sábado, 22 de setembro de 2012

Nota dissonante


Tom da carta de apoio a Lula causa insatisfação no PMDB e em outros aliados do governo

Fernanda Krakovics, Renato Onofre

UM JULGAMENTO PARA A HISTÓRIA

BRASÍLIA e RIO - Dirigentes do PMDB afirmaram que o partido foi constrangido a assinar a nota, articulada pelo PT, na qual cinco legendas da base aliada defenderam o ex-presidente Lula e acusaram a oposição de tentativa de golpe, como antecipou a coluna Panorama Político. O PP e o PR não foram procurados para assinar a "Carta à sociedade", mas desaprovaram o teor.

Segundo peemedebistas, o presidente do PT, Rui Falcão, teria chegado com a nota pronta, e já assinada por outros partidos aliados, deixando o presidente do PMDB, Valdir Raupp, numa saia justa. Depois de chancelar o documento, Raupp avisou o vice-presidente Michel Temer e disse que não teve como não assinar uma nota de solidariedade a Lula. Lideranças do PMDB, além de desaprovarem o texto, alegam que não foram consultados sobre o apoio.

O tom da nota foi considerado "péssimo" pelo PMDB e fora de sintonia com o momento atual do país, principalmente a parte em que acusa a oposição de práticas golpistas. Esse trecho causou estranheza em dirigentes peemedebistas, já que, de acordo com eles, o Brasil tem uma democracia consolidada e um governo sólido.

- É claro que seríamos solidários ao Lula, mas sem atacar, sem radicalismos. Faríamos de uma forma mais peemedebista - disse um integrante do partido.

Membros do PMDB também criticaram Valdir Raupp por assinar o documento proposto pelo PT sem submetê-lo antes ao partido:

- Foi um gesto solitário do Raupp. Ele deveria ter consultado o partido - reclamou um peemedebista.

O PP, que não assinou a nota, também reprovou o tom do texto. Lideranças do partido consideraram um erro de estratégia, já que o documento, segundo eles, acabou jogando mais holofotes sobre a matéria da revista "Veja", na qual o publicitário Marcos Valério, operador do mensalão, supostamente acusa o ex-presidente Lula, em conversas com terceiros, de envolvimento com o esquema de corrupção:

- E política não se faz por escrito - afirmou uma liderança do PP.

A ideia da nota teria sido levantada pela primeira vez no domingo passado, em conversa entre Lula, Rui Falcão e o governador Eduardo Campos (PE), presidente do PSB, em almoço no Centro de Tradições Nordestinas, em São Paulo. Na ocasião, Lula reclamou da matéria da "Veja".

Na terça-feira, Falcão telefonou para o vice-presidente do PSB, Roberto Amaral, e o consultou sobre a ideia da nota. O presidente do PT enviou então uma primeira versão do texto para o socialista, que reescreveu e fez uma segunda versão.

Falcão procurou então Raupp e o PRB do candidato a prefeito de São Paulo, Celso Russomano, enquanto Amaral conversou com Eduardo Campos, com o presidente do PCdoB, Renato Rabelo, e com o do PDT, Carlos Lupi.

Em Niterói, onde participou de evento do PT, Rui Falcão negou que tenha pressionado ou coagido o presidente do PMDB, Valdir Raupp, a assinar a nota. Sobre o mal-estar instalado no partido aliado, não quis comentar.

- Não posso dar opinião sobre o que acham setores do PMDB. O partido é um aliado de primeira hora do PT, e temos total confiança nisso. Eu não pressionei. Sou presidente do PT e falei diretamente com o presidente do PMDB. Submeti a nota a ele e dei total liberdade para que ele, se não quisesse, não assinasse. Ele não cogitou isso. E teve a liberdade de mexer no conteúdo, o que não fez - afirmou Falcão.

O presidente do PT atribuiu à pressa o fato de o PR e o PP não terem aderido ao manifesto. Ele disse que na última quarta-feira não houve tempo de procurar os representantes dos dois partidos. E ironizou dizendo que ainda dá tempo de quem quiser, inclusive a oposição, aderir à carta:

- A nota está em aberto para quem quiser assinar. Como nós tínhamos problema de timing , quanto mais consultas a gente fizesse, mais tempo a nota demoraria para sair. Não os procurei pela falta de tempo. A nota é em solidariedade ao presidente Lula e pode incluir até os partidos de oposição, se acharem que os ataques foram indevidos.

Falcão comparou o momento vivido por Lula aos do final dos governos dos ex-presidentes Getúlio Vargas e João Goulart. Para ele, há "uma tentativa da direita golpista" de assumir o poder:

- Temos que prevenir a nossa sociedade contra os aventureiros que atacam a honra do presidente Lula tentando colocá-lo na vala comum de um processo pelo qual ele não deve nada. Vamos lembrar que, em 54, eles atacaram um presidente popular que se suicidou (em referência a Getúlio Vargas). Em 64, em nome do combate à corrupção e à subversão, puseram 21 anos de ditadura sanguinária na nossas costas.

Presidente do PTB e delator do mensalão, Roberto Jefferson criticou o PT pela nota e afirmou que o documento deixa antever a disputa por espaço, em 2014, entre os aliados do governo.

- A briga por 2014 está tão feia que os ditos aliados estão disputando espaço até mesmo em uma mequetrefe notinha - disse ele. - Na verdade, o PT tinha que agradecer aos céus pela oposição que tem. Se fosse apenas um pouco parecida com o PT do passado, que usava e abusava da calúnia, da difamação e da denúncia, Lula não tinha deitado e rolado depois do escândalo do mensalão.

FONTE: O GLOBO

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