sábado, 27 de outubro de 2012

Uma crítica a Bersani e ao Partido Democrático da Itália – Luiz Sérgio Henriques


A mensagem é bem clara e provém do próprio secretário geral do Partido Democrático italiano, Pier Luigi Bersani. Em nome desse partido, num vídeo de pouco mais de um minuto, Bersani apoia – de modo “firme e forte” – a candidatura de Fernando Haddad à prefeitura de São Paulo, “a cidade mais italiana do mundo”. Antes de mais nada, uma manifestação desse tipo é um bem-vindo sinal dos tempos. A política agora tem um horizonte cosmopolita, e é por todos os aspectos saudável que o representante de um importante partido progressista, como o PD italiano, se manifeste a propósito de uma eleição municipal, e mesmo de um município específico, num país geograficamente distante, como o nosso. Não é preciso mencionar os laços entre Brasil e Itália para justificar a intervenção de Bersani – ela vale por si mesma, encontra em si o próprio motivo de justificação.

Menos compreensível é uma tomada de posição dessa natureza, abertamente a favor de um dos candidatos, certamente o favorito. Não que a manifestação do PD possa decidir definitivamente o resultado e definir o vencedor de uma vez por todas. É difícil até imaginar um cenário em que isso pudesse acontecer. No entanto, a manifestação de Bersani tem alto valor simbólico, pelo respeito que nutrimos à trajetória que conduziu do PCI ao atual PD, uma experiência singular de partido pós-comunista, no qual programaticamente se reúnem diferentes forças do moderno reformismo, de inspiração socialista e de inspiração católica. Este partido não nos é indiferente e é ainda nele que buscamos alguns instrumentos para pensar esta nova etapa do mundo, sem abdicar da reflexão original sobre as coisas brasileiras e sua projeção cada vez maior no mundo globalizado.

Bersani, sem dúvida, exagera ao tomar partido. Em São Paulo, assim como em várias outras cidades, não se tem o clássico conflito entre direita e esquerda, mas entre duas almas da social-democracia. Uma, a que se reúne em torno da candidatura Serra, enfrenta dificuldades de inserção social orgânica, mas mantém intacto o compromisso com os valores republicanos e democráticos que nos são essenciais; a outra, que não se reconhece como tal, mesmo tendo a hegemonia na vida política brasileira desde 2002, costuma conceber esta mesma hegemonia de um modo organicista, dando espaço a algumas das piores tendências autoritárias da esquerda: exatamente aquelas que, com o auxílio do PCI e agora do PD, aprendemos em grande parte a detestar e a combater, porque nocivas à causa da democratização das nossas sociedades.

Bersani é um político de respeito, cultor das liberdades e do Estado democrático. Sabe avaliar bem o peso de decisões recentes do governo brasileiro, como a de acolher um terrorista “de esquerda” dos anos de chumbo italiano. A nosso ver, esta não foi uma atitude isolada, mas expressão de um modo de ser e de enxergar as coisas e os homens. Uma desautorização póstuma da política dos últimos grandes líderes do comunismo do século XX, como Togliatti e Berlinguer. Bersani também não ignora o peso das recentes condenações, por parte do STF, de parte conspícua do grupo dirigente do PT, bem como não desconhece a reação estridente do petismo ao funcionamento absolutamente regular de uma das instâncias de poder em qualquer democracia digna do nome. É uma pena que não tenha considerado todos estes aspectos, que, sem dúvida, o teriam levado a matizar o apoio drástico a um dos candidatos, assumindo suas razões de modo integral.

A conjuntura era outra e muito mais grave, de modo que comparações são sempre complicadas e só podem ser feitas obedecendo-se a todas as ressalvas. Dito isso, não custa lembrar que, nos anos 1970, o PCI apoiava forças e personalidades da luta armada contra o regime ditatorial no Brasil, prejudicando, mesmo que só simbolicamente, a dura luta de resistência democrática levada a cabo, entre outros, pelo velho PCB. Era, repetimos uma conjuntura terrivelmente pior, sem comparação com o regime de liberdades que vigora desde a Carta de 1988, mas de certa forma há aqui um parentesco a ser assinalado: nem sempre a sabedoria da esquerda italiana é suficiente para compreender, na sua totalidade, as vicissitudes da política brasileira. Esta é uma lacuna que deveríamos nos preocupar em reduzir nos próximos anos, para o bem da Itália e do Brasil.

Luiz Sérgio Henriques, ensaísta, tradutor, editor do site Gramsci e o Brasil e vice-presidente da Fundação Astrojildo Pereira. 

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