quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Obama, quatro anos depois - José Eisenberg e Fernando Perlatto

Quatro anos se passaram desde a histórica eleição do democrata Barack Obama como presidente dos Estados Unidos, derrotando o candidato republicano John McCain. Palavras de ordem como Yes, we can e Change impulsionaram sua candidatura naquele contexto, que logrou mobilizar e encher de esperança não apenas norte-americanos, mas pessoas de diferentes países, todos cansados dos desastres dos anos Bush e da agenda bélico-fiscalista que imprimiu na ordem internacional no ocaso do século XX. Ainda que o candidato portador da mensagem de mudança e esperança não defendesse uma agenda tão progressista quanto a proposta por alguns de seus opositores nas prévias do Partido Democrata – em especial aquela defendida por Hillary Clinton, sobretudo no que tange à reforma do sistema de saúde americano –, sua excelente retórica, o charme fotogênico, o ótimo preparo intelectual e político, somados à possibilidade de eleger um negro pela primeira vez para o cargo de maior importância dos Estados Unidos, eram razões para otimismo em um mundo assustado e pessimista com a ressaca dos anos 1990, com Bush-pai, e 2000, com Bush-filho. Semana passada, o presidente da transformação foi em busca de sua reeleição.

Não vê quem não quer. Nestes quatro anos, a ordem internacional e os Estados Unidos mudaram. Talvez o mundo tenha mudado para pior. Se eventos como a Primavera Árabe, que sacudiu o Oriente Médio e o Norte da África, no final de 2010, trouxeram uma agenda de transformação, esta não foi necessariamente acompanhada por mudanças progressistas de grande monta. Se a crise econômica, que atingiu fortemente a zona do Euro, levou à queda de políticos como Silvio Berlusconi, na Itália, e Nicolas Sarkozy, na França, bem como à emergência de diversos movimentos de contestação na Espanha, Portugal e Grécia, ela também favoreceu o fortalecimento de uma onda conservadora e direitista, que tanto contribuiu para a legitimação de políticas econômicas ortodoxas por parte de governos descolados dos gritos das ruas, quanto a expansão de discursos xenófobos no âmbito da sociedade civil, que colocam sobre o ombro dos imigrantes a culpa pela perda de empregos.

Se não é possível afirmar com convicção que o mundo se tornou pior nos últimos quatro anos, o mesmo não ocorre com o caso dos Estados Unidos. Não obstante a timidez das transformações que se processaram no país, é preciso admitir que a América melhorou com Obama. Na economia, Obama pegou um país quebrado, enfrentando a maior crise desde a Grande Depressão. Mercado de crédito fraturado, desemprego em alta, PIB em baixa, bancos em bancarrota. Pode não ter recuperado a economia com o alcance que se esperava, mas suas medidas contribuíram sobremaneira para, ao menos, reparar os estragos deixados pela administração Bush. Seu pacote de estímulo lançado em 2009, American Recovery and Reinvestment Act, injetou cerca de U$ 840 bilhões de dinheiro público na economia americana, estimulando a criação de empregos. Obama reduziu o déficit público, resgatou a indústria automobilística e impôs regulações a Wall Street que não se viam desde 1929, mediante a assinatura do Dodd-Frank Act, além de ter aberto um debate público sobre a necessidade de taxar mais efetivamente os 1% mais ricos do país.

Para além dos aspectos econômicos, Obama promoveu outras agendas progressistas importantes, que vão desde políticas educacionais voltadas para facilitar o acesso e permanência no ensino superior até o desenvolvimento de iniciativas direcionadas ao estímulo de energias limpas. Porém, sua maior empreitada de inclusão social foi o Health Care for America Plan, também conhecido como Obamacare. O sistema de saúde americano é caótico, desigual e excludente, como bem demonstrado por Michael Moore, em seu documentário Sicko (2007). Ainda que tíbio frente às demandas da sociedade e quando comparado com outras propostas para a reforma da saúde, o plano proposto por Obama é um claro sinal do pragmatismo que orienta boa parte das políticas sociais dos progressista nos EUA: era a reforma possível. O objetivo era promover a maior expansão do sistema social de saúde americano desde a década de 1960, quando foram criados o Medicare e o Medicaid. A cobertura do sistema de saúde pública americano, com Obamacare, incluirá mais 40 milhões de americanos, quase 13% da população americana.

