresário Marcos Valério.

Na lista de prováveis condenados, segundo ministros e advogados, estão os deputados Pedro Henry (PP-MT) e Valdemar Gosta Neto (PR) e os ex-deputados Carlos Rodrigues (PR), Roberto Jefferson (PTB-RJ), José Borba (PR), Romeu Queiroz (PTB), João Magno (PT-MG) e Pedro Corrêa (PP). A tendência mostra que o tribunal incriminará tanto o caixa 2 de campanha, conforme a tese do PT, ou a entrega de dinheiro em troca de vantagens.

Com tal linha seguida pela Corte, a prática de caixa 2, tida como salvação pelos petistas, seria condenada. Um dos 11 ministros confidenciou a possibilidade. "Os réus vão ao STF, confessam a prática de caixa dois e nós não fazemos nada? Confessam como se isso fos-se normal na mais alta Corte do País e fica por isso mesmo?"

Ao condenar o deputado João Paulo Cunha (PT-SP) e o ex-diretor do BB Henrique Pizzolato, a Corte julgou que o mero recebi¬mento de vantagem indevida, mes¬mo sem a prática de ato de ofício, é corrupção passiva.

Da mesma maneira, condenaram João Paulo Cunha e Pizzolato pelo crime de lavagem de dinheiro por terem recebido recursos do mensalão por intermédio de outra pessoa, caso de João Paulo Cunha, que mandou sua mulher sacar dinheiro destinado a ele.

Praticamente todos os réus que receberam recursos do esquema se valeram de outras pessoas. Além disso, como salientou o mi¬nistro Gilmar Mendes em seu voto, o dinheiro sacado do Rural tinha como destinatário a SMPB, de Valério. O nome dos reais sacadores aparecia em contabilidade paralela, o que configuraria a tentativa de esconder a origem dos recursos.

Advogados de defesa reconhecem que as "cartas já foram postas" e que a Corte já deixou claro que condenará os parlamentares que receberam recursos do mensalão por lavagem de dinheiro e corrupção passiva. "Já está tudo perdido", disse um deles. Ministros também confirmam que, se ninguém mudar o voto, os parlamentares devem ser condenados, com exceção de um ou outro caso peculiar. Uma dessas exceções, conforme um integrante da Corte, poderá ser o caso do ex-deputado Professor Luizinho (PT-SP). Um dos ministros que condenou Pizzolato e João Paulo Cunha por lavagem afirmou que "de jeito nenhum" condenará Luizinho. O deputado e ex-líder do governo na Câmara não recebeu dinheiro para si. Conforme a defesa, ele teria apenas pedido ao então tesoureiro do PT que disponibilizasse R$ 20 mil para a campanha de vereadores em São Paulo.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Os rumos do STF - Merval Pereira

Com o término do julgamento pelo Supremo Tribunal Federal da primeira das oito etapas do processo do mensalão, já é possível tirarem-se algumas conclusões. Parece certo, por exemplo, que os políticos que sacaram na boca do caixa do Banco Rural ou receberam dinheiro, seja a que título for, das empresas de Marcos Valério serão condenados por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, ressalvada alguma especificidade da acusação.

Onúcleo financeiro, que começou a ser julgado ontem nas figuras dos diretores do Banco Rural, pela lógica majoritária no julgamento, também não escapará de condenação por lavagem de dinheiro, já que foi aceita pela maioria dos ministros a tese da acusação, assumida pelo relator Joaquim Barbosa, de que o dinheiro depositado no Rural e distribuído por Marcos Valério era produto de desvios de dinheiro público. O banco também teria colaborado com o esquema do publicitário, pois aceitou pôr em seus registros oficiais que o dinheiro fora sacado pela agência SMP&B para pagamento de fornecedores e, paralelamente, pagava a pessoas autorizadas por Valério, registrando em contabilidade extraoficial, que só foi descoberta anos depois devido à quebra de sigilo bancário, os nomes dos sacadores, com suas assinaturas. Eram registros para prestação de contas a Marcos Valério, e não ao Banco Central ou ao Coaf.

Será interessante acompanhar os votos a respeito da "formação de quadrilha", um dos crimes pelos quais os dirigentes do Rural estão sendo acusados. José Roberto Salgado e Kátia Rabello respondem também por lavagem de dinheiro, evasão de divisas e gestão fraudulenta de instituição financeira. Vinicius Samarane e Ayanna Tenório respondem pelos mesmos crimes, menos evasão de divisas.

O relator montou sua peça baseado na conexão entre os diversos itens, e a "formação de quadrilha" é uma acusação que une o núcleo financeiro ao núcleo operacional e ao núcleo político, formado pelo ex-ministro José Dirceu, por José Genoino e Delúbio Soares. Seu voto será no sentido de que os empréstimos dados pelo Rural às agências de Valério e ao PT foram fraudulentos, isto é, serviram para encobrir a distribuição pelo valerioduto de dinheiro desviado dos cofres públicos.

A maioria dos ministros parece ter comprado a tese de que houve "um rematado esquema de desvio de dinheiro público", nas palavras do presidente do STF, Ayres Britto, e o crime de "formação de quadrilha" começará a ser delineado no julgamento do núcleo financeiro do esquema.

Esse mesmo raciocínio será carregado para o julgamento dos demais segmentos da proposta do relator. Dirceu, acusado pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel, e pelo relator de ser o chefe da quadrilha, passou de um réu sem "atos de ofício" nos autos que o condenassem, como defendiam seus advogados, a incluso entre os que são passíveis de punição pelo conjunto de provas testemunhais e indiciais que estão nos autos.

Ontem, Ayres Britto pôs mais um tijolo na peça acusatória que está sendo erigida pela maioria do STF. Disse que, embora não se possa admitir condenação criminal "apoiada tão somente em depoimento de corréu, até porque sabemos que o corréu não pode ser testemunha, pois não tem o dever de dizer a verdade", adiantou que "nada impede que o julgador lance mão dos depoimentos colhidos para subsidiariamente sustentar condenação penal". Se formos para o caso de Dirceu, a acusação do corréu Roberto Jefferson era descartada por sua defesa como sendo uma peça sem força, justamente pela condição do acusador.

Já se sabe que, ao contrário, seu depoimento será juntado a outros indícios e testemunhas para a avaliação final dos juízes. A diretora do Rural Kátia Rabello, por exemplo, teve encontros com José Dirceu, e há relatos, inclusive de Valério, de que o então ministro sabia do esquema de empréstimos ao PT e era consultado por Genoino e Delúbio antes de tomarem uma decisão. Também o fato de a ex-mulher de Dirceu, Ângela Saragoça, ter conseguido empréstimo no Rural de R$ 200 mil para comprar um apartamento, a pedido de Valério, deve entrar na consideração dos ministros. Para aumentar as coincidências nesse caso, o apartamento antigo de Ângela foi comprado por amigo de Valério.

