segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

OPINIÃO DO DIA – Obama: “guerra de classe”

"É hora de reduzir o déficit, fazendo com que os mais ricos paguem sua justa parte. Os republicanos dizem que isso é guerra de classes. Eu digo: quem tem mais deve dar mais."

Barack Obama, L'Unità, 22 de janeiro de 2012.

Manchetes de alguns dos principais jornais do Brasil

O GLOBO
Governo federal já tem 22 mil cargos de confiança
Petrobras: mão de ferro com nova presidente
Dissidentes em Cuba querem falar com Dilma
PM entra em choque com sem-teto em SP

FOLHA DE S. PAULO
Irã ataca diplomacia de Dilma
Desocupação causa pânico e destruição no interior paulista
Entrevista da 2ª: William Hague
Aumenta disputa de bancos por ricos brasileiros
Partido discutiu contrato público com empresário antes de licitação

O ESTADO DE S. PAULO
Desembargadores querem reduzir os poderes do Coaf
Prévias do PSDB custarão R$ 400 mil na eleição de SP
Reintegração de posse deixa um ferido e 17 são presos
Consumo de energia elétrica cresce no País
Pela política, Gabrielli pode deixar Petrobras

VALOR ECONÔMICO
Mercado se abre para as captações externas
Gabrielli deve sair da Petrobras
Exército reforça o front virtual
Dilma define os cortes do orçamento

CORREIO BRAZILIENSE
Crescem denúncias de crimes contra a mulher
Dilma, ano 2: presidente quer resultados
Pedras, tiros e fogo em São Paulo
Desrespeito nos aeroportos

ESTADO DE MINAS
Na rota do crescimento

ZERO HORA (RS)
Piratini reaviva projeto de inspeção veicular
Tesoura: Dilma anuncia corte de R$ 70 bi

JORNAL DO COMMERCIO (PE)
Reações opostas à pesquisa

A primavera encontra o inverno :: Mike Davis


Mike Davis, urbanista, ambientalista e historiador americano de formação marxista, é professor da Universidade da Califórnia. Em 2002 ganhou o book prize por late victorian holocausts, não lançado no Brasil. Entre outros títulos, escreveu “Planeta Favela” (Boitempo Editorial) e Cidades Mortas (Editora Record). Este ensaio foi publicado originalmente na The New Left Review

Segundo ato da leva de protestos de 2011 poderá refletir desaceleração e mesmo colapso do crescimento econômico

Nos grandes levantes, as analogias literalmente explodem no ar. Protestos de 2011 que emocionaram o mundo - a Primavera Árabe, os verões quentes na Espanha e na Grécia, o outono dos movimentos Ocupe nos Estados Unidos - inevitavelmente foram comparados aos anni mirabiles de 1848, 1905, 1968 e 1989. Certamente, algumas coisas fundamentais ainda se aplicam e os padrões clássicos se repetem. Os tiranos tremem, as correntes se partem e os palácios são invadidos. As ruas se tornam laboratórios mágicos onde se criam os conceitos de cidadania e de companheirismo, e ideias radicais adquirem repentinamente um poder telúrico. O Iskra (jornal político redigido por emigrantes russos na Alemanha, de cunho marxista) torna-se o atual Facebook. Mas será que o cometa dos protestos persistirá no céu do inverno ou não passará de uma chuva de meteoros rápida e ofuscante? Como o destino das journées revolutionnaires de outrora nos adverte, a primavera é a estação mais curta, principalmente quando os communards combatem em nome de um "mundo diferente", para o qual não existe projeto concreto nem imagem idealizada.

Mas talvez isso venha mais tarde. Por enquanto, a sobrevivência de novos movimentos sociais exige que eles finquem raízes na resistência das massas à catástrofe econômica global, o que, por sua vez, pressupõe - sejamos honestos - que a disposição atual para a "horizontalidade" possa abranger uma "verticalidade" disciplinada para debater e empreender estratégias de organização. A estrada será assustadoramente longa até alcançar os pontos de partida de tentativas anteriores para a construção de um mundo novo. Entretanto, uma certa geração já iniciou corajosamente a jornada.

