domingo, 7 de outubro de 2012

Signos da eleição - Tereza Cruvinel


Dilma fez pouco pelos aliados no primeiro turno. Para reeleger-se, precisará deles. Terá que se expor mais no segundo turno
Eleição e mensalão

Hoje tem eleição, festa da democracia, diz o lugar-comum. Democracia que no Brasil costumamos esquecer, é ainda menininha. Diante de todas as boas coisas da vida, agimos assim, como se elas tivessem sempre existido e fossem naturais. Só nos damos conta de sua fragilidade e importância no solavanco da perda. Cerca de 138 milhões de brasileiros vão hoje às urnas escolher prefeitos e vereadores. Parece uma rotina quadrienal antiga, mas é apenas a oitava eleição municipal após o fim da ditadura. E a sexta em plena vigência do Estado democrático de direito, ou seja, depois da promulgação da Constituição, que anteontem fez 24 anos.


Esta é uma eleição que acontece sob estranhos e preocupantes presságios. Não é coincidência que a Suprema Corte tenha chegado à véspera do pleito julgando figuras políticas do PT que atuaram na luta pela democracia. O sinal é ruim não pelos efeitos eleitorais que possa ter, mas porque subordina os ritos da Justiça aos cálculos políticos, por insondáveis que sejam.

A sessão de quinta-feira deixou claro que o ex-ministro José Dirceu e o ex-presidente do PT José Genoino serão condenados pela maioria a penas que devem levá-los de novo à prisão, que já experimentaram na luta contra a ditadura. Ponderações do ministro revisor, Ricardo Lewandowski, sobre a falta de provas objetivas arrancaram manifestações de escárnio de outros ministros. A ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Rosa Weber votou pela condenação com assombrosa ligeireza para a gravidade do assunto – a liberdade das pessoas –, pedindo licença porque precisava ir para o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Em seu voto de condenação, diz o professor Luiz Moreira, indicado para o Conselho Nacional do Ministério Publico, o relator Joaquim Barbosa inverteu o ônus da prova e da presunção de inocência. "Uma das garantias mais elementares dos cidadãos ante o Estado é o princípio segundo o qual a prova cabe a quem acusa." No caso, ao Ministério Público. Mais de uma vez, de fato, o relator afirmou que a defesa "não logrou" demonstrar infundada a acusação. "Produzir prova de inocência é apenas um recurso, uma faculdade da defesa, não uma exigência que se impõe ao cidadão acusado", diz Moreira, concluindo que o método do relator "não se coaduna com a Constituição democrática do Brasil. Ela limita o poder do Estado fundamentalmente em duas searas: no direito penal e no direito tributário, buscando preservar assim a liberdade e a propriedade", valores fundamentais na democracia.

Eleição e financiamento


O julgamento do mensalão rima mesmo com eleição. Tudo se relaciona com o financiamento de campanhas e da atividade política. Tal financiamento não acaba na entressafra eleitoral, como acha o ministro do STF Ayres Britto. No debate do Rio, o prefeito Eduardo Paes (PMDB), acusado de doar R$ 1 milhão para um partido aliado, admitiu que a mesma doação foi feita para 18 partidos de sua coligação. O crime do ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares foi buscar os recursos para esse compartilhamento financeiro inescapável num esquema ilícito, operado pelo empresário Marcos Valério. Em artigo na Folha de S. Paulo de anteontem, o ex-secretário geral da ONU Kofi Annan defendeu a regulação global de doações e despesas de campanha, tão grave tem se tornado o problema em todos os países. As eleições e a atividade política têm custos cada vez mais elevados, exigindo financiamento cada vez mais complexo, colocando em risco a democracia, diz ele. Se a disposição do Ministério Público e do STF para enquadrar a cultura política não se extinguir com a Ação Penal 470, outros julgamentos virão. E o Congresso, se quiser resgatar a política, que trate logo de reformar o sistema político, especialmente nesse capítulo.

Eleição e poder



O PT, partido hegemônico há 10 anos, enfrenta a eleição de hoje no banco dos réus e com Lula fora da Presidência. Largou muito mal, mas chega à reta final reagindo em alguns estados. O bloco que forma com os aliados, PMDB à frente, deve recolher o maior quinhão de votos e prefeituras, como é natural, pela amplitude da coalizão. A oposição viu no pleito de hoje, por essas e outras circunstâncias, incluindo a retração da economia, sua grande chance de virada. Colherá alguns trunfos, mas talvez não a vitória retumbante que esperava. Se ganhar em Belo Horizonte com o candidato do PSB, Marcio Lacerda, o senador Aécio Neves (PSDB) terá alargado seu caminho para disputar a Presidência em 2014. Pelo menos dentro de seu partido, terá se tornado inconteste. José Serra (PSDB-SP), se vencedor, não poderá deixar a prefeitura para se candidatar. Se derrotado, estará fora mesmo. O governador de Pernambuco, Eduardo Campos, presidente do PSB, será certamente um dos vitoriosos. A médio prazo, escolherá entre permanecer no bloco liderado pelo PT ou trilhar caminho próprio. A presidente Dilma Rousseff fez pouco pelos aliados no primeiro turno. Para reeleger-se, precisará deles. Terá que se expor mais no segundo turno.


Fonte: Correio Braziliense

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