FONTE: O GLOBO

Duas faces, a mesma moeda - Eliane Cantanhêde

Enquanto o STF condena os réus do mensalão com "gosto de jiló, de mandioca roxa, de berinjela crua", segundo o presidente Ayres Britto, a CPI do Cachoeira dá o que falar -ou o que escrever.

Há dois tipos de depoentes: o que não abre a boca e o que fala, mas não convence. Os dois mais promissores não ficaram calados, mas não disseram tudo. Apenas usaram o palco da CPI e os seus dez minutos de fama para mandar recados aos "patrões".

Num dia, o ex-diretor do Dnit Luiz Antonio Pagot contou, com a cara limpa, como se fosse a coisa mais normal do mundo, que usou o cargo para passar o chapéu para a campanha de Dilma Rousseff à Presidência entre empreiteiras que tinham contrato com o órgão.

Em português bem claro, Pagot acumulava duas funções: dirigia o órgão que acertava contratos milionários com construtoras ao mesmo tempo em que arrecadava dinheiro de campanha entre elas. Como frisou, não é ilegal, mas foi uma "bobagem" e era "antiético".

Foi muito autocondescendente, mas acendeu um sinal amarelo no Planalto e na cúpula do PT, já acossada pela condenação do ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha por 9 a 2 no Supremo.

No dia seguinte, foi a vez de o ex-diretor de engenharia da estatal paulista Dersa, Paulo Vieira de Souza -o Paulo Preto-, mandar seus recados nada truncados, mas para um outro destinatário: o PSDB.

Como Pagot, ele também dirigia uma estatal e era arrecadador de campanhas. Acusado por tucanos de desviar R$ 4 milhões doados por empreiteiras para a campanha de José Serra à Presidência em 2010, reagiu na CPI: "São uns ingratos".

Pagot e Paulo Preto têm mais um detalhe em comum: ambos foram demitidos de seus cargos. Um é uma ameaça ambulante para Dilma e o PT; o outro, para Serra e o PSDB. Por ora, só ameaçam. Alguma coisa eles negociam para não ir às vias de fato.

FONTE: FOLHA DO POVO

Reincidência - Dora Kramer

Foi preciso o Supremo Tribunal Federal pregar à testa de João Paulo Cunha o carimbo de corrupto para o PT se dar conta da inadequação de ter como candidato a prefeito um réu em processo criminal.

Foram necessários nove contundentes votos de condenação por corrupção passiva e peculato para que o deputado pensasse em desistir de buscar absolvição "de fato" junto ao eleitorado de Osasco.

Antes disso estava tudo normal. Três ministros gravaram manifestações de apoio para o horário eleitoral. Míriam Belchior, do Planejamento, lugar tenente da presidente da República, emprestou seu aval considerando "muito importante eleger João Paulo" para dar continuidade ao "modo petista de governar".

Pepe Vargas, do Desenvolvimento Agrário, ligou o futuro da cidade à eleição do réu: "Com o governo Lula e agora com a presidente Dilma estamos transformando o Brasil. Com uma prefeitura aliada ao governo federal podemos fazer ainda mais. Por isso, em Osasco, vote em João Paulo Cunha".

Aldo Rebelo, do Esporte, externou seu apoio ao "companheiro e amigo" com "muita honra e orgulho" pela trajetória de "serviços prestados aos interesses de Osasco e do Brasil como vereador, deputado estadual, deputado federal e presidente da Câmara".

Pois foi preciso o Supremo demonstrar com todos os efes e erres que antes dos interesses nacionais e regionais João Paulo defendia a causa própria para que o PT passasse a considerá-lo um peso em cima do palanque.

Agora aparecem os engenheiros de obra pronta dizendo o quanto haviam alertado para a impropriedade da candidatura, atribuindo o gesto temerário à vontade de João Paulo que tinha a "máquina" na mão.

Ora, sobre vontades no PT dão notícias mais precisas as candidaturas de Dilma e Fernando Haddad. Quem tem "querer" ali é Lula, que, se alguma preocupação com as aparências tivesse, teria feito João Paulo se recolher.

Mas, não viu nada demais em seu partido concorrer com um réu munido de desculpas esfarrapadas e da certeza na impunidade. Diga-se em sua defesa, porém, que o ex-presidente não chegou a essa conclusão sozinho, baseado em coisa alguma.

A sustentar-lhe a impressão de que votos podem perfeitamente transitar numa esfera à parte do mérito, inclusive no tocante aos bons costumes, há o pouco caso do eleitorado quanto à ficha dos candidatos.

Lula mesmo foi reeleito no calor do escândalo do mensalão e do caso dos "aloprados", pegos em flagrante de compra de dossiê contra seu principal adversário.

Severino Cavalcanti elegeu-se prefeito no interior de Pernambuco depois de sair da presidência da Câmara por corrupção (como sucessor de João Paulo), José Roberto Arruda recebeu mandatos de deputado e governador carregando pesadas acusações às costas e vários mensaleiros denunciados em 2005 voltaram à atividade pelo voto em 2006.

Em suma: o alto lá que o STF vai assentando pode muito no balizamento do futuro, mas não pode tudo. E não terá o esperado efeito saneador se o eleitor continuar a reincidir na concessão de seu voto a gente a respeito de quem se pode dizer qualquer coisa, menos que esteja acima de qualquer suspeita.

Autoengano. Não é de hoje que o PSDB atribui seus revezes aos programas do horário eleitoral. A justificativa não obstante confortável, ignora fatores realmente decisivos.

Partido unido, sintonizado com o eleitorado, atento às demandas da sociedade, presente nos debates fundamentais e na posse de posição clara sobre temas de interesse nacional pode até perder eleição, mas não será por obra de erros do marqueteiro.

Já partido desunido, dissociado do eleitorado, desatento às demandas da sociedade, ausente nos debates fundamentais e sem posição clara sobre temas de interesse nacional dificilmente ganha eleição por mais genial que seja o departamento de propaganda.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

"Mais unhas há" - Maria Cristina Fernandes

Decano do Supremo Tribunal Federal, o ministro Celso de Mello foi o único da atual composição da Corte a participar do julgamento de Fernando Collor de Mello em 1994. Fez um fundamentado voto contra a licitude das provas obtidas pela investigação policial e parlamentar - as planilhas do esquema PC Farias de desvio de dinheiro público, apreendidas nos computadores do então tesoureiro:

"A absoluta ineficácia probatória de elementos de convicção - cuja apuração decorreu, em sua própria origem, de comportamento ilícito dos agentes estatais - torna imprestável a prova penal em questão, subtraindo-lhe, assim, a possibilidade de fundamentar, como apoio exclusivamente dela, qualquer eventual condenação de índole penal" (13/12/1994).