Será que o agravamento da crise econômica, que está devorando grande parte do mundo, acelerará uma renovação global da esquerda? Os pontos a seguir são conjeturas minhas. Com a finalidade de instigar o debate, são simplesmente pensamentos em voz alta sobre algumas das especificidades históricas dos acontecimentos de 2011 e os resultados que poderão apresentar nos próximos anos. A premissa subjacente é a de que o segundo ato do drama poderá acarretar cenas hibernais, num cenário de colapso do crescimento econômico baseado em exportações nos países do bloco Brics e também da estagnação persistente na Europa e nos Estados Unidos.

1. Pesadelos do capitalismo

Em primeiro lugar, devemos prestar um tributo ao medo e ao pânico do capitalismo. O que era inconcebível apenas um ano atrás, até mesmo para a maioria dos marxistas, agora é o fantasma que assombra as páginas dos editoriais da imprensa econômica: a iminente destruição de boa parte da estrutura institucional da globalização e a erosão da ordem internacional depois de 1989. Existe uma crescente apreensão de que a crise da zona do euro, seguida por uma recessão mundial sincronizada, possa nos fazer voltar ao mundo dos anos 30 com seus blocos monetários e comerciais semiautárquicos, obcecados por ressentimentos nacionalistas. Nesse cenário, a norma hegemônica do dinheiro e da demanda já não existe: os EUA estão demasiado enfraquecidos; a Europa, demasiado desorganizada; e a China, com pés de barro, demasiado dependente das exportações. Até as potências de segundo escalão gostariam de ter a própria apólice de seguro representada pelo urânio enriquecido; guerras nucleares regionais se tornariam uma possibilidade. Muito distante? Talvez, mas também é bizarra a crença nas viagens no tempo para os anos loucos da década de 90. Nossas mentes analógicas simplesmente não conseguem resolver todas as equações diferenciais geradas pela incipiente fragmentação da zona do euro ou consertar uma pane no motor do crescimento da China. Enquanto a explosão em Wall Street, em 2008, foi antecipada por vários especialistas, com maior ou menor precisão, o que agora se aproxima rapidamente está muito além da capacidade de previsão de qualquer cassandra ou de três Karl Marx.

2. De Saigon a Cabul

Se um apocalipse neoliberal está realmente por perto, Washington e Wall Street serão considerados os principais anjos exterminadores, por explodirem ao mesmo tempo o sistema financeiro do Atlântico Norte e o Oriente Médio (e ainda destruíram qualquer chance de frear o desastre climático). As invasões do Iraque e do Afeganistão ordenadas por Bush poderão ser consideradas, numa retrospectiva histórica, atos ditados pela clássica arrogância desmedida: rápidas vitórias por meio de armas modernas e ilusões de onipotência, seguidas por longas guerras de desgaste e atrocidades que ameaçam acabar quase tão mal para Washington quanto a aventura de Moscou com a travessia do Rio Oxus, um quarto de século atrás. Numa das frentes, os Estados Unidos foram bloqueados pelo Taleban, com o apoio do Paquistão, e na outra, pelos xiitas, com o apoio do Irã. Embora ainda presa a Israel, e capaz de encher os céus de drones assassinos ou coordenar um ataque mortífero da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), Washington não conseguiu a garantia de imunidade para as forças americanas no Iraque, limitando o número de tropas num país que constitui o eixo do Oriente Médio. Com os levantes democráticos na Tunísia e no Egito, Obama e Hillary Clinton foram obrigados a aplaudir polidamente a eliminação de dois dos regimes por eles favorecidos.

O óbvio dividendo da retirada - um equilíbrio mais racional do poderio militar e dos objetivos americanos de conformidade com a redução dos recursos fiscais e da influência econômica global - continua refém dos planos mirabolantes de Tel-Aviv ou de uma ameaça mortal ao absolutismo saudita. Embora as vastas reservas de petróleo pesado do Canadá e de xisto betuminoso dos Montes Allegheny possam reduzir diretamente a dependência dos EUA dos campos do Oriente Médio, ainda não são suficientes para libertar a economia americana, como alguns pretendem, dos preços da energia nos mercados mundiais, determinados pela política no Golfo.

