sábado, 4 de agosto de 2012

Gurgel aponta provas de quadrilha e pede prisão

Durante cinco horas o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, relacionou todas as provas de que houve formação de quadrilha para, às custas do desvio de verbas públicas, comprar votos de parlamentares no primeiro mandato de Lula. Citou a música "Vai passar", de Chico Buarque, que fala em "tenebrosas transações" e pediu a prisão imediata de todos os réus que forem condenados, "a fim de que os atos de corrupção, mazela desgraçada e insistentemente epidêmica no Brasil, sejam tratados com o rigor necessário"

O dia do acusador

Citando Chico Buarque, Gurgel pede prisão de Dirceu e mais 35 réus do caso do mensalão

Jailton de Carvalho, André de Souza

Um julgamento para a história

BRASÍLIA No segundo dia de julgamento do mensalão no Supremo Tribunal Federal (STF), o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, pediu ontem a condenação e a prisão de José Dirceu, ministro da Casa Civil do governo Lula, e de mais 35 réus acusados de envolvimento na compra de votos de parlamentares no primeiro mandato do ex-presidente. Gurgel acusou o ex-ministro de chefiar sofisticada organização criminosa para arrecadação e distribuição de dinheiro de origem ilegal em troca de apoio político. Num tom ainda mais inflamado que nas alegações finais apresentadas no fim do ano passado, Gurgel reforçou as acusações sobre o crime de formação de quadrilha, classificou o mensalão como o mais atrevido escândalo de corrupção da História do país, citou Chico Buarque e disse que não tem "medo de arreganhos".

O procurador-geral pediu ainda a perda de cargos públicos e da aposentadoria dos acusados. Segundo ele, os negócios escusos, comandados por Dirceu, são ainda mais graves porque aconteceram entre as paredes do Palácio do Planalto, sede da Presidência da República, e não num prédio qualquer. Gurgel pediu a prisão de Dirceu e dos demais acusados após discorrer por mais de cinco horas sobre empréstimos fictícios e distribuição de dinheiro, entre outras transações suspeitas que teriam sido conduzidas por Dirceu, o ex-presidente do PT José Genoino, o ex-tesoureiro do partido Delúbio Soares e o lobista Marcos Valério, entre outros.

- Confiante no juízo condenatório desta Corte Suprema e tendo em vista a inadmissibilidade de qualquer recurso com efeito modificativo da decisão plenária que deve ter pronta e máxima efetividade, a Procuradoria Geral da República requer, desde já, a expedição dos mandados de prisão cabíveis imediatamente após a conclusão do julgamento - declarou Gurgel, provocando surpresa na plateia.

"Tenebrosas transações"

Pouco antes de concluir a explanação, recorreu a uma metáfora de Chico Buarque para ilustrar as negociatas batizadas de mensalão.

- "A nossa pátria mãe tão distraída/ Sem perceber que era subtraída /Em tenebrosas transações" - disse Gurgel, citando um dos versos de "Vai passar", de Chico Buarque e Francis Hime.

Aparentemente emocionado, o procurador reclamou dos ataques que sofreu desde que decidiu endossar as denúncias contra o grupo de Dirceu, formulada por seu antecessor, Antônio Fernando de Souza. Gurgel disse que nunca viu tamanha pressão sobre o Ministério Público, mas que não arredaria pé de suas convicções.

- Em 30 anos de carreira no Ministério Público Federal, completados no dia 12 de julho último, jamais enfrentei, e acredito que nenhum procurador-geral anterior, nada sequer comparável à onda de ataques grosseiros e mentirosos de caudalosas diatribes e verrinas, arreganhos de toda espécie, por variados meios, por notórios magarefes da honra que não possuem.

Gurgel admitiu que umas das dificuldades de se obter provas materiais contra Dirceu foi o fato de as negociações terem sido feitas no Planalto:
- Muitas situações se passavam entre quatro paredes, mas não entre quatro paredes comuns. Mas entre quatro paredes de um palácio presidencial. Toda, absolutamente toda prova possível, transbordantemente suficiente para a condenação dos réus, foi produzida. Jamais um delírio foi tão solidamente, tão concretamente, tão materialmente documentado e provado.

