sábado, 6 de outubro de 2012

Uma questão de ceticismo - Hélio Schwartsman


É possível construir um bom caso filosófico em favor do solipsismo, a doutrina metafísica segundo a qual eu devo acreditar apenas na existência de minha própria mente. O mundo exterior, se de fato existe, é-nos incognoscível.

No polo oposto, encontramos aquelas pessoas, em geral muito sociáveis, que creem em tudo, de Papai do Céu a UFOs, passando por chakras e teorias conspiratórias. Um elemento importante de nossa personalidade é o nível médio de ceticismo que aplicamos à realidade externa.

É nesse contexto que eu estranho o voto do ministro Ricardo Lewandowski pela absolvição dos Josés Dirceu e Genoino. Seria logicamente aceitável exibir desde o início do julgamento, ou, melhor ainda, da carreira de magistrado, uma posição garantista intransigente, exigindo do Ministério Público que demonstrasse de forma matemática a culpa do réu antes de condená-lo.

Provas assim fortes, porém, são, se não impossíveis, ao menos uma raridade, de modo que encontramos poucos juízes adeptos dessa escola hipercética. De modo geral, eles se contentam com a fórmula "culpado além da dúvida razoável". A subjetividade encerrada no termo "razoável" complica as coisas, mas não chega, segundo a maior parte dos doutrinadores, a inviabilizar o Direito. O magistrado condena o réu quando se sente convencido pelo conjunto probatório e, do contrário, o absolve. Processos costumam trazer provas para os dois lados, de modo que não é difícil montar uma argumentação racional para justificar qualquer posição que se queira seguir.

O problema com Lewandowski é que ele aplica diferentes níveis de ceticismo ao longo do mesmo julgamento. Se é verdade que não chegou a ser um crédulo "new age" quando os réus eram figuras menores, ele parece adotar uma exigência quase solipsista quando se discute a situação dos protagonistas. É justamente esse ruído que chama a atenção.

Fonte: Folha de S. Paulo

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