3. O 1848 árabe

A revolução política do mundo árabe, que ainda não se concluiu, é de dimensões épicas em sua energia social, uma surpresa histórica comparável a 1848 ou a 1989. A ela se deve a reformulação da geopolítica da África do Norte e do Oriente Médio, que torna Israel um obsoleto posto avançado da Guerra Fria (e portanto mais perigoso e imprevisível do que nunca), permitindo ao mesmo tempo que a Turquia, abandonada pela União Europeia (o que, afinal, não é de todo ruim), reivindique uma influência central em territórios outrora otomanos. No Egito e na Tunísia, os levantes também contribuíram para resgatar o autêntico significado de democracia das versões expurgadas propagadas pela Otan. Paralelos provocadores podem ser traçados com as "revoluções das flores" do passado e do presente. Como em 1848 e 1989, a megaintifada árabe é um levante gerado pela reação contra um sistema autocrático regional, em que o Egito pode ser considerado análogo à França no primeiro caso, e talvez à Alemanha Oriental no segundo. O papel da Rússia contrarrevolucionária é hoje desempenhado pela Arábia Saudita e pelos países do Golfo. A Turquia representa a Inglaterra liberal como modelo regional de parlamentarismo e sucesso econômico moderados, enquanto os palestinos (esticando a analogia até seu ponto de ruptura) constituem uma romântica causa perdida como os poloneses; e os xiitas, indignados forasteiros como eslovacos e sérvios. (O Financial Times aconselhou recentemente Obama a pensar como um "novo Metternich".)

Vale a pena passar rapidamente os olhos pelo volumoso material de Marx e Engels a respeito de 1848 (bem como as interpretações posteriores de Trotski) na tentativa de compreender a mecânica fundamental dessas revoluções. Um exemplo é a convicção de Marx, que acabou cristalizada em dogma, de que na Europa nenhuma revolução - democrática ou socialista - poderia ser bem-sucedida enquanto a Rússia não fosse derrotada numa grande guerra ou passasse por uma revolução interna. Se a substituirmos pela Arábia Saudita, a tese continuará fazendo sentido.

4. Partido do povo

O Islã político está ganhando um mandato popular tão amplo (embora talvez não mais duradouro) quanto o concedido pelos acontecimentos de 1989 aos liberais da Europa Oriental. E nem poderia ser diferente. Nos últimos 50 anos, Israel, os Estados Unidos e a Arábia Saudita - os dois primeiros por meio de invasões e a terceira pelo proselitismo - praticamente destruíram a política secular no mundo árabe. Na realidade, com o fim inevitável do último baatista em seu bunker de Damasco, os grandes movimentos políticos pan-árabes dos anos 50 (nasserismo, comunismo, baatismo, Irmandade Muçulmana) terão sido reduzidos à Irmandade e a seus rivais wahhabis.

A Irmandade, principalmente em seu berço egípcio, é a última solteirona dos movimentos políticos, depois de esperar mais de 75 anos para assumir o poder, apesar do apoio maciço de que desfruta ao longo do Nilo, estimado em vários milhões já no fim dos anos 40. A persistência desse veterano movimento político multinacional em pelo menos cinco países árabes constitui também uma das principais diferenças entre o levante de 2011 e os precedentes europeus. Tanto em 1848 e em 1989, os movimentos democráticos populares possuíam uma organização política apenas embrionária. Na realidade, em 1848 não existia praticamente nenhum partido político de massa no sentido moderno, fora dos Estados Unidos. Por outro lado, em 1989-91 o vácuo deixado pela organização política e pelo conhecimento das relações internacionais foi rapidamente preenchido por um grupo de conservadores alemães e comissários de Wall Street, que afastaram a maior parte das verdadeiras lideranças populares.
Em contraposição, a Irmandade Muçulmana foi aparecendo sem estardalhaço como uma esfinge no cenário egípcio. Suas amplas organizações de fachada, operando na semilegalidade, criaram impressionantes elementos de um Estado alternativo que incluem as redes assistenciais cruciais para os pobres. As listas dos seus mártires (como o "Lênin islâmico" Sayyid Qutb, assassinado por Nasser em 1966) são tão conhecidas entre os egípcios mais observantes quanto as listas dos reis para os ingleses ou dos presidentes para os americanos. Apesar de sua imagem assustadora no Ocidente, ela evoluiu até abraçar aspectos do islamismo mais preocupado com o livre mercado, representado pelo Partido da Justiça e do Desenvolvimento na Turquia.

