sexta-feira, 3 de agosto de 2012

A primeira barreira – Míriam Leitão

A corrupção é antieconômica. Ela reduz a arrecadação, desvia recursos públicos, cria incentivos à opacidade nas relações entre agentes econômicos, encarece produtos e serviços, estimula a falta de controle. O julgamento do mensalão pode ser a barreira para impedir o avanço desse mal. O Supremo derrubou ontem mais uma manobra para proteger os réus.

A primeira discussão tomou muito tempo, mas foi ociosa. Já havia sido travada no plenário, no mesmo processo, por três vezes. Assim que o advogado Márcio Thomaz Bastos levantou a questão de ordem pedindo o desmembramento da ação, o ministro Ricardo Lewandowski sacou um gigantesco voto para sustentar a tese. Foi derrotado por 9 a 2. Se a ação fosse desmembrada e enviada para a primeira instância, a possibilidade de alguma punição seria remotíssima.

Como disse o ministro Joaquim Barbosa, não faz sentido que o ministro Lewandowski, revisor há dois anos do relatório, só ontem tenha decidido apresentar ardorosa defesa do desmembramento.

Dos argumentos levantados pelo advogado e pelo ministro, o mais estranho foi o de que ser julgado no Supremo seria uma supressão do direito ao recurso. Ora, o STF é definido como "foro privilegiado" e é a ele que se recorre. Parece cristalino, mas tomou a tarde toda do dia primeiro, que deveria ser ocupado pelo pronunciamento do relator e a sustentação oral do procurador-geral da República. Mas o Supremo confirmou o julgamento de todos.

A grande pergunta do ponto de vista econômico é se há dinheiro público envolvido. Contratos com estatais ou empresas controladas por estatais, bônus não devolvidos, pagamento por serviços não prestados, dinheiro que não recolhe seus impostos alimentaram o esquema. Então, sim, havia dinheiro público direta e indiretamente.

No estágio financeiro do esquema o que já foi dito pelos réus é suficiente para mostrar os danos para o erário. Delúbio Soares confessou o uso de "dinheiro não contabilizado": sem origem legal, sem destino declarado. Ao não entrar na contabilidade, o dinheiro não pagou imposto, não se expôs à fiscalização das autoridades tributárias e eleitorais, elidiu leis e tributos. Duda Mendonça confessou que foi obrigado a receber pagamento por serviços prestados à campanha presidencial de 2002 em dinheiro vivo ou em paraísos fiscais. E esse dinheiro foi fruto de evasão de divisas. Não é crime receber dinheiro vivo, mas, nos volumes que ele recebeu, é, no mínimo, indício de que os recursos tinham origem criminosa.

Ficou provado que o Banco Rural pagava quantias altas em saques na boca do caixa numa frequência que não é prática do sistema bancário. O publicitário Marcos Valério vendeu e ofereceu muito mais do que serviços de uma agência de propaganda. Pagar contas partidárias através de recursos que vem de renovação de contratos ou da apropriação do que deveria ser de órgãos ou empresas públicas é usar dinheiro público.

O nome de Sílvio Pereira apareceu ontem várias vezes, mas ele não é réu. Os fatos em que o ex-secretário-geral do PT esteve envolvido continuam intrigando quem tenta entender sua desenvoltura e conexões. Nos próximos dias, o STF vai revisitar todos os descaminhos do esquema montado que tinha como objetivo pagar dívidas de campanha de 2002, fortalecer a base eleitoral do governo Lula e aumentar o número de prefeitos aliados na campanha de 2004. Em 2006, Sílvio Pereira disse ao GLOBO que o objetivo era arrecadar R$ 1 bilhão. O enorme esquema teria ficado maior e mais robusto se não tivesse sido barrado pela série de eventos que levou ao julgamento.

FONTE: O GLOBO

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