O ex-presidente tinha sido cassado pelo Congresso Nacional num dos momentos de maior mobilização cívica da República. O voto de Mello contribuiu para a absolvição do ex-presidente e lhe permitiu a retomada da carreira política.

Rigor terá que se manter mesmo sem os holofotes

Egresso do Ministério Público, Mello havia sido indicado pelo ex-presidente José Sarney para o cargo. Tinha, à época, 49 anos e estava havia cinco na Corte. Dali a mais cinco assumiria a presidência como o mais jovem ministro a ocupar o cargo. Desde então só viu crescer entre seus pares e advogados o respeito pelo saber jurídico e pela independência com que se conduz no tribunal.

Na quarta-feira, Mello deu um longo e igualmente fundamentado voto pela condenação dos réus do primeiro capítulo do mensalão. Nele, reconhece a eficácia de provas colhidas pela polícia federal e pela Comissão Parlamentar de Inquérito, desde que sejam complementares àquelas que passam pelo contraditório.

Ao corroborar com a denúncia do Ministério Público, Mello fez uma aguerrida defesa da necessidade de o Judiciário não se manter indiferente ao lamaçal. Foi muito mais duro do que 18 anos atrás:

"Agentes públicos que se deixam corromper, qualquer que seja sua posição na hierarquia do poder, e particulares que corrompem os servidores do Estado (...) são eles corruptos e corruptores, os profanadores da República, os subversivos da ordem institucional, são eles os delinquentes marginais da ética do poder, são os infratores do erário que trazem consigo a marca da indignidade e portam o estigma da desonestidade".

Mudou Celso de Mello, mudou o Supremo ou o Brasil? A julgar pelas declarações dadas pelo ministro a Juliano Basile e Caio Junqueira antes do julgamento (Valor, 2/8/2012), mudaram os brasileiros: "Hoje a reação é mais intensa do que no caso Collor".

A pressão sobre este julgamento do caso de corrupção com o maior número de réus que já chegou ao Supremo se dá mais pela extensa cobertura da imprensa do que pela mobilização social. Ex-conselheiro do Conselho Nacional de Justiça, o advogado Marcelo Nobre diz que a primeira resposta do julgamento a esta pressão é que o Supremo não se deixa aparelhar tão facilmente por quem indica seus ministros. Basta ver que dos seis indicados pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, quatro já endossaram as condenações do maior escândalo político de seu governo.

Nobre não tem dúvidas de que o descrédito acumulado pelo Judiciário nas últimas décadas o impulsionou a assumir um papel mais político, mas indaga o que acontecerá com a jurisprudência firmada no caso - não apenas quando se reduzirem os holofotes sobre a Corte mas também, e principalmente, com as repercussões na primeira instância onde as luzes sempre estão desligadas.

Ainda é cedo para concluir se o rigor do Judiciário com corruptos e corruptores vai tornar a política mais decente mas talvez já se saiba que seu jogo vai ficar mais duro.

A disputa política judicializou-se a despeito de uma jurisprudência garantista. Agora que o Judiciário entrou no jogo é de se imaginar que a política ganhe ainda mais intimidade com os tribunais.

As desacreditadas CPIs, por exemplo, ganham um novo fôlego com essa primeira rodada do julgamento. Os ministros foram majoritários na aceitação de provas lá produzidas.

O entendimento também joga novas luzes sobre a aceitação do grampo como prova. Há duas operações da Polícia Federal, de amplas repercussões políticas, Castelo de Areia e Satiagraha, cuja validade está para ser decidida pelo Supremo porque baseadas em grampos que não teriam sido produzidos sob o amparo da lei.

O silogismo pode parecer simplista, mas se o Supremo aceita as provas da CPI e esta acata grampos em seus inquéritos, o Supremo também os validará?

Víctor Gabriel Rodríguez, professor de Direito Penal da USP, vê com naturalidade que fronteiras menos nítidas se desenhem entre os poderes da República. A Constituição já o previra ao submeter a escolha dos ministros do Supremo ao Executivo e sua aprovação, ao Congresso. Mas teme o desgaste a que a Corte possa se submeter por exposição excessiva. Em alguns dos votos que acompanhou do julgamento, Rodríguez teve dúvidas se os ministros dirigiam-se aos pares de seu colegiado ou ao telespectador.

Ao contrário dos demais, no Judiciário desgaste não se resolve no voto. Para evitá-lo, só restará aos ministros votar com o mesmo rigor que agora se aplica a tantos quantos chegarem às suas portas, esteja ou não sob pressão da opinião pública.

Na sessão mais importante da semana, o ministro Celso de Mello citou "A Arte de Furtar", escrito em 1654 por um ministro da Corte de Suplicação portuguesa. Nele, Antonio de Souza de Macedo fala das unhas agudas, bentas, fartas, mimosas, vagarosas, corteses, tímidas e insensíveis dedicadas ao ofício.

Por mais variadas que fossem não esgotariam seus propósitos. No último capítulo do livro, denominado "Desengano geral a todas as unhas", o colega setecentista dos magistrados brasileiros conclui: "Mais unhas há".

"Estava reservado ao nosso tempo ser testemunha disso", disse Celso de Mello em seu voto. Como o ministro está para se aposentar, deve se unir à massa de telespectadores que torce por um Supremo sem arranhões ao fim desta empreitada.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

O mensalão e o cavalo de Tolstoi - Fernando Gabeira

Para os formalistas russos, grande parte de nosso cotidiano é vivida de forma inconsciente e automática. A arte é a melhor maneira de acordar dessa hipnose, mostrando-nos que uma pedra é uma pedra. Eles valorizavam táticas de distanciamento, como as de Tolstoi, por exemplo, que analisou as fragilidades humanas a partir da perspectiva de um cavalo. Uma das frases do equino: "A ação dos homens, pelo menos daqueles com quem tive contato, é determinada por palavras, e não por fatos".

Ao avaliar uma viagem de observação pelo processo eleitoral que se inicia, pressenti que tanto as eleições como o julgamento do mensalão são vistos com uma certa distância pelo homem comum. O mais interessante, ao refletir sobre as cidades que visitei em Estados distintos, é constatar também que o júri do mensalão e as eleições são fenômenos independentes.

Dominada pelas alianças e rivalidades municipais, as eleições têm uma dinâmica própria. O esforço para adiar o júri foi inútil. A impressão que tenho, até o momento, é de que o PT vencerá nas cidades onde venceria e perderá naquelas em que a tendência é de derrota. Apesar do mensalão. A única cidade em que o júri tem impacto direto é Osasco, onde o réu João Paulo Cunha (PT-SP) é candidato a prefeito. Ainda assim, suspeito que ele tendia a perder, mesmo sem julgamento.

Como se diz na Fórmula 1, o circo está se armando. Faixas e cartazes nas ruas, uma pequena multidão empregada sazonalmente, assessores pendurados nos celulares, carros de som, slogans: vote em Zé da Padaria, no Renato do Gás, no Isaac da Cesta Básica... E as pessoas olhando, desconfiadas.

