domingo, 2 de setembro de 2012

À espera da nova jurisprudência

Especialistas acreditam que julgamento atualizará doutrinas e terá reflexos nas instâncias inferiores

Helena Mader

O julgamento do mensalão, que completa hoje um mês, vai definir o futuro dos 37 acusados, mas também poderá servir de embasamento para condenar ou absolver réus em futuras ações penais. Até o fim do julgamento, que deve se estender até outubro, os 10 ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) poderão mudar a jurisprudência sobre vários temas, o que vai direcionar também decisões de Cortes de primeira instância. Criminalistas de todo o país acompanham com atenção cada voto proferido no plenário para seguir o raciocínio dos magistrados do STF e saber que mudanças poderão advir da análise de um dos maiores escândalos de corrupção da história brasileira.

Na primeira etapa do julgamento, que acabou na última quinta-feira com a condenação de cinco réus, um dos grandes debates ficou em torno do chamado "ato de ofício". Nos crimes de corrupção passiva, os tribunais exigem a comprovação do ato exercido pelo funcionário público para beneficiar o corruptor que pagou a vantagem indevida. Esse entendimento estava pacificado na Justiça brasileira desde 1994, quando o Supremo absolveu o ex-presidente Fernando Collor. Os ministros à época argumentaram que o Ministério Público não conseguiu apontar qual teria sido o ato de Collor para beneficiar o antigo tesoureiro, Paulo César Farias, que teria lhe presenteado com um Fiat Elba. Desde então, a jurisprudência é a de que, sem ato de ofício, seria impossível condenar alguém por corrupção passiva.

Esse entendimento poderá ser alterado ao fim do julgamento do mensalão. Qualquer mudança definitiva de jurisprudência só será firmada depois da publicação do acórdão com a decisão acerca da Ação Penal 470. Mas, desde o início das votações, os ministros já deram vários indícios de que novas doutrinas jurídicas poderão surgir a partir desse caso.

O ministro Marco Aurélio Mello reconhece a relevância do tema. "Todo julgamento implica uma doutrina do tribunal. Esse caso vai revelar doutrina com relação a diversas matérias e isso é muito bom em termos de segurança jurídica", afirmou. Sobre o tema mais discutido até agora, ele acredita que a ação penal trará novidades. "Vai haver uma elucidação para sabermos se o ato de ofício é exigido apenas para causa de aumento da pena ou para definir se, na corrupção simples, também há que se exigir ato de ofício", acrescentou.

O criminalista Nabor Bulhões, que foi indicado pelo Supremo como advogado dativo (nomeado pelo magistrado para defender réu que não tem advogado) no caso do mensalão, acha que o Supremo deve flexibilizar o entendimento nos casos de crimes de corrupção. "Há questões relevantíssimas sendo debatidas, algumas já afirmadas na jurisprudência histórica do tribunal, outras revistas e flexibilizadas. Minha impressão até agora é de que o Supremo teria se afastado um pouco da doutrina que se proclamou na Ação Penal 307", afirma Bulhões, referindo-se ao caso Collor, no qual ele atuou como coordenador da defesa.

Bulhões lembra, no entanto, que ainda é cedo para falar de mudanças de jurisprudência. "Isso só ficará claro com a publicação do acórdão. É só aí que os votos são conferidos com precisão e é possível verificar qual foi o verdadeiro sentido que prevaleceu. Um ministro pode acompanhar o entendimento do relator sobre a condenação sem necessariamente seguir as mesmas premissas", acrescenta o criminalista. No caso da exigência de ato de ofício para condenar um réu por corrupção, o entendimento advindo do caso Collor foi publicado na revista trimestral de jurisprudência e está em vigor desde então. A nova formação do Supremo pode, entretanto, alterar esse entendimento.

Discordância

Rosa Weber, que é a ministra com menos tempo de Corte, já sinalizou que discorda da jurisprudência formada em 1994, quando o ex-presidente Collor foi absolvido. A magistrada afirmou em seu voto que não há necessidade de comprovação do ato de ofício para caracterizar o crime de corrupção passiva. "Se ficar comprovado o ato de ofício, aumenta-se a pena. Mas basta que o agente público que recebe vantagem tenha o poder de praticar atos de ofício para que se possa consumar o crime", explicou a ministra.

FONTE: CORREIO BRAZILIENSE

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