segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Não é fácil a governação de muitas lambanças - Marco Antônio Rocha


Observados do alto, de um voo de pássaro, como dizem os franceses, os oito anos do ex-presidente Lula foram bons para a economia e a população brasileira. Nem o mais fanático antipetista pode pôr em dúvida. Grandes parcelas da população pobre melhoraram muito de vida, e a ampliação do mercado de consumo de produtos populares e a prova. É verdade, também, que esse processo teve início com a derrocada da inflação no Plano Real. Lula soube incrementá-lo, por meio de vários instrumentos - crédito e reajustes salariais, principalmente. Assim como soube evitar, com o uso da política fiscal, que a crise financeira mundial de 2008 afetasse muito seriamente as atividades e a economia brasileiras.

Mas é deixando o voo de pássaro e examinando detalhes que se enxerga onde o diabo está morando e aprontando.

O investimento público ficou muito aquém do que seria necessário e desejável, já no período Lula. E o investimento privado, surpreendentemente, não cobriu o gap, por razões que estão por inventariar.

Lula sem dúvida intuía que o calcanhar de Aquiles estava no descompasso e na insuficiência do investimento público. Inventou o PAC e colocou na chefia sua fatura sucessora. Pensou, talvez, que ela seria uma tocadora de obras formidável, uma Juscelino Kubitschek de saias para engatar o Brasil inteiro no trem de uma alegria realizadora como a dos anos 50.

O que não estava à vista para ele, para a sua futura sucessora e para os seus ministros era que a qualidade da máquina pública brasileira, a qualidade da governança, caíra muito de nível desde a década de 50. Ao pretender restaurar as funções do Estado e, assim, contrariar o “consenso de Washington”, Lula e o PT não atinaram com que o governo já não era aquele que instalara estaleiros e portos, siderúrgicas, usinas elétricas, aeroportos, rodovias, erguera a Petrobrás, a indústria petroquímica, a Eletrobrás, criara o BNDES, sem falar na construção de Brasília - em pouco mais de uma década -, e já não tinha a musculatura administrativa e a garra: tornara-se um bicho pachorrento, implantado pela ditadura com a função de apenas dizer amém, e não para ter iniciativas e criatividade.

Além disso, para desfazer a herança “neoliberal”, acharam de aparelhar o setor público e as estatais com quadros fiéis à ideologia do PT, mas jejunos em administração pública. Resultado: com o “jeito PT de governar” o PAC só andou no setor de casas populares, área em que basta o governo apontar o local e dar o dinheiro que a iniciativa privada mete mãos à obra e faz o resto.

Já hoje, na área da infraestrutura, da indústria de base, das grandes obras, o governo Dilma está como aprendiz de feiticeiro. Na tomada de decisões, no planejamento e na implementação de obras estratégicas, programas ou políticas predomina a governação de lambanças. Lambança j na definição dos preços dos combustíveis, que põe em risco o futuro da Petrobrás, do pré-sal e do álcool ao mesmo tempo. Lambança na questão dos investimentos, administração e operação de aeroportos. Lambança na questão das tarifas de energia elétrica e dos investimentos em usinas, convencionais ou inovadoras. Lambança na decisão sobre impostos e royalties de mineradoras. Lambança na elaboração de um programa de construção de ferrovias. Lambança no equacionamento do problema dos portos. Lambança até no novo Código Florestal. E a grande, continuada e infeliz lambança na área fundamental do ensino e da educação.

O Brasil tem problemas imensos e grandes dificuldades para enfrentá-los. Isso é arquicélebre e afeta, angustia e assusta todos os governos em todos os níveis. Mas, francamente, o atual governo está lidando com eles como barata tonta, sem conseguir equacionar nenhum.

Pior, apoiado numa base política aterradoramente cúpida, imune a preocupações minimamente republicanas.

No entretempo, a economia vai descendo a ladeira, devagar, mas sempre com a Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) caindo a cada trimestre, a despeito dos juros menores, das reduções de impostos, da oferta de crédito, dos aumentos salariais e das exortações da presidente para que se invista mais.

A oferta geral de vagas com carteira assinada, incluindo serviços, administração pública e agronegócio, foi, em setembro, 40% inferior à do mesmo mês do ano passado, e a pior desde 2002. Nos últimos 12 meses, a indústria de transformação contratou 68,5 mil pessoas com carteira assinada, ante 288,6 mil, nos 12 meses precedentes. E estamos na época em que as contratações deveriam aumentar, por causa da aproximação das festas de fim de ano, quando o comércio vende muito mais e é necessário repor estoques.

O descompasso entre o crescimento da demanda interna e o da oferta industrial acaba preenchido por importações, gerando outro tipo de risco, que é o da deterioração das contas externas.

Em resumo: oito anos de vacas gordas de Lula podem desaguar em oito anos de vacas magras ao final do mandato Dilma, se ela não for capaz de infundir confiança na ação de médio e de longo prazos do seu governo, atraindo, assim, investimentos. Isso exige decisões claras e gente competente para implementá-las.

Fonte: O Estado de S. Paulo

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