É possível haver caixa dois e outros
ilícitos eleitorais mesmo que a lei mande só usar recursos públicos
É comum ouvirmos a afirmação, principalmente por políticos implicados no
mensalão, mas não unicamente por estes, de que a única solução para o grave problema
da corrupção na política é estabelecer o financiamento exclusivamente público
das campanhas eleitorais.
Discordo dessa tese. Acredito que a redução da corrupção na política depende
da melhoria dos mecanismos de controle pelo Judiciário.
Eleição é um processo competitivo. Os concorrentes sempre estarão dispostos
a elevar o emprego de recursos, independentemente de haver ou não recursos
públicos.
Isto é, a natureza competitiva da eleição faz com que a quantidade desejada
de recursos pelos participantes seja ilimitada. Todos desejam ter mais recursos
do que a concorrência.
Assim é necessário estabelecer limites à quantidade de recursos possíveis de
serem empregados. Ocorre que o financiamento exclusivamente público não é
condição necessária nem suficiente para haver limites.
Não é condição necessária, pois é possível limitar a quantidade gasta sem
que a única fonte seja o setor público.
Não é condição suficiente pois é perfeitamente possível haver caixa dois e outros
ilícitos eleitorais mesmo que a lei determine que somente se usem recursos
públicos.
Lembremos que atualmente parte significativa dos gastos, recursos do fundo
partidário e o horário eleitoral gratuito já é pública. Não obstante não é
menor o ímpeto dos partidos políticos em utilizar meios ilícitos como o caixa
dois para aumentar seus recursos e, consequentemente, elevar a probabilidade de
vitória eleitoral.
O caminho para limitar o emprego de recursos nas campanhas eleitorais é
criminalizar o uso do caixa dois e aumentar a transparência na divulgação das
fontes e valores de financiamento.
Seria ideal que essa informação fosse divulgada em tempo real ao longo das
campanhas e que os eleitores soubessem antes da eleição as fontes e os valores
de financiamento dos partidos e dos candidatos.
O uso de recursos não contabilizados em campanhas eleitorais fere a lei
eleitoral de setembro de 1997 (artigo 22, parágrafo 3º da lei número 9.504),
mas não constitui crime no Código Penal.
A penalidade que a lei eleitoral estabelece pode chegar até a perda do
mandato. Comumente essa decisão ocorre depois do término do mandato, tornando a
punição ineficaz. Essencialmente esse é o motivo de o caixa dois ser tão
recorrente. Na prática, não há punição.
Creio que a agenda da redução da corrupção eleitoral é uma agenda de
melhoria dos mecanismos de controle e punição, e não de reforma política.
Um primeiro passo foi recentemente dado pelo STF (Supremo Tribunal Federal),
ao aceitar provas circunstanciais, desde que estabeleçam narrativa consistente,
como caracterização de crimes de colarinho branco.
Há dois outros itens imediatos nessa agenda.
Primeiro, a criminalização penal do caixa dois.
Segundo, a aprovação da emenda Peluso pelo Congresso Nacional. A emenda
transforma a sentença de segunda instância da Justiça em trânsito em julgado.
Essa medida reduz em muito o tempo de início do cumprimento da pena caso haja
condenação.
O tema do financiamento público continua sendo importante. Mas não está
diretamente associado à questão da corrupção na política.
A forma de financiamento da campanha está associada a temas como igualdade
de condições na competição política, abuso do poder econômico e maior ou menor
grau de tutela do Estado na competição política.
Inclino-me a favorecer um sistema híbrido, como o atual, com a diferença de
que seria vedada a contribuição de pessoas jurídicas.
O financiamento exclusivamente público deixaria a política muito dependente
das estruturas vigentes de poder. Pode inibir a renovação.
Samuel Pessôa é doutor em economia e pesquisador associado do Instituto
Brasileiro de Economia da FGV.
Fonte: Folha de S. Paulo
Concordo plenamente. Não existe, inclusive, nenhum estudo que demonstre a relação entre redução da corrupção e financiamento público de campanha. Vale lembrar que hoje no Brasil, com financiamento misto de campanha, boa parte já é de dinheiro público, via fundo partidário e horário eleitoral gratuito.
ResponderExcluirAtenciosamente,
Rafael Simões
Historiador e membro da Transparência Capixaba