O fato novo que esquenta o tom dos candidatos é a fragmentação da própria aliança nacional. Vi isso em Belo Horizonte, onde PT e PSB se separaram. Leio que é o mesmo no Recife, onde a aliança também se rompeu. Quando a separação é muito recente as emoções são mais intensas.

O caso mais curioso de fragmentação se dá em Juazeiro, na Bahia. O candidato do PT a prefeito, Joseph Bandeira, faz sua propaganda eleitoral normalmente, mas o partido apoia o candidato do PCdoB e lançou um vice na sua coligação. O PT tem um candidato a prefeito numa chapa e um candidato a vice em outra! Um dia a Justiça Eleitoral vai ajustar esse disparate. Até lá a campanha será animada pelo pitoresco.

Nas ruas fala-se pouco da disputa. A coisa ainda não pegou, apesar do início da propaganda na TV. Fala-se do mensalão, mas a esperança deserdou a política e se deslocou para a Justiça.

Em Vitória da Conquista, onde nasceu Glauber Rocha, pergunto-me se o júri do mensalão não pode ser visto como uma réplica da batalha do cangaceiro Corisco e Antônio das Mortes. Joaquim Barbosa, com sua capa preta, torturado por dores nas costas, denunciando implacavelmente o desvio de dinheiro público e Ricardo Lewandowski se esgueirando pela caatinga, fugindo, como Corisco, da origem do dinheiro, de sua trajetória obscura, fixando-se apenas na sua destinação, a campanha política. Os mensaleiros são uma versão perversa de Robin Hood, tiram dinheiro do povo para convencê-lo a votar neles.

"Quando fui à internet ver como esse Lewandowski era recebido", contou-me um professor baiano, "a máquina despejou uma tonelada de mensagens dizendo que ele ia jogar no Juventus da Itália. O futebol italiano e o craque polonês eram mais presentes que o mensalão e o ministro brasileiro".

Ainda na Bahia, um candidato de oposição me disse que não iria tocar no mensalão. Pra quê? Ali eles dividem o governo entre os partidos aliados e todos tiram proveito dos cargos que ocupam. Além do mais, os prefeitos dão emprego. Cada lugar tem o seu mensalão. Lembrei-me das cidades fluminenses onde os royalties do petróleo, segundo uma pesquisa do Ipea, serviram para contratar 30% dos funcionários. E também do desabafo do prefeito Márcio Lacerda sobre a voracidade do PT para ocupar os cargos em BH.

O mensalão é um estado de espírito nacional que dificilmente será rompido com as eleições. O que pode acontecer com o resultado do júri é uma lenta cicatrização das feridas e um discreto renascimento das esperanças políticas.

Esse quadro impreciso e fugidio não deveria impedir que os grandes e urgentes problemas urbanos fossem discutidos amplamente. Em todas as grandes e médias cidades por onde passei se falava de mobilidade urbana. E a mobilidade não se limita ao transporte coletivo. Ela pode acionar uma série de debates sobre o uso do carro individual, ciclovias, rodízios, pedágios, até a própria administração do tempo urbano, numa tentativa de reduzir o impacto do rush, em que todos circulam ao mesmo tempo.

Fala-se muito em saúde. Ela pode acionar também uma nova cadeia de discussões, que não se limite ao estado dos hospitais públicos. Saneamento, água contaminada, controle sanitário dos alimentos, áreas de lazer, políticas para a velhice, enfim, um quadro bem mais amplo.

As cidades crescem de forma desordenada e a política é um pássaro do entardecer, sempre atrasada. Há pessoas que pensam que vivem apenas em casa. Mas vivemos na cidade. Mesmo torturados por dores nas costas, teremos um dia de humanizar o caos urbano. Temo que esse dia ainda não seja em outubro.

Um passo da Justiça, no entanto, pode remeter-nos de novo aos tempos em que pedíamos eleições diretas porque acreditávamos não só no direito, mas na importância de votar. Um dos grandes feitos do PT e seus aliados foi trair o desejo de uma mudança que transcenda as necessárias melhorias materiais. Mas o desejo tem sete vidas.

"Jurando em dez estrelas/ sem santo padroeiro/ Antônio das Mortes/ matador de cangaceiro/ (...) Se entrega, Corisco/ eu não me entrego, não/ (...) eu me entrego só na morte/ de parabelo na mão". Em Deus e o Diabo na Terra do Sol, o filme de Glauber, a esperança sobrevive até na última frase de Corisco: "Mais fortes são os poderes do povo".

Uma curta mensagem aos salvadores de ontem, de hoje e de amanhã.

Jornalista

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Lá Vem o Patto! - Urbano Patto

Há algumas semanas escrevi sobre o julgamento do mensalão:

O mais inverossímil é ver os brilhantes advogados tratando gente crescida, vivida, experiente em política e negócios, como seus clientes o são, como pessoas simplórias, até aparvalhadas. Dessas que acham que movimentar milhares reais em sacos de papel é fato normal nos caixas de banco, que levantar empréstimos de milhões sem garantias é corriqueiro na banca nacional, que depositar fortunas em dinheiro no exterior sem declarar é a praxe nos contratos de publicidade.

Nada contra que façam suas defesas técnicas, mas respeitem um pouco mais a inteligência e o bom senso do respeitável público.

Esperemos sinceramente que os ministros do STF não compartilhem dessa visão de que o julgamento deva ser essencialmente técnico, se assim fosse seria mais simples aplicar uma tabela, uma fórmula ou uma máquina de julgar - objetivas, impessoais, exatas, inapelavelmente técnicas.

Esperemos, apenas e singelamente, que julguem como homens. Para tanto basta que sejam justos.

Pois bem, pelo andar da carruagem, parece que minhas esperanças estão sendo correspondidas. Dois políticos de alto escalão já foram condenados, declarados oficial e solenemente pelo STF, corruptos, autores de peculato e lavadores de dinheiro público desviado do Banco do Brasil, portanto, no popular: são bandidos e ladrões, ponto. Caiu por terra essa ladainha de “crime menor”, prescrito, meramente eleitoral, de recursos não compatibilizados, de coisa que todo mundo faz, de que não existiu e que tudo não passa de um complô das elites e da imprensa, como o presidente Lula diz acreditar, ingênuo e inocente que é, coitadinho...

Para que ninguém diga que se trata de personagens menores no meio político, segue abaixo resumo da carreira dos dois políticos até o momento condenados, com base das informações da Wikipédia:

O verbete Henrique Pizzolato diz: Militante do Partido dos Trabalhadores (PT) há mais de 20 anos, Pizzolato foi presidente do Sindicato dos Bancários em Toledo e da CUT no Paraná. Concorreu a cargos eletivos, como o de vice-governador do Paraná (1994) e de vice-prefeito de Toledo (1996), sem sucesso. Foi alçado a diretor de Seguridade da Previ em 1998, eleito pelos funcionários do Banco do Brasil, tendo deixado o cargo em maio de 2002, para trabalhar na eleição do presidente Lula, administrando os recursos da campanha juntamente com o ex-tesoureiro Delúbio Soares de Castro. Ocupou o cargo de diretor de marketing do Banco do Brasil e antecipou sua aposentadoria após denúncias de envolvimento no caso do mensalão.

