quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Farsa desmontada - Merval Pereira

O julgamento do primeiro item do processo do mensalão trouxe definições importantes por parte do Supremo Tribunal Federal que terão repercussão não apenas nas questões jurídicas, mas também no plano político nacional.

As condenações por 10 a 0 até agora de Marcos Valério e seus sócios, de um lado, e do ex-diretor do Banco do Brasil Henrique Pizzolato, de outro, assim como a de João Paulo Cunha, até agora por 8 a 2, enterram definitivamente a teoria do caixa dois eleitoral, sacada da mente astuta de algum advogado medalhão - agora, o ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos, a quem era atribuída a tese, passou a negá-la - e que serviu para o presidente Lula tentar reduzir os danos de seu partido, o PT.

O Supremo Tribunal Federal decidiu que houve desvio do dinheiro público para irrigar o valerioduto e, pela maioria dos votos, deixou claro que o crime de corrupção está definido nos autos, não importa o que foi feito com o dinheiro desviado, se pagamento de dívidas eleitorais ou doações benemerentes.

O ex-presidente Lula, que prometeu, ao sair do governo, se empenhar para desmontar o que chamou de "farsa do mensalão", agora está diante de uma verdade irrefutável: o STF, composto por uma maioria de juízes nomeados pelo PT, decidiu que o mensalão é uma triste verdade e, por contraponto, a tese do caixa dois eleitoral é que é a farsa.

Da maneira como está transcorrendo, esse julgamento vai se transformar em um novo balizamento para a atividade política, que estava acostumada à ilegalidade, como se ela fosse inevitável no sistema partidário tal como conhecemos hoje. E também estão sendo estabelecidos balizamentos para o exercício do serviço público.

Vai ser preciso mudar o comportamento dos políticos e de seus financiadores, até porque o perigo da punição exemplar está mais próximo do que jamais esteve. Os acusados das mesmas práticas no PSDB mineiro e no DEM de Brasília podem se preparar para o mesmo destino.

Hoje, com a tendência que vai se cristalizando no julgamento do mensalão, os indícios, as conexões entre os fatos ganharam relevância significativa, a tal ponto que passa a ser possível condenar alguém sem a utilização de gravações que podem ser impugnadas e até mesmo sem um ato de ofício formal.

O caso do ex-diretor do Dnit Luiz Pagot é emblemático. Ele confessou na CPI do Cachoeira que o tesoureiro da campanha da hoje presidente Dilma Rousseff lhe pediu uma relação dos empreiteiros que trabalhavam em obras do governo para pedir financiamento.

Ele mesmo chegou a arrecadar pessoalmente alguns milhões para a campanha de Dilma, o que, admitiu, não foi muito ético.

Pelo entendimento que vai se fazendo no julgamento do Supremo, essa atitude de um servidor público é suficiente para caracterizar peculato e corrupção passiva, mesmo que não se prove que houve beneficiamento aos empreiteiros doadores, mesmo que as doações tenham sido feitas legalmente. E até mesmo que não tenha havido beneficiamento algum.

O ministro Cezar Peluso foi claro em relação a João Paulo Cunha, ex-presidente da Câmara: "O delito está em pôr em risco o prestígio, a honorabilidade e a responsabilidade da função. Ainda que não tenha praticado nenhum ato de ofício, no curso da licitação, o denunciado não poderia, sem cometer crime de corrupção, ter aceitado esse dinheiro dos sócios da empresa que concorria à licitação".

O ministro Marco Aurélio Mello entrou em detalhes: "Assento que para a corrupção ativa, basta que se ofereça. Pode haver inclusive a recusa. (...) (basta que) se ofereça, se prometa vantagem. Vantagem visando, simplesmente visando, a prática de um ato pelo servidor". O "ato de ofício" seria um agravante do crime de corrupção.

O ministro Celso de Mello reforçou a tese: "Não há necessidade de que o ato de ofício seja praticado. (...) Se a vantagem indevida é oferecida na perspectiva em um ato de que possa vir a praticar".

Sintetizando o que parece ser o espírito a presidir esse julgamento do STF, o decano Celso de Mello definiu: "(...) corruptos e corruptores, (são) os profanadores da República, os subversivos da ordem institucional, os delinquentes marginais da ética do Poder, os infratores do erário, que portam o estigma da desonestidade. (...) E, por tais atos, devem ser punidos exemplarmente na forma da lei".

FONTE: O GLOBO

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