Na política externa, a frente que sempre mais chama a nossa atenção como “parte interessada” nos assuntos domésticos americanos, Obama teve sucesso em substituir a agenda unilateral e belicista de Bush-filho e Dick Cheney, por uma política ancorada na paralisia decisória que valores do multilateralismo diplomático produzem. Anunciou a retirada das tropas do Iraque e iniciou uma nova etapa do relacionamento com o Oriente Médio, enquanto aumentava a presença militar e midiática no Afeganistão. Soube contornar com habilidade o desejo insano de tantos republicanos de jogarem o país em uma nova guerra com o Irã. Dado que boa parte das guerras imperialistas norte-americanas foi iniciada por presidentes democratas, que Obama não tenha iniciado uma já conta a seu favor.

Nem tudo foram flores na administração Obama. O outrora organizador comunitário conclui seu primeiro mandato tendo em seu território cerca de 12 milhões de pessoas desempregadas. O candidato que criticava a prisão de Guantánamo – símbolo por excelência da violação dos direitos humanos na era Bush – a manteve em funcionamento. O senador que fazia discursos contra a proliferação de armas na sociedade americana parece ter se rendido ao lobby dos produtores de armamento, mesmo após as recentes chacinas que ocorreram no cinema no Colorado e em um templo em Wisconsin. O presidente que ganhou o Prêmio Nobel da Paz, em 2009, não teve qualquer constrangimento em aumentar o uso de drones nas guerras em que os Estados Unidos estão envolvidos, causando a morte de civis inocentes. Para além da política, vale destacar que a própria postura de Obama – ora adotando um tom blasé frente ao jogo político, ora assumindo uma postura arrogante diante de correligionários e adversários republicanos –, criou dificuldades para que o presidente conseguisse levar a cabo sua agenda de criação de consensos entre democratas e republicanos, como propusera em sua campanha de 2008 e defendera em seu livro The Audacity of Hope (2006).

Passados quatro anos, a eleição americana deste ano não despertou o mesmo entusiasmo daquela ocorrida em 2008. A campanha poderá ser lembrada de diferentes formas, como, por exemplo, por aquela em que se gastaram bilhões na corrida presidencial. Do lado republicano, ela será recordada como aquela em que nas prévias do partido para decidir seu candidato, ocorreu uma disputa para saber quem seria o mais conservador, com todo o show de disparates que se pode esperar de figuras como Newt Gingrich e Rick Santorum. Ganhou o moderado Mitt Romney, que, durante a campanha, teve que se equilibrar na corda bamba, entre agradar sua base radical reacionária, impulsionada pelo Tea Party – que, inclusive, lhe deu o vice Paul Ryan –, e atingir os eleitores indecisos, recorrendo-se ao seu passado como governador moderado de Massachusetts. Adotou ambas as posições e mudou de posicionamento de acordo com a plateia.

Esta campanha também poderá ser lembrada por imagens patéticas – como a de Clint Eastwood discursando para uma cadeira vazia a simbolizar o presidente Obama nas convenções republicanas – ou reveladoras – como o vídeo divulgado no qual Mitt Romney, em um jantar para arrecadação de verbas para a campanha ao preço de US$ 50 mil, aparece dizendo que não se importava com 47% dos americanos que, a seu ver, vivem à custa do Estado, se veem como vítimas e não pagam impostos. Em alguns círculos da imprensa democrata, como no The Daily Show de Jon Stewart no canal Comedy Central, virou brincadeira durante a Convenção Republicana chamar o evento de “Esperando Jeb Bush 2016”, em alusão ao outro Bush-filho governador da Flórida e suas supostas pretensões presidenciais.