5. O 18 Brumário do Egito?

Entretanto, como demonstrou vividamente o primeiro turno das eleições parlamentares do Egito, a Irmandade Muçulmana não pode mais declarar-se a representante exclusiva da religiosidade popular. O fato de o Partido salafista Al-Nour provisório obter, ao que se calcula, 24% dos votos (em comparação aos 38% da Irmandade) destaca a turbulência existente nas bases populares da sociedade egípcia. Na realidade, embora os salafistas tenham preferido abster-se inicialmente da revolução de 25 de janeiro, talvez agora constituam a maior organização de quadros do mundo sunita. Seguindo as pegadas da Irmandade Muçulmana, e consideravelmente subsidiados por Riad, eles cultivam um nefasto conflito com os coptas e os sufis. O equilíbrio de poder entre os dois campos islâmicos provavelmente será decidido neste ano pelo preço do pão e pela política do Exército. Se a Irmandade tivesse chegado ao poder mais cedo, na década passada, o crescimento global teria sido fortalecido pelo apelo e pela possibilidade do caminho turco. Mas como todos os sinais apontam agora para a crise, o paradigma de Ancara (como o modelo brasileiro na América do Sul) poderá acabar perdendo seu sucesso econômico e seu considerável apelo regional.

Por outro lado, a imagem pública salafista - incorruptível, antipolítica e sectária - será automaticamente atraída por uma maior miséria e pelas eventuais ameaças ao Islã. Alguns elementos das Forças Armadas egípcias indubitavelmente já analisaram a "opção palestina" de uma tácita ou formal aliança com os salafistas. Existem circunstâncias que podem oferecer de antemão o seguinte cenário: a persistente resistência dos generais a uma transferência substantiva do poder; a incapacidade da Irmandade Muçulmana de atender às mínimas expectativas populares de bem-estar econômico; ou o fato de a coalizão liberal de esquerda tornar-se o árbitro das maiorias parlamentares. (Israel, por sua vez, poderia desestabilizar a democracia egípcia com um único ataque aéreo. Como reagiriam os partidos sunitas a um ataque contra o Irã?)

Nessa eventualidade, a esquerda egípcia estuda o 18 Brumário desde Nasser. Conhece profundamente questões como plebiscitos, lumpenproletariat, governantes napoleônicos e sacos de batatas. Seus grupúsculos e redes, aliados aos trabalhadores e aos jovens de todas as denominações políticas, foram fundamentais para a revolução de 25 de janeiro, e para a nova ocupação da Praça Tahrir, em novembro. Poderá um governo de maioria islâmica garantir o direito da nova esquerda e dos sindicatos independentes de se organizarem? Essa será a prova de fogo da democracia egípcia.

6. Colapso mediterrâneo

Enquanto isso, o sul da Europa enfrenta a mesma devastação por ajuste estrutural que a América Latina experimentou nos anos 80. As ironias são terríveis. Apesar de o centro-norte europeu ter desenvolvido um caso repentino de amnésia aguda, alguns anos atrás a imprensa financeira estava elogiando a Espanha, Portugal e até a Grécia (além da Turquia, fora da UE) por suas competências na redução dos gastos públicos e elevação das taxas de crescimento. Logo em seguida ao colapso de Wall Street, os temores da UE se centraram principalmente na Irlanda, Báltico e Leste Europeu. O Mediterrâneo como um todo era percebido como relativamente bem protegido do tsunami financeiro que cruzava o Atlântico com velocidade supersônica.

De sua parte, o Mediterrâneo árabe teve pouca participação nos circuitos trombóticos de investimento de capital e trading de derivativos, e por isso teve uma exposição direta mínima à crise financeira. O sul da Europa, por sua vez, tinha governos em geral obedientes e, no caso da Espanha, bancos fortes. A Itália era simplesmente grande e rica demais para quebrar, enquanto a Grécia, apesar de incômoda, era uma economia liliputiana (meros 2% do PIB da UE) cujas traquinagens pouco ameaçavam os brobdingnagianos. No entanto, uma defesa mais plausível poderia ser feita de que é o sucesso alemão que está realmente causando a ruína da zona do euro. Com sua mão de obra barata no leste, suas vantagens de produtividade incomparáveis e seu fanatismo de tipo chinês sobre enormes superávits comerciais, a Alemanha compete com vantagens de sobra com seus irmãos de euro no sul da Europa. A UE como um todo, por sua vez, tem seu maior superávit comercial relativo com a Turquia e com Estados norte-africanos não produtores de petróleo (US$ 34 bilhões em 2010), assegurando sua dependência de remessas de fora, turismo e investimento estrangeiro para equilibrar as contas. Por conseguinte, o Mediterrâneo inteiro está agudamente sensível aos movimentos cíclicos da demanda e às taxas de juros na UE, enquanto Alemanha, França, Grã-Bretanha e os outros países ricos do norte fazem mercados secundários servir de amortecedores de choques.

