terça-feira, 27 de novembro de 2012

Tremor federativo - Tereza Cruvinel

Algo vai mal quando 24 unidades federativas partem para o confronto com outros dois estados por conta de recursos, aprovando no Congresso uma lei que afeta contratos em vigor


Não por acaso os constituintes de 1988 incluíram o sistema federativo entre as cláusulas pétreas da Constituição: aquelas que nem o Congresso pode modificar e que só podem ser alteradas pelo poder originário do povo, por meio de plebiscito ou referendo. As autoridades da República também podem responder por crime de responsabilidade se atentarem contra o regime federativo. Essas balizas foram criadas porque a Federação dos estados, base da nacionalidade, embora tão real, é delicada como um cristal. O momento não chega a ser de crise, mas é de estremecimentos federativos. A passeata de ontem no Rio de Janeiro, reunindo 200 mil pessoas contra o projeto de lei dos royalties, sob o lema “Veta, Dilma”, teve na vanguarda o governador Sérgio Cabral, o prefeito Eduardo Paes e os senadores Francisco Dornelles e Lindbergh Farias. Foi uma expressão desse tremor. Há outros temas na agenda contribuindo para aumentá-lo.


Algo vai mal quando 24 unidades federativas partem para o confronto com outros dois estados por conta de recursos, aprovando no Congresso uma lei que afeta contratos em vigor. Algo vai mal quando o Executivo deixa um assunto dessa gravidade tramitar ao laissez faire, só entrando em cena quando a correlação de forças para a votação já fora criada. O rolo compressor estava montado, há tempos, para a votação, na Câmara, do projeto aprovado pelo Senado, justamente a Casa que deve zelar pelo equilíbrio federativo.

Uma outra questão que joga água nesse moinho é a da repartição das receitas do Fundo de Participação dos Estados (FPE). O relator, senador Walter Pinheiro (PT-BA), tenta pactuar um texto satisfatório, mas seu trabalho é quase solitário. O tempo está passando e o Supremo deu prazo ao Congresso para aprovar a matéria até o fim do ano, sob pena de não haver redistribuição dos recursos no ano que vem. Sempre que não faz sua tarefa, o Congresso permite a judicialização do assunto. E, com isso, o poder do Supremo vai se espraiando.

O projeto de renovação antecipada das concessões do setor elétrico, para forçar a baixa das tarifas, embora necessário, enfrenta resistências de Minas e de São Paulo, que se queixam da forma impositiva com que foi apresentado. Não menos grave é a questão das dívidas, que vêm sendo renegociadas, mas ainda enfrenta pendências, especialmente com os dois estados mais ricos. E há ainda a proposta da União para unificar as alíquotas do ICMS, que alimentam a guerra fiscal entre governos e governadores. A unificação, também necessária, exige esforço de negociação.

A Federação está sendo tratada com descuido, diz o senador Aécio Neves: “O Palácio do Planalto trata as questões federativas com negligência, seja por imperícia política ou por cálculo fiscal, para manter a concentração de recursos nos cofres da União”.

Sérgio Miranda. O mundo fica pior cada vez que perdemos um dos nossos melhores. Sérgio Miranda foi um homem público exemplar, um intelectual de resultados e um ser humano excepcional. As convicções políticas o guiaram desde os 15 anos, quando começou a militar no movimento estudantil em Fortaleza e entrou para o PCdoB. Foi preso em Ibiúna em 1968 e expulso do curso de matemática da UFCE. Vieram anos de clandestinidade. Viu companheiros, como Helenira Resende e Robson Gurgel, partirem sem volta para o Araguaia. Viu serem trucidados pela ditadura dirigentes como Pedro Pomar e Angelo Arroyo.

Conheci-o na CPI dos Anões do Orçamento, em 1993. Havia chegado à Câmara como suplente de Célio de Castro e logo se destacou pela combatividade e pela aplicação aos temas de seu maior interesse na esfera do Estado: a dívida pública, os direitos sociais e previdenciários, as questões orçamentárias, as telecomunicações. Logo apareceria nas listas dos mais influentes. Tinha causas, não interesses. Ajudei modestamente na divulgação de alguns, destacando a parceria com ele e Walter Pinheiro para impedir, no governo FH, que os recursos do Fust fossem apropriados pelas teles.

No início do governo Lula, votou contra a reforma previdenciária e foi punido com uma suspensão pelo PCdoB. O PT fez o mesmo com seus dissidentes. Esse ato de força desnecessário contra quem dedicara 43 anos à legenda comunista dividiu sua vida. Saiu do partido, entrou para o PDT, mas não se elegeu em 2006 nem em 2010. A perda do mandato certamente cortou-lhe parte do oxigênio que nutria seu DNA político.

Combatente, Sérgio era também um homem culto e sensível, amante das artes e da literatura, especialmente da poesia. Por sua partida, tomo emprestada a primeira estrofe de Funeral blues, de Auden, poema de que ele muito gostava: “Detenham os relógios/calem o telefone/joguem um osso ao cão para que não ladre mais/façam silêncio os pianos/e o tambor sancione o féretro/que sai com seu cortejo atrás”.

Europa. Em Portugal, a crise europeia produz uma onda de privatizações que faz lembrar os tempos áureos do neoliberalismo. O embaixador Francisco Ribeiro Telles, em conversa com jornalistas brasileiros, diz que não havia saída para o deficit nas contas públicas e a falta de recursos para investimentos. O governo já privatizou 11 grandes hospitais do Estado, quase todos arrematados pela Amil, de bandeira brasileira mas capital americano. A TAP será vendida e os portugueses torcem para que o vencedor da licitação seja o brasileiro José Efromovich, dono da Avianca. Mas as privatizações incluem ainda empresas de água, energia, transportes e até mesmo um dos canais da RTP, a histórica TV pública de Portugal.

Fonte: Correio Braziliense

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