O procurador-geral centrou as acusações em Dirceu, para ele o mentor e chefe do mensalão:

- Foi José Dirceu quem idealizou o sistema ilícito de formação da base parlamentar de apoio ao governo mediante o pagamento de vantagens indevidas aos seus integrantes e comandou a ação dos demais acusados para a consecução desse objetivo.

O nome do ex-ministro não aparece nos documentos periciados pela Polícia Federal ao longo da investigação. Mas, segundo o procurador, se faltam provas documentais, sobram provas testemunhais. Os depoimentos dos ex-deputados Roberto Jefferson (PTB-RJ), da ex-presidente do Banco Rural Kátia Rabello e do lobista Marcos Valério, entre outros, deixam claro que Dirceu não só sabia dos repasses, como comandava todas as ações da organização.

- A prova em relação a José Dirceu é contundente. Jamais se pode exigir da prova em relação ao chefe da quadrilha o mesmo tipo de prova das pessoas em estágios inferiores que deixam rastros. A atuação de quem está no nível superior da quadrilha é feita reservadamente, em conversas em ambientes fechados, o que se tinham eram conversas travadas inclusive no palácio da Presidência da República - disse Gurgel, em entrevista, ao final da sessão.

Como prova da atuação da quadrilha, Gurgel citou pagamentos a parlamentares em datas que coincidiam com votações importantes no Congresso, como reforma tributária e da Previdência.

- O que interessa, e isso está provado nos autos, é que houve um acordo político associado a um acordo financeiro. Parlamentares dos partidos integrariam a base parlamentar do governo e receberiam em troca um determinado valor, que foi pago - disse.

Pedida a absolvição de Gushiken e Lamas

Ele ainda sustentou que o crime de corrupção não exige um ato de ofício. Gurgel começou a explanação com análises dos pensadores Raimundo Faoro, Max Weber, Norberto Bobbio e Maquiavel, entre outros, para mostrar que o grupo, supostamente chefiado por Dirceu, adotou a "ética de resultados" para financiar projetos políticos e pessoais com recursos públicos. O procurador descreveu a participação de cada um dos 38 acusados de envolvimento do mensalão, conforme a denúncia original. Pediu a absolvição de Luiz Gushiken e Antônio Lamas, por falta de provas.

O procurador sustenta ainda que, logo depois da ajuda financeira, Dirceu abriu as portas da Casa Civil para a ex-presidente do Banco Rural Kátia Rabello. O banco estava de olho na liquidação extrajudicial do Banco Mercantil de Pernambuco. Em nota, o banco disse que as acusações do procurador são infundadas.

Pelas acusações do procurador-geral, José Genoino e Delúbio Soares fizeram acordos políticos com o PTB, de Roberto Jefferson, e o PL, de Valdemar Costa Neto, entre outros partidos, com a supervisão de Dirceu. Em depoimentos durante a investigação, Jefferson, Emerson Palmiere, ex-dirigente do PTB, Genoino e Delúbio sempre ligavam para Dirceu para avisar ao chefe sobre os resultados das reuniões do grupo com aliados políticos. Genoino e outros acusados disseram que os acordos eram políticos e não comerciais. Isso eliminaria o caráter ilegal das transações. Gurgel rejeitou as explicações.

Ex-presidente da Câmara e atual candidato à prefeitura de Osasco (SP), o deputado João Paulo Cunha (PT-SP) foi um dos réus que mais receberam atenção de Gurgel. Por mais de 20 minutos, o procurador geral falou das três acusações contra o petista.

Segundo Gurgel, Cunha recebeu vantagem indevida para que uma das agências de Valério ganhasse a conta de publicidade da Câmara. Além disso, usou a empresa de Valério para que ela subcontratasse outra empresa. Oficialmente, ela prestaria serviços para a Câmara, mas na prática trabalhava para o próprio Cunha.

FONTE: O GLOBO

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