O euro é a caixa de redução dessa economia Grosseuropäische de múltiplas velocidades. Para a Alemanha, o euro funciona como um marco alemão simplificado que, por ser menos vulnerável a uma valorização súbita, assegura uma precificação competitiva para as exportações alemãs enquanto subtrai pouco do poder de veto de facto de Berlim dentro da economia da UE. Para os sul-europeus, por outro lado, ele é uma barganha faustiana que atrai capital nos bons tempos, mas os leva a abdicar do uso de ferramentas monetárias para combater déficits comerciais e desemprego nos tempos ruins.

Agora que a varíola ibérica e helênica infectou a Itália e ameaça a França, uma visão de amor real da Euroeuropa está surgindo de Berlim e Paris: integração fiscal via revisão de tratado. Depois de perderem o controle da política monetária e terem sido obrigados a desfolhar seus setores públicos sob a supervisão de técnicos da UE e do FMI, os países devedores ainda estão sendo solicitados a aceitar um veto permanente franco-alemão sobre seus orçamentos e gastos públicos. No século 19, a Grã-Bretanha enviou com frequência suas canhoneiras para impor essas tutelas a países inadimplentes da América Latina ou da Ásia. Os Aliados sujeitaram a Alemanha da mesma maneira em Versalhes, e com isso semearam o Terceiro Reich.

Seja por submissão a Sarkozy-Merkel ou por default e saída da zona do euro (e, talvez, da UE), as economias mediterrâneas estão sendo sentenciadas a anos de cruel hiperdesemprego. Mas suas populações não vão aceitar mansamente esse boa-noite. Portugal e Grécia, tendo chegado mais perto de verdadeiras revoluções sociais nos anos 70, preservam as culturas de esquerda mais sólidas da Europa. Na Espanha, o novo governo conservador representa um amplo e convidativo alvo para uma renascente esquerda unida e ao muito maior, mas ainda amorfo, movimento de protesto da juventude. Aliás, as brasas do anticapitalismo provavelmente serão reacendidas por toda a Europa. Mas a direita anti-imigrantes e anti-Bruxelas pode ganhar bem mais que a esquerda com a ruptura da zona do euro e a formação de um círculo com os vagões da UE em torno do centro. Como no caso dos salafistas do Egito ou do Tea Party nos Estados Unidos, os partidos da nova direita europeia têm políticas de identidade e furor de criar bodes expiatórios para pronta entrega. Uma ambição extraordinária para a esquerda anticapitalista na Europa Ocidental seria a reocupação do espaço político mantido pelos comunistas por 30 anos após 1945. Os movimentos liderados por Marine Le Pen e Geert Wilders, por outro lado, têm esperanças razoáveis de se mostrarem um sério desafio às muito maiores e mais bem financiadas agremiações conservadoras em suas políticas nacionais. A tomada pela extrema direita do Partido Republicano nos Estados Unidos lhes oferece um modelo inspirador.

7. Motor de revolta

As rebeliões universitárias de 1968 na Europa e nos Estados Unidos foram espiritual e politicamente alimentadas pela Ofensiva do Tet no Vietnã, as insurgências guerrilheiras na América Latina, a Revolução Cultural chinesa e os levantes dos guetos nos EUA. Da mesma maneira, os indignados do ano passado extraíram sua força primordial dos exemplos de Túnis e Cairo (os vários milhões de filhos e netos de imigrantes árabes no sul da Europa tornam essa conexão intimamente vívida e militante). Por conseguinte, jovens passionais na faixa dos 20 anos agora ocupam praças dos dois lados do Mediterrâneo fundamental de Braudel. Em 1968, porém, poucos dos jovens brancos que protestavam na Europa (com a importante exceção da Irlanda do Norte) e nos Estados Unidos compartilhavam as realidades existenciais de seus congêneres em países do Sul. Mesmo se profundamente alienada, a maioria podia esperar transformar sua formação universitária em carreiras afluentes de classe média. Hoje, ao contrário, muitos dos manifestantes em Nova York, Barcelona e Atenas enfrentam perspectivas dramaticamente piores que as de seus pais e mais próximas das de seus congêneres em Casablanca e Alexandria. Alguns dos ocupantes do Parque Zuccotti, se tivessem se formado dez anos antes, poderiam ter saído da universidade direto para salários de US$ 100 mil anuais num fundo de hedge ou banco de investimento. Hoje eles trabalham na Starbucks.
Globalmente, o desemprego de adultos jovens atingiu níveis recordes, segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT) - entre 25% e 50% na maioria dos países com protestos puxados por jovens. De mais a mais, no cadinho norte-africano da revolução árabe um diploma universitário é inversamente proporcional à probabilidade de emprego. Também em outros países o investimento familiar em educação, quando a dívida assumida é considerada, paga dividendos negativos. Ao mesmo tempo, o acesso à educação superior se tornou mais restrito dramaticamente nos EUA, Grã-Bretanha e Chile.

