segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

A corrupção e os comunistas - Renato Janine Ribeiro

A corrupção não é problema dos comunistas. Ela perpassa tudo o que é família política, menos a deles. Até na França, com Chirac, e nos Estados Unidos, com Cheney, dizem que esteve no centro do poder. Direita, centro e esquerda a praticam. A grande exceção são os comunistas.

Alguns deles abusaram. Ceausescu, ditador da Romênia, tinha torneiras de ouro nos banheiros. Os governantes comunistas da Europa Oriental gostavam de limusines pretas, caras. Mas, como corrupção, é pouco. São mordomias, não malfeitos. Se isso for corrupção, não escapa quase ninguém que exerça o poder, em qualquer lugar do mundo. Isso porque ele dá oportunidades de vida luxuosa, que nem sempre constituem, tecnicamente, furto ou desvio de dinheiro.

Não esqueço o que me disse um americano, que trabalhara nos serviços de inteligência de seu país, quando tomamos um café numa praia da Estônia, em 1992. Ele tinha o projeto de colocar os pés na água de cada mar ou oceano do mundo. Entrou no Báltico (acompanhei-o) e, depois, conversamos. Estávamos num restaurante à beira-mar e ele me disse: "Este lugar era para os membros da nomenklatura comunista. Mas veja como é básico, se for comparado a um resort do mundo ocidental. Eles eram privilegiados, mas o privilégio deles, no Ocidente, estaria ao alcance de qualquer pessoa de classe média". O que, aliás, só mostrava a ineficiência do sistema, que nem privilégios conseguia gerar direito...

Os comunistas foram puros - mas duros demais

São raros os casos de corrupção entre os comunistas duros e puros. Numa coluna anterior, falei da corrupção atribuída, com base na razão ou no mito, à esquerda não comunista, aquela que é liderada por uma fração minoritária da classe dominante que se torna dissidente e, por compaixão ou cálculo, decide incluir socialmente parcelas significativas das classes mais pobres.

É bem diferente do comunismo.

Eram mais honestos os comunistas? Eram. Queriam fazer a revolução. Algumas foram espontâneas, organizadas de baixo para cima, populares. Foi o caso da Rússia, Iugoslávia, Albânia, China, Vietnã e Cuba. Nos demais países, a força militar, geralmente soviética, impôs os regimes. Mas em todos eles se pretendia mudar por completo as relações sociais, rumo a maior justiça e igualdade. Esse projeto, ainda que mal realizado, marcou seus governos. O problema é que no final deu errado. Dos Estados que ainda se dizem comunistas, só Cuba procura fazer jus ao nome.

Mas há grandes diferenças entre as mudanças sociais que o comunismo promoveu e as realizadas "de dentro", por uma parte da classe dominante que realiza a inclusão social de parcelas grandes dos pobres. Primeira diferença: essas iniciativas reformistas, não revolucionárias, deram mais certo. Permaneceram. Reformas como as do New Deal, lideradas por Franklin Roosevelt, nos Estados Unidos, do governo trabalhista de Attlee, na Grã Bretanha, ou de Getúlio Vargas e Lula, no Brasil, dificilmente têm volta. Na Argentina, sucessivos governos tentaram desfazer a obra de Peron; infelizmente, tiveram êxito. Mas as iniciativas moderadas resultaram melhor, a longo prazo, do que as que queriam mudar todas as relações sociais.

Já a segunda diferença não é tão boa. Houve corrupção em muitos lugares em que a reforma proveio da classe dominante. É compreensível, já que o setor dissidente desta última estava acostumado a bens e vantagens. Também os líderes populares que ascenderam socialmente sentiram - e sentem - forte atração pelo conforto.

Aos comunistas se deve o elogio de que foram honestos, na grande maioria, mesmo já estando no poder. Howard Fast tem páginas notáveis a respeito, no belo livro em que realiza uma crítica implacável da liderança comunista, "O Deus Nu". Mostra a honestidade profunda dos militantes, que não só punham dinheiro do próprio bolso como, também, continuavam no partido, apesar dos pesares, porque viam nele a única chance de melhorar a condição dos miseráveis e de combater as chacinas coloniais. Isso, ao mesmo tempo em que Fast condena os líderes, mas não por corrupção e sim por autoritarismo, mediocridade, falta de projeto político.

E uma terceira diferença? Esta é a área escura do comunismo. As revoluções modernas mostram uma certa regularidade: agiram com uma violência que beira a crueldade. Devoravam seus próprios filhos, diz-se. Assim aconteceu na França e na Rússia, as duas grandes revoluções mais influentes no mundo. A exceção são as revoluções anteriores, a Inglesa e a Americana, menos radicais, mais duradouras em seus efeitos, mas que tiveram pouco êxito fora dos países de origem. Sua difusão mundial foi incomparavelmente menor. Quantas revoluções, após 1789, se inspiraram na Francesa? Quantas, após 1917, na Russa? Quase todas. Enquanto isso, a Grã Bretanha mantinha colônias e os Estados Unidos apoiavam ditaduras, com a única grande exceção da Segunda Guerra Mundial. As revoluções anglo-saxônicas não serviram "for export".

De que serve um balanço da corrupção nas esquerdas? Quem faz uma revolução - que, ao longo do século XX, foram quase sempre comunistas - geralmente é frugal. Passa anos na selva ou na serra. Mantém muito do espírito ascético, uma vez no poder. Desonestidade é pouca. Mas há dois problemas. Primeiro: muitos desses regimes foram, ou acabaram sendo, ineficientes na economia. Segundo: usaram da violência em escala industrial. O que deixa uma conclusão triste. No fim das contas, se tivermos de escolher, a corrupção é menos ruim do que o desastre na economia e, sobretudo, a tortura, o campo de concentração e o pelotão de fuzilamento. O ideal é não ter nada disso, mas por ora é só um ideal.

Fonte: Valor Econômico

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