sexta-feira, 3 de agosto de 2012

No primeiro confronto, réus perdem de 9 a 2

Bate-boca entre relator e revisor marca início do julgamento no STF; Toffoli fica e vota

Defesa tentou desmembrar o processo para que apenas 3 dos 38 réus fossem julgados agora no Supremo Tribunal Federal, mas só os ministros Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio concordaram com o pedido. Nenhum réu foi ao tribunal; Roberto Jefferson e Delúbio Soares fizeram comentários pelas redes sociais.

No primeiro dia do julgamento do mensalão, o Supremo Tribunal Federal rejeitou, por 9 votos a 2, a tentativa da defesa de desmembrar o processo e excluir da ação 35 dos 38 réus — os que não têm foro privilegiado. Ficou explícito o confronto entre o ministro relator, Joaquim Barbosa, e o revisor, Ricardo Lewandowski. O ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos, advogado de José Roberto Salgado, ex-dirigente do Banco Rural, pediu o desmembramento. Barbosa negou, e Lewandowski anunciou que votaria a favor. Barbosa reclamou que, em dois anos e meio, o revisor não se manifestou sobre o tema. "Farei valer meu direito de me manifestar" rebateu Lewandowski. "É deslealdade”, protestou Barbosa. O ministro Dias Toffoli, cuja participação no julgamento é questionada, foi contra o desmembramento e afirmou que já tem seu voto escrito. O procurador Roberto Gurgel disse que não pedirá o impedimento dele.

No STF, réus perdem a 1ª batalha

Barbosa e Lewandowski batem boca; ministros decidem que processo não será desmembrado

Carolina Brígido, André de Souza

Um julgamento para a história

BRASÍLIA No primeiro dia do julgamento do mensalão, o Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou ontem uma tentativa da defesa de desmembrar o processo e excluir da ação 35 dos 38 réus - os que não têm direito a foro privilegiado. A questão antecipou o confronto público entre dois ministros: o relator do processo, Joaquim Barbosa, e o revisor, Ricardo Lewandowski. Nos bastidores, os dois já acumulavam rusgas. A votação de ontem não estava prevista no cronograma da Corte. Com o atraso, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, que faria sua primeira explanação ontem, só poderá fazer isso hoje. E a defesa oral dos réus ocorrerá só a partir da próxima semana.

Logo que o presidente do tribunal, Carlos Ayres Britto, anunciou o início do julgamento, o advogado Marcio Thomaz Bastos, que defende José Roberto Salgado, ex-dirigente do Banco Rural, pediu que os ministros desmembrassem o processo. Seriam julgados pelo STF apenas os três réus com direito a foro especial: os deputados João Paulo Cunha (PT-SP), Pedro Henry (PP-MT) e Valdemar Costa Neto (PR-SP). A ação contra os demais seria transferida para a primeira instância da Justiça.

STF votou a questão outras 3 vezes

A questão já havia sido votada em outras três ocasiões pelo plenário do STF, mas o advogado argumentou que as discussões não tinham levado em conta aspectos constitucionais. Bastos negou interesse de adiar o julgamento:

- Não me venha dizer que se trata de expediente para adiar o julgamento, ao contrário. O processo está pronto para ser julgado. Se concedida (a questão de ordem), o processo vai pronto para o juiz natural dar sua sentença.

Barbosa negou de pronto o pedido. Em seguida, Lewandowski anunciou que votaria a favor. Foi o ensejo para o primeiro bate-boca do julgamento.

- Vossa Excelência é revisor desse processo. Dialogamos ao longo desses dois anos e meio em que vossa excelência é revisor. Causa-me espécie Vossa Excelência se pronunciar pelo desmembramento do processo, quando poderia tê-lo feito há seis, oito meses. Vossa Excelência poderia ter pedido, eu traria em questão de ordem - revoltou-se Joaquim Barbosa.

- Eu, como revisor, ao longo deste julgamento farei valer o meu direito de me manifestar sempre que entender necessário - rebateu Lewandowski.

- É deslealdade! - acusou Barbosa.

- Acho que é um termo um pouco forte que Vossa Excelência está usando, e já está prenunciando que este julgamento será muito tumultuado - disse Lewandowski.

Mais adiante, Barbosa lembrou que a questão foi analisada em plenário pela primeira vez em 2005. Na ocasião, os dois foram favoráveis ao desmembramento, mas acabaram derrotados pela maioria. Por isso, ambos votaram contra o desmembramento em outras duas ocasiões. Ontem, Lewandowski disse que pretendia "mostrar que a matéria foi ventilada sob outro enfoque".

"O Supremo também pode errar"

Em seu voto, ressaltou que pessoas sem direito ao foro especial têm o direito ao chamado duplo grau de jurisdição, ou seja, de recorrer a outro tribunal de uma eventual condenação. Isso não aconteceria no caso de julgamento pelo STF, pois trata-se da mais alta Corte.

- O Supremo também pode errar, quer na arte de proceder, quer na arte de julgar. E decidindo, não há a quem recorrer - alertou o revisor.

Ele também argumentou que o tribunal tem desmembrado processos semelhantes, e não seria justo tratar os réus do mensalão de outra forma.

-Lewandowski colocou em questão a legitimidade desta Corte para julgar esta ação penal - atacou Barbosa.

- Estou defendendo apenas o duplo grau de jurisdição. Jamais faltarei com respeito à Corte que com muita honra integro - respondeu Lewandowski.

- Nós temos tudo gravado.

- Estou sendo atacado pessoalmente. Vossa Excelência se atenha aos fatos, e não à minha pessoa.

Ayres Britto tentou apaziguar os ânimos e depois minimizou o ocorrido:

- Não houve bate-boca, houve uma discussão acalorada. Faz parte da protagonização da cena judiciária.

Marco Aurélio Mello chegou a sugerir que a discussão "não descambasse para o campo pessoal". Em vão. Lewandowski perdeu a discussão jurídica: por nove a dois, os ministros decidiram que o processo será totalmente julgado no STF. Marco Aurélio votou com o revisor.

- Sob minha ótica, pela Constituição, (o desmembramento) não implicará retrocesso. Implicará sim a baixa do processo à primeira instância, aparelhada para julgamento - disse Marco Aurélio.

O voto do revisor durou uma hora e meia. Ayres Britto chegou a pedir celeridade, mas não foi atendido:

- Esse é um julgamento tão importante, histórico, como vossa excelência classifica, onde estão em jogo a vida, a honra, a liberdade. Vida no sentido lato da palavra, porque alguém que for condenado por esta Suprema Corte terá a vida indelevelmente manchada.

Os outros nove ministros concordaram com o relator.

- Por mais relevantes que sejam os fundamentos, não se pode, no mesmo processo, voltar atrás (na decisão). A marcha é para frente - disse Rosa Weber.

Ao fim do dia, Barbosa relembrou os crimes pelos quais respondem os réus. Começou falando do núcleo político, do qual faz parte o ex-ministro José Dirceu. E anunciou que o processo trata de desvios de recursos da Câmara dos Deputados e do Banco do Brasil por meio de empresas de Marcos Valério.

FONTE: O GLOBO

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