Romney quase ganhou esta eleição. Romney não foi um candidato tão ruim quanto querem fazer crer alguns analistas. O problema é que Romney, como Bush-filho, era só o milionário, filho de milionário, neto de milionário. Bush-filho ganhou uma eleição que disputou contra um vice-presidente. Não se deve nunca menosprezar o amor à patetice que metade da América parece demonstrar a cada quatro anos.

Os democratas também terão imagens marcantes ao seu dispor para se lembrarem desta campanha. O cardápio é variado, indo desde o péssimo desempenho de Obama no primeiro debate, quando foi sumariamente derrotado por Romney, dando nova injeção de ânimo à campanha republicana, até as brilhantes participações de Bill Clinton e Michelle Obama na Convenção Democrata. Diga-se, de passagem, inclusive, que Obama deve e muito sua reeleição a estas duas figuras.

Devemos também destacar desta campanha democrata a capacidade de liderança demonstrada pelo presidente após a destruição provocada pelo furacão Sandy. Como bem destacado por Paul Krugman em coluna recente no New York Times, é gritante a diferença entre a postura adotada, em 2005, pelo então presidente Bush-filho, quando do furacão Katrina, e aquela tomada por Obama frente ao furacão Sandy, cujos impactos se deram mais fortemente em Nova York e Nova Jersey. Por um lado, o comportamento de Obama frente à tragédia atraiu para seu campo políticos independentes como o prefeito de Nova York, Michael Bloomberg, por outro, ele evidenciou sua capacidade de construir pontes com republicanos, como o governador de Nova Jersey, Chris Christie, que reconheceu o empenho demonstrado pelo presidente frente às destruições provocadas em seu estado. Hoje, não é exagero afirmar que um dos dois pode vir a ser o sucessor de Obama; Sandy e ele têm dado imenso empurrão nesta direção. Sandy, não podemos esquecer, acabou sendo a guerra com que Obama venceu uma eleição apertada. Em tempos recentes, só Bush-pai perdeu a reeleição com o país em guerra. Quase sempre americanos adoram guerra, hasteiam bandeiras e apoiam o chefe de Estado.

Ao fim e ao cabo, Obama acabou vencendo a eleição com 303 delegados no Colégio Eleitoral contra 206 de Mitt Romney. No voto popular, Obama também venceu, ainda que por margem mais apertada. O resultado foi menos estreito do que previam as pesquisas, sobretudo por causa do desempenho de Obama nos chamados swing states – estados, como a Flórida, que não são historicamente nem democratas, nem republicanos, mas que, por isso mesmo, definem o resultado das eleições. Sua performance em estados do chamado Midwestern Rust Belt, especialmente em Ohio, foi muito boa, resultado das políticas de recuperação da indústria automobilística, estratégica à economia da região.

No Congresso, a correlação de forças tende a ficar a mesma do primeiro mandato, com os republicanos controlando a Câmara (233 cadeiras contra 193) e os democratas o Senado (54 cadeiras contra 45), embora valha destacar que os democratas cresceram nas duas casas, enquanto os republicanos reduziram o número de assentos. O que pode alterar o quadro em relação ao período anterior é o fato de que o presidente sai desta eleição com o capital político renovado e fortalecido, aumentando sua margem de manobra junto aos congressistas. Além disso, se Obama superar equívocos que cometeu em inúmeras negociações com a Câmara republicana no primeiro mandato, talvez consiga construir bipartisan agendas.

Para aqueles que não vêm diferenças entre os dois partidos, vale observar o perfil daqueles que votaram no candidato democrata: Obama venceu entre as mulheres (65%), negros (93%), latinos (70%), asiáticos (75%), jovens (60%), gays e lésbicas (90%). As margens de vitória são escandalosamente altas, em particular as duas que não definem identidades minoritárias: jovens e mulheres. A base dos republicanos permanece branca, velha e masculina. Tem mais poderio econômico e é mais conservadora em relação a questões como aborto, imigração e casamento entre pessoas do mesmo sexo. Quer menos intervenção do Estado na economia, execra políticas sociais de toda sorte, e não conhece conceito de igualdade para além daquela que se presume que cidadãos deveriam ter perante a lei. O emblema deste modelo de política, e da metade dos eleitores norte-americanos que o apoia, nesta eleição, foi o candidato à vice-presidente na chapa republicana. Paul Ryan é um deputado jovem, rico, bonito e branco de Wisconsin que demonstrou que nem sempre os republicanos se darão um tiro no pé na escolha de seus candidatos, como fizeram com Sarah Palin em 2008.

