quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Um ato jurídico perfeito - Editorial / O Estado de S. Paulo

Em algum momento de 2013, o Supremo Tribunal Federal (STF) oficiará à Mesa da Câmara dos Deputados para que dê curso à decisão da Corte, tomada na segunda-feira, ao término do julgamento do mensalão, de cassar os mandatos dos parlamentares João Paulo Cunha (PT), Pedro Henry (PP) e Valdemar Costa Neto (PR). A decisão alcançará o suplente José Genoino, também do PT, quando assumir. Todos foram condenados por sua participação no escândalo. Àquela altura, depois da publicação do acórdão, resumindo o caso que consumiu 53 sessões plenárias e do exame, em seguida, dos embargos que vierem a ser apresentados pelos defensores dos 25 réus inculpados, o histórico processo chegará efetivamente ao fim, iniciando-se o cumprimento das sentenças.

Bem antes, o atual presidente da Câmara, o petista Marco Maia, terá sido sucedido, ao que tudo indica, pelo peemedebista Eduardo Alves, conforme o revezamento acertado entre os respectivos partidos, os principais da Casa. É de esperar que este não imite o antecessor na contestação politicamente motivada de um ato de incontestável legitimidade do mais alto tribunal do País ao qual a Constituição atribuiu a prerrogativa e o dever de dar a última palavra sobre a aplicação do seu texto. Numa interpretação no mínimo equivocada do mandamento constitucional, ele acusa o Supremo de "interferir" na autonomia do Legislativo, ao determinar que os citados parlamentares sejam destituídos de seus mandatos em consequência das penas recebidas, que acarretam a suspensão automática dos direitos políticos dos condenados.

Maia entende que a cassação, para se consumar, dependeria da concordância da maioria absoluta do plenário, em escrutínio secreto. Não é verdade. Como explicou o ministro Celso de Mello, decano do STF, no seu voto decisivo, a condenação de um parlamentar a mais de quatro anos de prisão produz efeitos incontornáveis. "Não se pode vislumbrar o exercício de mandato parlamentar", sustentou, "por aquele cujos direitos políticos estão suspensos." É fato que, em certas circunstâncias, a Constituição confere à Câmara ou ao Senado a prerrogativa de decidir o destino daquele de seus membros passível de perder a cadeira. Por exemplo, quando sofre condenação criminal, conservando porém os seus direitos políticos - o que faz todo sentido. A Carta deliberadamente deixou de incluir entre as hipóteses de votação casos de perda ou suspensão desses direitos. A omissão, além de lógica, é eloquente.

Bastaria o mero bom senso para caracterizar a situação aberrante de um político preso com o mandato preservado. Em regime fechado, simplesmente não poderia exercê-lo. Em regime prisional semiaberto, como o que tocará ao ex-presidente do PT José Genoino, seria surrealista - e desmoralizante para o Congresso - ele ter de deixar o recinto, a cada sessão, para se recolher ao estabelecimento penal em que deverá pernoitar. Argumenta-se que, apaziguada com a ratificação de sua autonomia, a Câmara acabaria cassando ela própria os mensaleiros. Mas a questão de fundo é outra - a da inviolabilidade do poder decisório do Supremo em matéria constitucional, base do Estado Democrático de Direito brasileiro. Tampouco se pode invocar que as cassações foram aprovadas por um único voto de diferença (5 a 4). Aliás, não tivesse o então ministro Cezar Peluso que se aposentar, a margem seria de 2 votos, a julgar pela única sentença que proferiu, condenando o deputado João Paulo Cunha e privando-o do mandato.

Enquanto a decisão não for revista, se é que isso ocorrerá, no exame dos chamados embargos infringentes que serão interpostos pelos advogados dos réus, ela representa a voz do Supremo - de todo coerente com os veredictos que devolveram a confiança da população na capacidade do Judiciário de punir exemplarmente a corrupção nos círculos dirigentes do País. E isso no âmbito da mais complexa ação penal que o STF já teve de destrinchar ao longo de sua existência. É inconcebível que a Câmara dos Deputados deixe de fazer a sua parte na consolidação institucional da República. O respeito pela Casa não virá de arroubos corporativos de confrontação. E sim do acatamento limpo e sereno de um ato jurídico perfeito.

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