terça-feira, 25 de setembro de 2012

A Justiça e a política - Tereza Cruvinel


A judicialização da política é antidemocrática na medida em que fere o princípio do equilíbrio e da equipotência, expressão de Norberto Bobbio, entre os poderes

O ministro Joaquim Barbosa é sem dúvida o príncipe do momento, aquele que encanta e seduz os súditos. No conflagrado campo da internet, é chamado de "justiceiro", "anjo vingador" e "verdugo". A sanha condenatória que exibe nas sessões de julgamento da Ação Penal 470, traduzida em votos mas também em sorrisos e esgares irônicos, quase sempre escarnecendo dos políticos e de suas malfetorias, tem lhe garantido aplausos por onde passa. Recentemente, sua presença roubou a cena na posse do novo presidente do STJ, Felix Fischer. Daqui a dois meses, quando se tornar presidente do STF, ele pretende procurar a presidente Dilma Rousseff para discutir com ela uma reforma política que corrija pelo menos dois graves problemas de nosso sistema político-eleitoral: o financiamento de campanhas e a necessidade de coalizões para garantir a governabilidade, questões que estão na gênese do chamado mensalão e de outros escândalos políticos. Ele revelou esses planos em recente entrevista ao jornal francês Le Monde.

A reforma política é uma necessidade antiga da democracia brasileira. A Constituinte definiu as linhas gerais do sistema político-eleitoral, mas conservou paradigmas antigos, como o voto proporcional. Deixou de tratar de detalhes como o financiamento. Os Constituintes eram muito criticados pelo caráter detalhista e analítico do texto que estava sendo produzido. Nos anos seguintes, dezenas de projetos nasceram e morreram nas comissões do Congresso. O debate já consumiu falações demasiadas e muita tinta e papel com livros e artigos sobre o tema. Fernando Henrique não enfrentou a reforma política, seu sucessor, Luiz Inácio Lula da Silva, também não. E Dilma já está chegando ao meio do mandato sem cuidar do assunto.

Quando o futuro presidente do Supremo Tribunal Federal manifesta interesse por essa reforma, podemos ver nesta disposição um aspecto positivo e um preocupante. O interesse é positivo porque, sem um envolvimento de todas as instituições e da própria sociedade com a reforma, dificilmente ela sairá do atoleiro legislativo criado pelo compreensível instinto de preservação dos políticos, temerosos em aprovar mudanças que podem lhes custar a sobrevivência. O apoio do presidente da Suprema Corte pode garantir maior visibilidade ao tema, aquecer o debate e contribuir para a aprovação da reforma, ainda que limitada a poucos temas, desde que permitam a superação das mazelas mais nocivas.

Mas, se passar disso, o envolvimento do Judiciário com o assunto será preocupante. Representará a mais aguda manifestação do processo gradual de "judicialização da política" que vem ocorrendo há alguns anos, sob o silêncio de todos, inclusive do mundo político, seja por timidez, fragilidade ou falta de percepção do fenêmeno. O julgamento do chamado mensalão está se tornando capítulo importante desse processo. A judicialização da política é a submissão dos poderes políticos, que derivam diretamente da vontade popular expressa pelo voto — o Legislativo e o Executivo, mais especificamente a Presidência — ao Judiciário e ao Ministério Público, poderes tão legítimos quanto os outros dois, mas não derivados do voto popular. Juízes e procuradores entram na carreira por concurso ou nomeados pelo presidente da República em se tratando de cargos de tribunais superiores e assemelhados. A reforma política pode e deve ser discutida por todos, mas caberá exclusivamente ao Congresso aprová-la, como prevê a Constituição. Acorda, Congresso!

Os políticos certamente contribuíram, com seus deslizes e delitos, para a judicialização da política em curso em nosso país. Foram eles que fizeram a redemocratização (com o povo, naturalmente) e elaboraram a Constituição. Depois, os tribunais e o Ministério Público tomaram a si a defesa da Constituição e dos fundamentos éticos, ao passo que os políticos foram caindo na vala do desprezo e do descrédito. Mas a judicialização da política é antidemocrática na medida em que fere o princípio do equilíbrio e da equipotência, expressão de Norberto Bobbio, entre os poderes. Acorda, Congresso!

Calendas. O ministro Joaquim Barbosa é também o relator da Ação Penal 536, do chamado mensalão tucano de 1998, que, embora ocorrido bem antes, será julgado depois do chamado mensalão petista, de 2003/2004. Ele tem dito que, após assumir a presidência do STF, renunciará à relatoria, embora possa acumular as funções. Com isso, o processo voltará à estaca zero e levará bom tempo para ser julgado.

Dilma na ONU. A presidente Dilma faz, sempre, mudanças de última hora nos discursos preparados pelo Itamaraty ou pela assessoria. Como fez ontem, em Nova York, com sua fala de hoje na ONU. A novidade de 2011, quando foi a primeira mulher a abrir a Assembleia-Geral do organismo, já passou. Mas o momento é mais grave. Ela abordará a crise econômica nas centrais do capitalismo, pedirá a reforma do Conselho de Segurança, defenderá o fortalecimento do multilateralismo e, mais uma vez, defenderá o Estado Palestino. À margem, sem a presença dela, o ministro Patriota participará de dois encontros importantes. O dos Brics e o do G-4.

Fonte: Correio Braziliense

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