E, resumindo, no de Luiz Paulo Cunha, consta que: sempre pelo PT, foi: filiado desde 1981, Vereador em Osasco; fundador da Executiva Municipal de Osasco do PT; líder da Executiva Municipal, em 1988 foi candidato do partido à prefeitura; Deputado estadual em 1990, líder do partido na Assembléia Legislativa; Deputado federal em 1994, duas vezes reeleito; presidente do diretório estadual em 1995, em 1996 novamente candidato à prefeitura de Osasco; presidente da Câmara dos Deputados em 200. Ainda é Deputado federal e está novamente, até no momento que estou escrevendo, candidato a prefeito de Osasco.

Aguardando o julgamento dos demais réus, ainda esperançoso e agora mais otimista, mas com um olho no gato e outro na sardinha, especialmente no caso do réu ex-ministro José Dirceu, denunciado como chefe de quadrilha, e que também disse não saber de nada e que, como chefe não faz mesmo - manda, não deixou tantas marcas pessoais pelo caminho, mesmo porque dispunha de Delúbios, Pizzolatos, Valérios e Cunhas e outros para enfiar por ele a mão na massa.

Urbano Patto é Arquiteto-Urbanista, Mestre em Gestão e Desenvolvimento Regional, Secretário do Partido Popular Socialista - PPS - de Taubaté e membro Conselho Fiscal do PPS do Estado de São Paulo. Comentários, sugestões e críticas para urbanopatto@hotmail.com

O início do fim dos meios sujos - Nelson Motta

Os doadores estão cabreiros e tirando o deles da reta, os tesoureiros das campanhas, à beira de um ataque de nervos: os caixas 1 e 2 estão à míngua. O primeiro mensaleiro não só foi condenado como recebeu histórica descompostura dos ministros Cezar Peluso e Celso de Mello, como um delinquente com a marca da indignidade e o estigma da desonestidade.

Independentemente de condenações ou absolvições individuais, é um grande avanço para a democracia o Supremo Tribunal Federal firmar jurisprudência sobre a criminalização do uso político do caixa 2, sejam quais forem os meios e os fins, e começar a acabar com um dos mais nefastos e antidemocráticos vícios da política brasileira, lastreado no cinismo do "todos fazem" e na promiscuidade com os doadores.

O ladrão em causa própria, seja de galinhas ou de verbas públicas, dá prejuízos pontuais a pessoas físicas ou jurídicas, ou ao Estado, que podem ser ressarcidos se o criminoso for condenado. Usar dinheiro sujo para fraudar o processo eleitoral, manipular a vontade popular, corromper políticos, comprar vantagens para seu partido para impor a sua crença provocam irreparáveis danos para toda a sociedade. Porque desmoralizam a democracia, institucionalizam a impunidade e interferem de forma decisiva e abusiva nos direitos dos cidadãos.

O ladrão ideológico é mais nocivo que o profissional.

É por isso que em países civilizados, com maior tradição jurídica que o Brasil, como a Itália, a Alemanha e a Inglaterra, a motivação política é considerada como fator agravante de um crime. Porque o produto do delito servirá para manipular processos eleitorais e atentar contra as instituições democráticas, roubando direitos de toda a sociedade.

Lá, o caixa 2 já derrubou primeiros-ministros, governadores e prefeitos. Aqui, ainda é usado como atenuante, como uma bizarra sequela da ditadura, quando a luta pela liberdade justificava tudo.

A atitude de tolerância zero que a maioria dos ministros do STF está tomando com o caixa 2 vai melhorar muito o comportamento dos políticos, não por ética ou espírito público, mas por medo da Justiça e da cadeia.

FONTE: O GLOBO

Privatizações do PT - Roberto Freire

Após passar anos e anos demonizando as privatizações, o PT rende-se à realidade de que o governo não possui capacidade de investimento para dotar o país da infraestrutura necessária para manter o crescimento econômico e, portanto, precisa dos investimentos da iniciativa privada.

Diagnóstico tardio que nos custou10anosde investimentos não realizados que dificultam nosso desenvolvimento. Envergonhados do tamanho do erro histórico que cometeram, os petistas ainda relutam em admitir o óbvio: transferências de prestação de serviços públicos para a iniciativa privada são privatizações.

Concessão é apenas o nome técnico-administrativo. A presidente Dilma anunciou, num grande evento publicitário, um pacote de concessões de rodovias e ferrovias que totalizarão R$ 133 bilhões em investimentos nos próximos 25 anos.

Segundo cálculos do economista Cláudio Frischtak, da Inter.B Consultoria, isso representa apenas 6%do que o país precisa para se modernizar, que seria aumentar o nível de investimento no setor dos atuais 2% para 4% do PIB. Além de insuficiente, o anúncio do pacote foi muito parecido com os anúncios grandiloquentes do PAC-1 e do PAC-2. Os investimentos anunciados não foram realizados e as obras não foram concluídas, vide a situação da transposição do rio São Francisco e da ferrovia Norte/ Sul que eram prioridades, por exemplo. O governo Lula já havia privatizado algumas rodovias.

A experiência foi um fracasso. Após quatro anos, as concessionárias só investiram 10% do previsto, apesar de já cobrarem pedágios desde a concessão. A duplicação da BR-101, entre Niterói e a divisa com o Espírito Santo, trecho 176,6 km, não foi concluída. A duplicação da rodovia Régis Bittencourt, no trecho da Serra do Cafezal em São Paulo, famosa pelos acidentes e mortes, também não foi concluída. Ao anunciar que manterá esse mesmo modelo de concessão, não há razão para acreditar que o resultado será diferente da mera promessa.

Foi anunciada também a criação de mais uma estatal, a Empresa de Planejamento e Logística (EPL), para gerenciar o programa de concessões. Como não consegue retomar o controle do Ministério dos Transportes e do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) do loteamento político realizado no governo Lula, que resultou em escândalos de corrupção, o governo cria um novo órgão com mais orçamento e vá-rios cargos para serem posteriormente loteados.

O resultado é uma sobreposição de órgãos (oito ao total) e competências que torna a gestão estatal ainda mais disfuncional. Para completar, ainda criou uma empresa estatal de seguros para fornecer as garantias para as obras de infraestrutura. O modelo das recentes privatizações dos aeroportos, cujas obras não começaram, já está sendo revisto. O governo agora quer a Infraero como sócia majoritária, o que demonstra, além da visão estatista ultrapassada, uma imensa falta de compreensão sobre a necessária estabilidade da regulação para atrair capitais privados. OPT faz privatizações,mas não consegue fazer direito. Pior é que não há nenhum indício de que agora será diferente, para in-felicidade do país.