8. Filas do sopão

A crise econômica combina a deflação de ativos populares (os valores das casas e, com eles, do capital familiar nos EUA, Irlanda, Espanha) com forte inflação de itens essenciais para o custo de vida, em especial, combustíveis e alimentos. Na teoria clássica, quando se espera que tendências de preço amplas caminhem em sincronia com o ciclo econômico, essa é uma bifurcação incomum. Na realidade, ela pode ser ainda mais assustadora. A crise das hipotecas nos Estados Unidos e alhures é parte da crise financeira mais geral e, ou será resolvida por intervenção do governo ou pela simples destruição das pretensões de valorização. O preço básico do petróleo bruto, por sua vez, pode cair à medida que a Ásia industrial desacelere e os níveis de produção aumentem no Iraque. O debate sobre o pico da produção de petróleo me parece indeterminável e interminável. Mas os preços dos alimentos parecem estar subindo como uma tendência secular, determinada por forças em grande parte externas à crise financeira e à desaceleração industrial. Aliás, um coro crescente de vozes de especialistas vem advertindo, desde o início dos anos 2000, que o sistema global de segurança alimentar está em colapso. Causas múltiplas se alimentam e se ampliam mutuamente: desvio de grãos para a produção de carne e biocombustíveis; corte neoliberal de subsídios a alimentos e à sustentação de preços; especulação desenfreada em futuros de safras e terras agrícolas de primeira; subinvestimento em pesquisa agrícola; preços voláteis da energia; exaustão de solos e esgotamento de aquíferos; secas e mudanças climáticas; e assim por diante. Na medida em que um crescimento mais lento reduzirá algumas dessas pressões (chineses comendo menos carne, por exemplo), o puro impeto do aumento populacional - outros 3 bilhões de pessoas no tempo de vida dos manifestantes de hoje - manterá as pressões do lado da demanda (as culturas geneticamente modificadas foram promovidas como uma solução milagrosa, é claro, mas mais provavelmente para os lucros do agronegócio que para colheitas líquidas).

"Pão" foi a primeira reivindicação dos protestos na Praça Tahrir, e a palavra ecoa na Primavera Árabe com quase igual intensidade que no outubro russo. As razões são simples: os egípcios comuns, por exemplo, gastam cerca de 60% de seu orçamento familiar em petróleo bruto (aquecimento, cozinha, transporte), farinha, óleos vegetais e açúcar. Em 2008, os preços desses produtos básicos subiram repentinamente 25%. A taxa de pobreza oficial no Egito aumentou abruptamente em 12%. Aplique-se a mesma proporção a outros países de "renda média" e a inflação dos produtos de consumo básicos eliminará uma fração substancial da "classe média emergente" do Banco Mundial.

9. Esperando a China pousar

Marx culpou a Califórnia - a Corrida do Ouro e seu resultante estímulo monetário ao comércio mundial - pelo encerramento prematuro do ciclo revolucionário dos anos 1840. Logo depois de 2008, os países do chamado Brics se tornaram a nova Califórnia. O dirigível Wall Street caiu do céu e se espatifou na terra, mas a China continuou voando, com Brasil e Sudeste Asiático em formação cerrada. Índia e Rússia também conseguiram manter seus aviões no ar. A levitação resistente dos Brics causou espanto em consultores de investimento, colunistas de economia e astrólogos profissionais - que proclamavam que a China, ou a Índia, agora poderia segurar o mundo com uma mão, ou que o Brasil em breve ficaria mais rico que a Espanha. Sua credulidade eufórica decorria, é claro, de uma ignorância das soberbas técnicas de prestidigitação usadas pelos houdinis do Banco do Povo da China. A própria Pequim, em forte contraste, há muito manifestou temores significativos sobre a excessiva dependência do país de exportações, a ineficiência do poder de compra das famílias e a existência de uma escassez de moradias a preços acessíveis lado a lado com uma imensa bolha imobiliária.

