segunda-feira, 22 de outubro de 2012

A nova censura - Ricardo Noblat


"O inimigo (do governo), a oposição é a imprensa. Acrescentemos o Supremo Tribunal Federal" (Fernando Henrique Cardoso)

Outro dia, João Ubaldo Ribeiro escreveu: "Toda ditadura, sem exceção, tem como prioridade básica o controle da imprensa, a vigilância rigorosa sobre fatos e opiniões que podem ser conhecidos pelo público." Ubaldo esqueceu os governos democráticos. Também eles têm como prioridade básica o controle da imprensa, a vigilância rigorosa sobre fatos e opiniões que podem ser conhecidos pelo público.

Existe uma diferença vital aí: se necessário, as ditaduras usam a força bruta para subjugar a imprensa. Os governos democráticos se valem de meios não violentos. A Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) realizou em São Paulo mais uma de suas assembleias. Pesquisa da SIP aplicada junto a diretores de veículos de comunicação da América Latina conferiu que quase dois terços deles consideram governos e grupos políticos as maiores fontes de ameaça à liberdade de imprensa.

Um terço dos pesquisados afirma que os governos atuam para controlar os meios de comunicação, e um terço reclama de iniciativas que limitaram a liberdade de expressão nos últimos cinco anos. Dois exemplos desse tipo de iniciativa: leis de controle de conteúdo — isso ainda não temos no Brasil — e a manipulação da publicidade oficial — isso já temos em escala avançada.

Liberdade de imprensa não é o direito que têm jornalistas e donos de veículos de comunicação de divulgar o que quiserem. Liberdade de imprensa é o direito que você, eu, todos temos de saber o que está acontecendo. Se não sabemos, como tomar decisões que afetarão profundamente nossas vidas e vidas alheias? Ou mesmo decisões banais, mas capazes de nos infringir algum tipo de prejuízo?

A velha censura é facilmente identificável. O governo diz o que não pode ser publicado. Os veículos de comunicação não publicam. A nova censura é mais sofisticada. Um dos seus mecanismos mais poderosos é a formação de grandes conglomerados de mídia comandados por empresas que nada têm a ver com o jornalismo. O jornalismo independente perde com isso.

Outros mecanismos da nova censura: a aprovação pelos parlamentos de leis para domesticar o jornalismo; a concessão de canais de rádio e de televisão a grupos políticos; a indústria das assessorias de imprensa destinadas a servir a empresas e pessoas preocupadas com a própria imagem; e o emprego nos governos de um número elevado de jornalistas. Hoje, há mais jornalistas nas redações oficiais do que fora delas.

A nova censura se alimenta de condições que lhe são favoráveis. No caso do Brasil: a situação falimentar de muitas empresas de comunicação. Pode haver independência editorial onde não há independência financeira? Lembram do número de jornais que publicaram de graça uma coluna semanal na qual Lula respondia a perguntas de leitores? Mais de 130. Propaganda pura!

A redução dos investimentos em jornalismo de boa qualidade torna os veículos de comunicação dependentes de notícias que lhe são oferecidas a custo zero. E quem as oferece? Governos e grandes grupos políticos e econômicos. Em setembro de 1994, ao se preparar para conceder uma entrevista à Rede Globo, Rubens Ricúpero, ministro da Fazenda, não percebeu que havia no estúdio um microfone aberto. Imaginou que não seria escutado quando disse, irônico mas verdadeiro: "O que é bom a gente fatura, o que é ruim a gente esconde."

É assim que procedem todos os governos, democráticos ou não. A frase de Ricúpero cai bem como lema da nova censura.

Fonte: O Globo

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