Deputado federal e presidente do PPS

FONTE: BRASIL ECONÔMICO

Resistência à mudança - Rogério Furquim Werneck

Há pouco mais de duas semanas, o governo anunciou que havia decidido repassar ao setor privado grande parte dos projetos de expansão de infraestrutura que não vinha conseguindo levar adiante. A notícia teve boa repercussão. Afinal, velhos preconceitos nutridos no Planalto pareciam estar dando lugar a uma visão mais pragmática do papel do investimento privado. Em meio às louvações, houve até quem chegasse a ver no anúncio das concessões uma guinada tão pronunciada quanto a que representou a Carta ao Povo Brasileiro, anunciada por Lula, ainda como candidato a presidente, em meados de 2002.

Exageros à parte, o fato é que uma análise objetiva do que foi anunciado há 15 dias sugeria uma mudança inegavelmente promissora no equacionamento das graves carências da infraestrutura de transportes no país. É bem verdade que um exame realista do complexo cronograma do programa de concessões indicava que as primeiras obras só poderiam ter início no fim de 2013. Ou, mais provavelmente, no início de 2014. E que, dificilmente, o esforço de investimento começaria a trazer melhoras palpáveis à infraestrutura antes de 2015, já no próximo mandato presidencial.

Mas, por outro lado, percebia-se que, além dos óbvios benefícios de prazo mais longo, as medidas anunciadas poderiam ter efeitos importantes, de prazo bem mais curto, na recuperação do investimento privado no país. A esperança era a de que a simples reorientação da política econômica que o programa de concessões sinalizava, com o claro abandono de preconceitos ideológicos arraigados, pudesse ter efeito decisivo sobre o investimento privado, ao contribuir para uma mudança de clima que ajudasse a liberar os "espíritos animais" do empresariado.

É essa possibilidade que o governo parece estar agora botando a perder. Menos de dez dias após o anúncio das concessões, surgiram notícias de que, nas discussões internas sobre a segunda fase do programa, que envolveria aeroportos, o governo havia se dividido em acirrada disputa entre "privatistas" e "estatistas". Embate que deixou exposto à luz do dia um retrato altamente desalentador da real extensão da convicção que estaria lastreando a suposta guinada na política econômica do governo.

A disputa envolve não só preconceitos ideológicos, mas também complexa mescla de interesses econômicos e corporativistas encastelados na Infraero. Companhias aéreas que preferem manter aeroportos sob o comando estatal, por temer elevações de tarifas aeroportuárias que poderiam ser impostas por gestores privados. Funcionários da Infraero e políticos com influência na empresa que jamais esconderam sua resistência a "qualquer forma de privatização" de aeroportos. Autoridades sensibilizadas com a falta de recursos que terá de ser enfrentada pela Infraero, se vier a perder a exploração dos aeroportos do Galeão e de Confins, e dispostas a preservar, a todo custo, o sistema pouco transparente de subsídios cruzados entre aeroportos que vem sendo operado com grande ineficiência pela estatal.

Na cúpula do governo, não falta quem defenda que, na modernização do Galeão e de Confins, a Infraero "seja parte da solução". E que se busquem gestores estrangeiros de aeroportos de grande porte dispostos a aceitar a Infraero como sócia majoritária. Para investigar a factibilidade de uma solução desse tipo, foi enviada à Europa esta semana uma comitiva formada pela ministra-chefe da Casa Civil, pelo ministro da Secretaria de Aviação Civil, pelo presidente do BNDES e várias outras autoridades envolvidas no embate sobre a questão. Só faltou o secretário do Tesouro Nacional, que de acordo com o que vem sendo reportado na mídia, seria o "cérebro" da ala "estatista" nesse embate.

É preciso refrear as ilusões. O Planalto continua alimentado por vasto manancial de ideias tortas. Sobram razões para temer que a suposta guinada na política econômica do governo, sugerida pelo anúncio das concessões, acabe sendo muito menos pronunciada do que se imaginava.

FONTE: O GLOBO

Prazo de validade - Celso Ming

O governo Dilma anunciou, na quarta-feira, a prorrogação da isenção (ou da redução) do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para veículos, máquinas, materiais de construção e aparelhos domésticos.

O objetivo imediato é estimular o consumo, para que o setor produtivo possa recuperar fôlego e, assim, apresentar algum resultado nos quatro meses restantes do ano.

Ontem, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, fez ampla defesa da decisão tomada. Chegou a dizer que, além de não prejudicar a solidez das finanças públicas, a renúncia tributária favorece a economia, na medida em que promove comércio que não aconteceria e é aplicada com a contrapartida de garantia de emprego.

No entanto, essa política de distribuição de favores a alguns setores da economia - e não a todos - tende a trazer mais incertezas do que benefícios.

Boa parte da elevação da nova procura de bens de consumo duráveis ou de bens de capital corresponde à antecipação de vendas. Quem aproveita uma redução de impostos para comprar um carro, uma geladeira, uma máquina ou materiais de construção não deve repetir tão cedo operação desse tipo. É também compra que não será feita quando o imposto voltar com era antes. O ministro Mantega reconhece que o mau desempenho do setor produtivo interno é consequência da grave crise global que, no entanto, deverá durar pelo menos por mais um ou dois anos. Enfim, o estímulo não pode funcionar como motor de arranque que coloque o veículo em movimento. Se a crise continuar segurando o setor produtivo, não há como esperar eficácia desse dispositivo. Em outras palavras, a recuperação da atividade econômica não parece, por si só, sustentável.

O segundo problema vem com a eleição arbitrária de favorecidos. Se todo o sistema produtivo enfrenta suas limitações e se todo o mercado de trabalho é prejudicado por uma crise, por que apenas meia dúzia de setores pode contar com desonerações ou reduções tributárias? Não há nenhuma razão especial para que o negócio de veículos ou o de aparelhos domésticos atraia em seu benefício um pedaço maior do salário ou do crédito do consumidor e que os demais setores (têxteis, calçados, alimentos, medicamentos, etc.) tenham tratamento menos favorecido. Por que é melhor para a economia que o consumidor gaste suas disponibilidades, por exemplo, com um fogão novo e não com o enxoval da filha? Nesse sentido, fica incompreensível que os líderes empresariais, representantes de todo o setor produtivo e não só de uma parte, aplaudam essas iniciativas temporárias e parciais.

São decisões que criam insegurança. Não é somente o planejamento da economia que exige condições de longo prazo. A saúde de qualquer negócio requer regras estáveis. Não pode depender da distribuição de antibióticos com prazo incerto de validade, sujeita à boa vontade de quem estiver no comando ou da força de reivindicação dos lobbies da hora. Como gerenciar um fluxo de caixa ou uma carteira de encomendas, se a cobrança de um tributo tão importante como o IPI pode ou não ser suspensa ou se determinadas isenções podem ou não ser prorrogadas?

