quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Caixa único - Dora Kramer

Fala-se que a Procuradoria-Geral da República não conseguiu demonstrar na denúncia do mensalão a relação de causa e efeito entre pagamentos a partidos e comportamentos de políticos no primeiro governo de Luiz Inácio da Silva.

Alega-se que a cronologia de liberação de recursos não se relaciona de modo perfeito com os painéis de votações da Câmara e do Senado e por isso não estaria provada a existência de um esquema de compra de votos.

Mas não se ouve de ninguém palavra capaz de rebater o que o Supremo Tribunal Federal já decidiu: que o PT se juntou a um esperto para montar um caixa monumental alimentado por desvio de recursos públicos e de empréstimos fraudulentos firmados com instituição bancária cuja estrutura serviu de lavanderia à dinheirama.

Não se discute também que parte desse dinheiro foi destinada a políticos, seja na forma de suas pessoas físicas ou jurídicas. Quanto há isso não há dúvida porque há confissão.

Bem lembrou o relator Joaquim Barbosa no primeiro dia de exame do item relativo ao núcleo político: foram R$ 8 milhões para o PP, R$ 4 milhões para o PTB, R$ 2 milhões para o PMDB e R$ 10 milhões para o PL (hoje PR).

A conta completa (a confessada, bem entendido) somaria cerca de R$ 55 milhões transferidos a partidos aliados.

E aqui está a chave e o ineditismo do esquema. Nunca antes se ouvira falar na existência de um caixa único que o partido do poder financiasse as legendas aliadas no Congresso ou nas eleições.

Pouco interessa se com os recursos foram saudadas dívidas de campanhas, comprados votos, lotes na máquina estatal, alianças eleitorais, ternos, brincos ou braceletes.

O crime reside na compra. De partidos que até a eleição de Lula fizeram a vida como adversários do PT e depois aderiram. Em nome do quê?

Do dinheiro recebido. Não importa a que título.

Ordem desunida. O PT, é verdade, precisa fazer alguma coisa para sair das cordas, embora não haja muito a fazer diante do rumo das coisas.

Mas, daí a convocar o eleitorado para defender o partido nas urnas nessas eleições municipais, já é um risco tremendo. Não fosse também uma incongruência.

Afinal, onde estaria essa militância disposta a atender ao chamado? Nas capitais, como mostram as pesquisas, é que não é.

Recapitulando: o partido já entrou mal nas disputas, independentemente do julgamento, e continua ruim em dianteira confortável apenas em Goiânia.

Perde feio - note-se, para o DEM - nas capitais de Estados que governa (Sergipe e Bahia), tem chance matemática de ir ao segundo turno em seis e no Acre, onde tem o governador, está na frente em Rio Branco por um ponto porcentual em relação ao segundo colocado.

Aí o risco de chamar e não ser atendido.

Vamos à incongruência: a esperança de se produzir uma contabilidade favorável no balanço final de perdas e ganhos estaria, então, nas médias e pequenas cidades.

O problema é que nelas reside um eleitorado menos sensível a convocações de natureza política, de um modo geral distante das questões de cunho nacional.

Pouquíssimo provável que venha a formar exércitos para se jogar numa "batalha do tamanho do Brasil", como quer a nota divulgada pela direção do PT, na defesa de réus de colarinho-branco cuja condenação atende justamente à demanda geral por igualdade na aplicação da Justiça.

Cenografia. Em um mês e meio, acusados, advogados e correligionários saíram do estado da mais absoluta arrogância para a posição de vítimas.

Recorrem a todo tipo de pieguice na composição de cenas de dor e contrição, invocando prejuízos psicológicos, físicos e familiares nos quais não pensaram quando cederam às facilidades da ilegalidade e ao desfrute das recompensas dela decorrente.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

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