segunda-feira, 5 de novembro de 2012

2014: começar a pensar o caminho – Gilvan Cavalcanti

“os velhos falam do que fizeram, as crianças falam do que estão fazendo, os tolos do que vão fazer” (Barão de Itararé)

As eleições municipais passaram. Houve inúmeros debates sobre o tema. Não faltaram analises com visões diferentes, contraditórias e mesmo convergentes. Eram dados pra lá, dados pra cá. Foi uma inflação de análises, de números. Parecia até o IBGE, descrevendo os elementos dos censos anuais. Uns preferiram quem teve mais votos em vereadores, quem fez mais vereadores. Outros se dedicavam a examinar quem elegeu mais prefeitos. Os números serviam para todos os gostos e preferências. A mídia escrita, falada e televisiva forneceu bastante material. Colunistas políticos e especialistas reproduziram muitas vezes, essas mesmas argumentações.  Também não faltaram as ideias de historiadores, sociólogos e cientistas políticos. Em suma, houve um pluralismo de interpretações.

Estou convencido de que o eleitor demonstrou a complexidade de nossas cidades e do país:o Rio votou no PMDB, São Paulo preferiu o PT. Belo Horizonte, Recife e Fortaleza derrotaram PT. Vitória votou no PPS. O norte, optou pelo PSDB em Belém e Manaus. No sul o eleitor foi de PDT em Porto Alegre e Curitiba. Em outras palavras, houve uma fragmentação. Não aconteceu o domínio – que muitos chamam, equivocadamente, de hegemonia -, de um partido.
      
Torno a dizer, as eleições de 2012 são águas passadas. Foi uma fotografia que não se reproduzirá. Como afirmou o filósofo grego Heráclito, lá atrás, antes da nossa Era Cristã: “Tudo flui, nada persiste, nem permanece o mesmo”. Marx reinventou em 1848 o pensador grego assim: “Tudo que é sólido se desmancha no ar”. E não posso esquecer do poeta Drumonnd de Andrade para reforçar o argumento do tempo passado,”um quadro pendurado na parede”.

Daqui por diante começa uma nova conjuntura. As circunstâncias já são outras. Caberá ao ator político ser  protagonista do novo cenário. O que significa isso? Não esperar o fato ocorrer. É a hora de olhar as circunstâncias e fazer as escolhas. É a hora de fazer previsões. E, quem faz previsão tem um programa, um objetivo  e luta para realizar esse programa e esse objetivo. E, o programa se faz, em primeiro lugar, com valores.

São tempos, por um lado, em que se tenta impor o domínio de uma visão de política diferenciada da nossa Constituição. O que quero dizer? Chamar a atenção para assim o chamado “constitucionalismo popular”, de origem de teóricos do conservadorismo espanhol, depois, ganhou força em segmentos de professores da Universidade Harvard e desembarcou em terras bolivarianas. O que defende esse “constitucionalismo”? Em resumo se propõe uma democracia sem a divisão e separação dos poderes, sem autonomia do judiciário e do legislativo. Em outras palavras, o poder executivo, legislativo e judiciário se confundem numa só figura: o executivo.

São tempos, por outro lado, em que devemos dizer e reafirmar, mais um vez, que estamos profundamente comprometidos com os valores e as instituições da democracia representativa: o pluralismo, as liberdades individuais e coletivas, os direitos humanos, a República, o avanço da ciência, a preservação da natureza, a inclusão, a participação, a solidariedade, a igualdade e a  liberdade. Temos confiança na democracia política, porque nela reconhecemos a permanente expansão daqueles direitos. É nela que se torna visível a capacidade das mulheres, a esperança da juventude, a experiência dos idosos, o trabalho inteligente e criativo de todos.

São tempos em que devemos assumir nossos compromissos de respeito e consideração com os problemas da vida real das pessoas. Ao assumir a responsabilidade para com o bem comum, mantemos o compromisso de formular um pensamento e um agir reformista característico de uma esquerda moderna, que com espírito constitucional, saiba falar a todo o país e modificá-lo. Aí, me vem na lembrança àquela conhecida narrativa: ”Os filósofos se limitaram a interpretar o mundo de diferentes maneiras; o que importa é transformá-lo”. Nela há a unidade de dois momentos: o conhecer e o transformar. É do mesmo autor um texto pouco conhecido: “O comunismo não é para nós um estado que deve ser estabelecido, um ideal para o qual a realidade terá que se dirigir. Denominamos comunismo o movimento real que supera o estado de coisas atual”. Qual é a alma dessa narrativa, sua essência, o núcleo central? A crítica ao real existente. Esse espírito que se está apagando, substituído pela apologia ao “estado de coisas atual”.  

Essas são algumas questões para reflexão. Podem ser parte de provável programa para conquistar um objetivo. Qual é esse objetivo? No campo político, substituir a atual coalizão governamental, sob o domínio do PT, por uma coalizão, compartilhada, entre as atuais forças opositoras, ampliada com setores da própria coalizão governamental. As últimas eleições demonstraram quanto é complexo a conquista de tal objetivo.  A partir desse novo momento, provavelmente, não haverá muita fragmentação.

Nas circunstâncias atuais o cenário vai depender de muitos fatores. Certamente, haverá uma candidatura do bloco do governo, mas ainda há uma dúvida se será Lula ou Dilma (PT). Do campo oposicionista já surge a candidatura do senador Aécio Neves (PSDB). Poderá haver outra candidatura, essa saída da coalizão governamental, na figura do governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), com uma proposta de “terceira via” Também há no cenário a fusão de Aécio/Eduardo em uma única chapa. Outros candidatos poderão aparece.

Nesse quadro ainda há as definições das alianças e candidaturas dos governos estaduais. Com Isso aumentam as dificuldades. Dentro da coalizão governamental o PT forçará na direção de polarizar as disputas estaduais em função da coalizão nacional (PT/PMDB). Com isso deverá voltar à disputa polarizada em dois blocos.

O caminho para conseguir o objetivo é curto. Aí, arranco da memória outra narrativa, dessa vez, do poeta sevilhano:

(...) “não há caminho,
faz-se caminho ao andar.
Ao andar faz-se o caminho,
e ao olhar-se para trás
vê-se a senda que jamais
se há-de voltar a pisar.”

Rio, 4/11/2012

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