domingo, 18 de novembro de 2012

Por que (continuar a) torcer por Obama - Sergio Fausto


Atribui-se a Winston Churchill a frase segundo a qual os Estados Unidos sempre fazem a coisa certa. Mas só depois de esgotadas todas as demais alternativas. Após flertarem a sério com a possibilidade de entregar a Casa Branca a Mitt Romney, os eleitores norte-americanos reelegeram o presidente Barack Obama. O candidato republicano defendia um programa fiscal socialmente regressivo e aritmeticamente insustentável e ameaçava reinstalar neoconservadores no comando da política externa de seu país. A vitória de Obama trouxe imenso alívio. Ainda é cedo, porém, para saber se todas as alternativas incorretas foram descartadas pelos Estados Unidos.

Há de imediato o desafio de se desviar do "abismo fiscal". Nos cerca de 40 dias que faltam para o 31 de dezembro, democratas e republicanos terão de chegar a um acordo que evite um ajuste fiscal automático e draconiano, capaz de lançar os Estados Unidos novamente em recessão, e com eles o mundo.

Algum tipo de acordo é provável, pois as urnas deixaram claro que a intransigência encarnada no Tea Party levará o Partido Republicano a um beco sem saída. É improvável, porém, a aprovação de um programa bipartidário que tenha amplitude e alcance suficientes para enfrentar os desafios fiscais dos Estados Unidos. Ali, a dívida pública dobrou de tamanho nos últimos quatro anos, resultado das guerras, da redução de tributos e da crise provocadas pelos erros do governo George W. Bush.

A verdade é que o restabelecimento pleno da confiança na sustentabilidade de longo prazo das contas públicas norte-americanas - e, portanto, no dólar - provavelmente continuará a ser um ponto de interrogação a sobrecarregar as nuvens da economia global.

A questão fiscal requer respostas politicamente difíceis sobre o "mix" e o "timing" de aumento de impostos e redução de despesas necessários para controlar a dinâmica de crescimento da dívida pública, sem abortar a ainda lenta recuperação da economia. Especialmente difíceis porque implicam, também, decidir quais grupos sociais e programas governamentais arcarão com o maior peso do ajuste, o que põe em confronto visões não raro opostas sobre o "ideal americano". As urnas não deram respaldo à alternativa republicana, mas tampouco concederam a Obama um claro mandato para caminhar na outra direção.

Mais nítido foi o mandato recebido em relação à política externa. Depois de duas guerras e longas intervenções militares (Afeganistão e Iraque), de resultados incertos e grande custo fiscal, a sociedade americana não está disposta a pagar o preço em vidas, prestígio e dinheiro de uma política externa ao estilo George W. Bush. Pesquisa recente do Chicago Council on Global Affairs indica que 70% dos norte-americanos concordam que o país deve ser mais cauteloso em sua política externa. Nessa área, como na área fiscal, sobressaem um desafio imediato e um reposicionamento estratégico de mais longo prazo (aliás, com implicações fiscais importantes, dado o tamanho da despesa militar no orçamento do país, tema para outro artigo).

Encaminhar já e concluir no próximo ano uma solução duradoura para as tensões em torno do programa nuclear do Irã é crucial para os Estados Unidos, para o Oriente Médio e para o mundo. Se Obama não obtiver êxito nessa empreitada, assistiremos ao enfraquecimento da estratégia de contenção do país persa e, quase certamente, a um ataque de Israel às instalações nucleares iranianas. O Oriente Médio seria lançado num abismo de múltiplos conflitos, com péssimas repercussões globais. Para evitar esse cenário os Estados Unidos precisam negociar garantias mutuamente aceitáveis. A demonização do Irã não facilita a tarefa da diplomacia norte-americana.

Na área externa, assim como na política fiscal, Obama terá de se erguer acima das condições objetivas da política interna. Um teste e tanto para a sua liderança.

Além da economia e da segurança globais, há outra e não menos importante razão para torcer por ele: com a Europa em crise estrutural prolongada, a prevalência de uma visão mais progressista e menos arrogante do "ideal americano" é essencial para acrescentar ao prestígio internacional do capitalismo democrático, conquista civilizatória que, longe de ser perfeita, produziu até aqui os melhores resultados sociais e econômicos já experimentados pela humanidade.

Aliás, a questão começa na própria definição do problema. Para parte importante do Partido Republicano, o principal não é sequer o tamanho dos déficits correntes e o endividamento crescente, mas sim o peso do setor público sobre a economia e o desperdício de recursos federais em programas que induziriam os mais pobres à dependência em relação ao Estado. Para atacar o sintoma e resolver o problema de fundo os republicanos mais conservadores acreditam que a solução está em reduzir ainda mais os impostos e aplicar cortes imediatos e concentrados nos programas sociais. As urnas não deram respaldo a essa visão fiscal extremada, mas tampouco concederam a Obama um mandato claro para avançar na outra direção. Ou seja, no rumo de um programa fiscal que ao mesmo tempo mantenha os estímulos a uma economia ainda em frágil recuperação e restabeleça a confiança na sustentabilidade das contas públicas americanas, o que recomenda aumentos de impostos e cortes de despesas que entrem em vigor de maneira gradual e crescente no tempo. Tão importante quanto, um programa fiscal que, no mínimo, preserve a já fina rede de proteção social existente nos Estados Unidos, recentemente reforçada pela reforma do setor de saúde, a principal iniciativa de Obama em seu primeiro mandato. E que restabeleça e amplie o sistema de crédito educativo.

Se o ajuste fiscal se fizer à custa dos programas sociais, a tendência de aumento da desigualdade social e da vulnerabilidade à pobreza, que marcam os Estados Unidos desde os anos 1980, deverá agravar-se.

Diretor Executivo do iFHC; é membro do GACINT-USP

Fonte: O Estado de S. Paulo

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