Além disso, se esses benefícios tributários são tão bons como assegura o ministro, então é preciso pensar em torná-los permanentes.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

O outro lado da moeda - Míriam Leitão

O IBGE divulga hoje que o PIB do segundo trimestre cresceu pouco. E isso apesar dos estímulos fiscais e monetários e até cambiais. O governo acreditava que se o dólar subisse as empresas ganhariam. O dólar foi a R$ 2 e as companhias tiveram aumento de custos e perdas financeiras. Os preços agrícolas subiram e o repasse à inflação foi maior porque o real se desvalorizou.

Não existem panaceias. O novo patamar trouxe ganhos para alguns setores, outros foram prejudicados pela alta da moeda americana. O setor de aviação civil foi duplamente atingido com a virada no câmbio: tem custos de combustíveis e contratos de leasing das aeronaves em dólares. Mas a receita é em reais. Gol e TAM sofreram perdas de R$ 1,6 bilhão no segundo trimestre e as ações da Gol caíram 33% desde março.

A Petrobras teve prejuízo de R$ 1,3 bilhão no segundo trimestre, com despesas financeiras de R$ 6,4 bi. A estatal tem 70% de endividamento em dólar e os investimentos ficam mais difíceis porque as sondas e plataformas importadas ficam mais caras.

O minério de ferro acumula queda de 35% este ano em dólares, mas os custos das siderúrgicas caíram menos porque o real se desvalorizou. Houve o mesmo com os frigoríficos. A ração do frango é influenciada pelo preço internacional do milho. A indústria de papel e celulose tem insumos químicos que variam de preço de acordo com a cotação da moeda americana. O setor farmacêutico utiliza reagentes importados.

Cerca de 70% do trigo consumido pela indústria brasileira vêm de fora. Em apenas três meses, os empresários do setor viram o dólar se valorizar 18%. O diretor do Moinho Santa Clara, Christian Saigh, explica que a virada no câmbio não veio em boa hora porque os principais produtores mundiais de trigo - Estados Unidos, Argentina, Austrália - estão reportando quebras de safras.

- Nos últimos meses tivemos um aumento de custos na veia, na casa de 40%, combinando a alta do dólar com o aumento da cotação internacional do trigo. Esse custo deve ser repassado ao longo do ano, influenciando o preço de pães, biscoitos e massas - explicou.

Para piorar, a produção brasileira de trigo este ano ficou abaixo da esperada. Nossas importações serão as maiores dos últimos seis anos. A previsão da Conab é de que 6,7 milhões de toneladas serão importadas.

A economista Karina Freitas, da Concórdia Corretora, analisou o balanço das empresas no segundo trimestre e fez um diagnóstico negativo sobre o impacto do câmbio. A crise internacional diminuiu a demanda e até os exportadores não conseguiram tirar proveito da desvalorização:

- No segundo trimestre o câmbio foi ruim para o balanço das empresas. Ele aumentou o nível de endividamento e elevou custos de vários setores.

Maurício Pedrosa, economista da Queluz Investimentos, considera que houve erro de diagnóstico por parte do governo de achar que o câmbio era o principal problema da economia:

- As cadeias de produção hoje são integradas, as empresas tiveram aumento de custos e perderam uma janela de oportunidade de fazer investimentos via importação mais barata.

O dólar rompeu a barreira de R$ 2 no dia 18 de maio. Não voltou mais ao preço de R$ 1,70 do início do ano. Para a política monetária o dólar mais forte está sendo um desafio porque os preços agrícolas no atacado estão subindo muito. O IPCA pode sofrer pressão via pães, massas e biscoitos.

Estava errado o governo quando achava que tudo se resolveria quando o dólar subisse. Ao subir, ele criou outros problemas com os quais as empresas e o próprio governo têm que lidar.

FONTE: O GLOBO

Educação pode formar atletas - Comte Bittencourt

Melhorar os resultados nas Olimpíadas pode estar ligado à prática da educação física na escola. Os países que tiveram resultado exitoso investem no esporte desde os primeiros anos da atividade educacional, oferecendo espaços e profissionais habilitados. Eles têm estruturas mínimas para que as aulas de Educação Física sejam dadas, não só para cumprir o seu papel na formação dos alunos, mas também para despertar valores na atividade esportiva. Conquistamos nas Olimpíadas de Londres 17 medalhas e o maior investimento do governo na história: cada vitória inflacionou em 54,3% e chegou a mais de R$ 123 milhões, mas não podemos negar o esforço e o mérito dos nossos atletas.

O Rio vai sediar a Copa em 2014 e as Olimpíadas em 2016, e as escolas da rede estadual não têm espaço apropriado nem material para a prática esportiva. Não há uma política continuada. As escolas, quando muito, possuem quadras, espaços limitadores de oferta de diferentes modalidades. Nossa política de esporte precisa integrar-se à educacional! É no colégio que a criança descobre sua habilidade e sua aptidão. Temos 1.358 escolas com apenas um tempo de aula de Educação Física por semana, que dura 50 minutos, e mais de 1 milhão de alunos. O último concurso do estado para esses professores foi no fim de 2011 e ofereceu apenas vagas no cadastro de reserva.

Milhões de jovens frequentam a Educação Básica. Quantos talentos surgiriam, se tivessem acesso, no ensino público, a infraestrutura e orientação sistemática?

Na Inglaterra, o terceiro país no quadro de medalhas, há projetos permanentes na educação de prática esportiva e um planejamento adequado para os atletas. Se não alterarmos esse cenário, o Brasil vai continuar investindo alguns bons bilhões de reais para um resultado de medalhas pífio e que poderia ser bem melhor.

Deputado estadual pelo PPS e presidente da Comissão de Educação da Alerj

FONTE: O DIA

Em Recife, PSB vê bênção na crítica de Dirceu

Manoel Guimarães

As novas críticas de José Dirceu ao governador Eduardo Campos (PSB) foram tratadas com ironias no Palácio. Na quarta (29), em seu blog, o ex-ministro do PT acusou o socialista de estar se aproximando do PSDB, e classificou como “surpreendente” o discurso do PSB no Recife, defendendo o “choque de gestão”, o que para Dirceu seria uma estratégia “tucana” inventada pelo senador e presidenciável Aécio Neves (PSDB-MG). Um interlocutor do governador afirmou que, no atual momento, críticas de José Dirceu – réu no processo do mensalão – são “uma bênção” para Eduardo.