Dois comentários finais para concluirmos a análise. O primeiro diz respeito ao sistema eleitoral americano. No federalismo estadunidense, a soberania reside em última instância nos estados federados, e destarte a escolha do presidente, é prerrogativa dos estados, proporcionalmente representados no Colégio Eleitoral. O voto do cidadão do Alaska, neste sentido, vale mais na escolha do presidente pelo Colégio do que o voto do cidadão da Califórnia. Nesta eleição, aproximadamente três vezes mais.

O modelo pode parecer antidemocrático na medida em que – tal como ocorreu com Al Gore, quando derrotado por Bush-filho –, pode-se ganhar no voto popular, mas perder no Colégio Eleitoral. Porém, visto de outro ângulo, o sistema pode ser considerado mais democrático do que alhures, já que o exercício da soberania de cada estado permite que os entes federados combinem o sufrágio aos candidatos com o voto sobre temas éticos e políticos polêmicos, como pena de morte, imigração e aborto, e que cabe a cada estado decidir a seu modo e a seu tempo, sem ingerência da União ou demais entes da federação. No pleito deste ano, ocorreram mais de 150 referendos pelo país; o destaque de mídia ficou para os eleitores de Colorado e Washington, que votaram a favor do consumo recreativo da maconha, e os eleitores de Maine, Washington e Maryland, que legalizaram a união entre pessoas do mesmo sexo.

O segundo comentário refere-se ao discurso que Obama realizou após o anúncio da sua vitória, quando afirmou que os americanos não estão tão divididos quanto parece. Não foi isso que ficou evidente na eleição. Ficou mais do que claro neste pleito a disputa existente entre republicanos e democratas sobre o que é e o que deve ser a América. Os primeiros, sob o impulso do radicalismo do Tea Party, têm apostado na visão de um país que se constrói baseado em um individualismo sem freios, sustentado na ideia segundo a qual o self-made man é capaz de construir sua vida e a nação a partir de seus próprios esforços. Esta é a visão de Paul Ryan. Os republicanos, neste pleito, apostaram na radicalização das contradições programáticas entre os dois partidos, como já haviam feito na eleição passada. O problema é que perderam ambas. Algo deve mudar. O governador Chris Christie (NJ) é uma sinalização importante de um outro Partido Republicano, mais pragmático e preocupado em assegurar o apoio do Estado à débil economia americana. Os gestos diante de Sandy, as palavras depois da eleição, e a abertura do presidente ao diálogo podem levar a um novo período de aproximação dos partidos, como aquele vivido durante a Era Clinton.

A visão dos democratas, por sua vez, pelo menos aquela defendida pelo presidente nestas eleições, ainda que também se baseie no ideal do self-made man, suporta a ideia segundo a qual o Estado tem um papel fundamental a desempenhar na garantia de oportunidades para todos os indivíduos, independente da cor, origem, idade, classe e opção sexual. Trata-se de uma combinação entre a defesa da ação governamental de Alexander Hamilton e o individualismo de Thomas Jefferson, como sugere o próprio Obama em seu The Audacity of Hope. O tema de fundo que perpassa a pauta democrata é a discussão em torno de como deve manifestar-se o individualismo na sociedade norte-americana. Quando confrontados com a forma extremada deste individualismo, como a que apresentaram os republicanos nesta eleição, fica mais fácil produzir uma maioria em torno de uma perspectiva bem-compreendida.

Felizmente, esta segunda vertente venceu.

Fonte: Revista Pittacos

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