Na avaliação governista – compartilhada por Eduardo – Dirceu ainda não sentiu “cair a ficha” sobre sua atual condição. Após três anos como ministro da Casa Civil do governo Lula (2003-2010), o petista teve o mandato de deputado federal cassado, assim como seus direitos políticos, e será alvo de apreciação do Supremo Tribunal Federal (STF) nos próximos dias. Mesmo continuando muito influente no PT, para os socialistas, Dirceu “tratou o Recife como uma província”, ao apoiar a indicação de Humberto Costa (PT) como candidato na sucessão municipal do Recife.

Sobre a disputa eleitoral, a avaliação dos socialistas é que, na disputa do Recife, o PT vem cometendo uma série de “erros táticos”, a começar pela decisão de ingressar na Justiça Eleitoral pedindo a impugnação da candidatura de Geraldo Julio (PSB), em razão da suposta “propaganda casada” da campanha socialista com a propaganda institucional do governo Eduardo. A ação, por sinal, deve ser julgada hoje no TRE.

FONTE: JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Avanço de candidatos do PSB pode levar à ruptura com PT

Vantagem de Lacerda em BH e subida de Geraldo Júlio em Recife pioram clima

Paulo Celso Pereira, Tatiana Farah e Letícia Lins

BRASÍLIA, SÃO PAULO e RECIFE As novas pesquisas divulgadas esta semana pioraram o clima entre PSB e PT, e, por tabela, a relação entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o governador de Pernambuco e presidente do PSB, Eduardo Campos. Em Recife, a subida de Geraldo Júlio, o candidato de Campos que empatou com Humberto Costa (PT) e trabalha para vencer no primeiro turno, levou a um acirramento tal que há quem fale na possibilidade de ruptura da histórica parceria entre as legendas a partir de novembro. Soma-se à situação de Recife, a manutenção da larga vantagem de Márcio Lacerda (PSB) sobre Patrus Ananias (PT) em Belo Horizonte. O senador Jorge Viana (PT), interlocutor assíduo de Lula, não esconde o incômodo:

- O presidente do PSB está deixando nessa história de Recife o pior sentimento para a relação PT-PSB, que é o sentimento da ingratidão. O presidente Lula merecia um tratamento muito melhor do que esse do presidente do PSB.

Segundo Viana, o PSB não teria tido qualquer motivo para reclamar do PT:

- O PSB é um parceiro privilegiado na nossa história de governo. O que o PT fez em Belo Horizonte pelo PSB em 2008 ninguém mais faria. Lá há uma figura chamada Aécio Neves, simbólico, e lá aceitamos fazer uma aliança com aval da direção nacional para o PSB governar Belo Horizonte. Além disso, a presidente Dilma tem dado um tratamento privilegiado para os governos de Pernambuco e do Ceará. Estamos em uma eleição paroquial, mas quando as paróquias são importantes, é preciso os cardeais agirem. E os cardeais do PSB jogaram mal.

O plano inicial de Campos - incensado por Lula - era ser opção como sucessor de Dilma em 2018, mas ele teria se convencido de que jamais conseguirá o apoio do PT para o Planalto.

- Depois das eleições é que a gente vai poder avaliar como a aliança vai ficar. O Eduardo tinha uma boa relação e continua tendo muito respeito pelo presidente Lula, mas está machucado com o PT - ilustra um aliado do governador.

Campos tenta publicamente minimizar o rompimento com Lula. Seus aliados mudaram o tom e agora falam em apaziguamento.

- Esse esgarçamento será absolutamente superado após o processo eleitoral. Agora, é natural que o partido se fortaleça e ocupe espaços que antes eram ocupados por outras legendas -disse ontem o senador Rodrigo Rollemberg (PSB-DF), num tom mais ameno do que o adotado no início da semana.

Até o senador Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE), adversário mordaz do governo Lula e neoaliado de Campos, evita ampliar o conflito:

- Eu sou oposição a Lula, ele (Eduardo Campos) não é. É forçar muito a mão dizer que (o rompimento) é uma coisa contra o Lula.

Geraldo Júlio: De leiturista a candidato

Nos meios de comunicação, o racha se transformou em guerra. Lula aparece no programa eleitoral de Costa criticar o "choque de gestão" de Campos. O ex-ministro José Dirceu acusou, em seu blog, o governador pernambucano de estar cada vez mais afinado com o tucanato. O conflito extrapola a capital pernambucana e se espalha também pelo sertão. O presidente nacional do partido, Rui Falcão, que esteve anteontem no interior de Pernambuco, confirma a tensão:

- O que houve entre o PT e o PSB foi uma ruptura de acordos que já tinham sido estabelecidos. Em Belo Horizonte, por exemplo, queríamos continuar apoiando o PSB, mas preferiram o Aécio. E em Recife, romperam com a Frente Popular - disse o presidente nacional do PT.

Apesar do clima, Rui Falcão disse esperar que os socialistas continuem na base aliada do governo da presidente Dilma Rousseff:

- Temos aliança com o PSB em várias cidades; e, no governo federal, eles compõem nossa base. Espero que continue assim.

O tom adotado por Dirceu é mais agressivo:

"É até certo ponto surpreendente que o governador de Pernambuco tenha o choque de gestão como principal mote da campanha de seu candidato. Choque de gestão é tucano e aecista, invenção do senador Aécio Neves".

Na TV, o ex-presidente Lula diz, no programa de Costa, que, na política, usa-se "palavras mágicas" como o termo "choque de gestão".

Em Pernambuco, o PSB tentou mostrar tranquilidade com a crítica de Lula. O presidente estadual da legenda, Sileno Guedes, minimizou a crise e disse que o conflito se deu por uma "falta de unidade do PT em Recife".

No olho do furacão está o candidato socialista Geraldo Júlio de Mello, que registrou avanço de 22 pontos nas intenções de voto para a prefeitura de Recife, segundo pesquisa Datafolha. De perfil técnico, entrou na corrida sucessória completamente desconhecido do eleitorado.

Aos 17 anos, Geraldo Júlio andava de porta em porta, como leiturista, para conferir o valor das contas da Companhia Pernambucana de Saneamento. Aos 21, entrou por concurso público no Tribunal de Contas de Pernambuco. Três anos depois, era convocado para trabalhar no governo do Estado, na gestão Miguel Arraes. Passou em seguida por duas secretarias municipais, uma no Recife e outra no interior. Em 2007 foi convidado para a Secretaria de Planejamento e Gestão do Estado e tornou-se um dos mais poderosos secretários do governador Campos.

Para se tornar conhecido, o socialista enfrentou uma verdadeira maratona, antes do início do horário eleitoral. Participava de até nove eventos diários, subindo e descendo morro, percorrendo alagados, visitando instituições da classe média. Na TV, ganhou a companhia constante de Campos.

Geraldo Júlio prefere não fazer cálculos quanto a uma eventual vitória no primeiro turno:

- Para nós é importante ganhar as eleições, seja no primeiro ou segundo turno, e fazer as mudanças que a cidade merece.

FONTE: O GLOBO