No fim do ano passado, os artigos de fé dos otimistas da China de repente encolheram nas páginas editoriais e o cenário de "pouso acidentado" se tornou o preferido dos apostadores. Ninguém sabe, nem mesmo a liderança chinesa, por quanto tempo mais a economia pode continuar voando em face dos ventos contrários globais. Mas a inevitável lista de baixas de passageiros estrangeiros já foi compilada: América do Sul, Austrália, boa parte da África e a maior parte do Sudeste Asiático. E - de particular interesse - a Alemanha, que hoje comercia mais com a China que com os Estados Unidos. Evidentemente, uma recessão global totalmente triangulada é precisamente aquele pesadelo não linear ao qual aludi no começo. É quase uma tautologia observar que, em países do bloco Brics, onde as expectativas populares de progresso econômico foram recentemente alçadas tão alto, a dor da "repauperização" pode ser intolerável. Milhares de praças públicas podem pedir para ser ocupadas, incluindo uma chamada Tiananmen (da Paz Celestial).

Pós-marxistas ocidentais - vivendo em países em que o tamanho absoluto ou relativo da força de trabalho industrial encolheu dramaticamente na última geração - matutam preguiçosamente sobre se a "agência proletária" está ou não obsoleta agora, obrigando-nos a pensar em termos de "multidões", espontaneidade horizontal, o que for. Mas esse não é um debate na grande sociedade em industrialização que Das Kapital descreve ainda mais precisamente que a Grã-Bretanha vitoriana ou a América do New Deal. Os 200 milhões de operários fabris, mineiros e trabalhadores da construção chineses são a classe sob maior risco do planeta (perguntem ao Conselho de Estado em Pequim). Seu pleno despertar da bolha ainda poderá determinar se uma Terra socialista ainda é possível ou não.

Tradução de Ana Capovilla e Celso Paciornik

FONTE: ALIÁS/O ESTADO DE S. PAULO

Capitalismo em crise :: Rubens Ricupero

Será ele capaz de preservar a primazia ante o desafio de um capitalismo industrial mais vigoroso, o da China?

É sintomático da perplexidade contemporânea que seja o "Financial Times", bastião da ortodoxia, e não um jornal de esquerda que tenha tido a ideia de publicar uma série sob o título acima. O paradoxo não escapou a um dos colaboradores do jornal, para o qual a incapacidade da esquerda de capitalizar em cima da crise financeira demonstraria que, depois do colapso do comunismo real, não seria mais possível propor alternativa ao sistema atual.

O valor principal dos artigos não está na originalidade ou profundidade das análises. As matérias não passam de variações em defesa do status quo, revisto e melhorado por reformas de seus mais aberrantes defeitos. Uma síntese do sentido geral dos comentários é o do ex-assessor do presidente Obama, Larry Summers, cuja coautoria nos erros conducentes à crise não se discute. Segundo ele, a solução se encontraria em "pequenas reinvenções", não em questionamentos radicais. Ou, como reza o título de outro artigo, "O capitalismo morreu. Viva o capitalismo!"

A série se inspirou na preocupação com a crise de legitimidade do sistema. A escandalosa concentração de riqueza e de renda já alarmava antes os mais perceptivos. Para a maioria, no entanto, a eficácia passada do capitalismo em gerar prosperidade agia como um narcótico que amortecia a consciência da injustiça. Esta se torna insuportável na medida em que deixa de ser compensada por resultados palpáveis.

O exemplo do editorial introdutório é significativo. Nos últimos 30 anos, o salário dos dirigentes das cem maiores empresas saltou de 14 a 75 vezes mais do que o salário mediano, sem que, frisa o jornal, essa diferença se justificasse por qualquer desempenho correspondente. No fundo, a moral dos autores não é melhor do que a da nomenclatura chinesa: não há problema com a desigualdade e a injustiça em si mesmas; elas são condenáveis apenas quando o sistema se torna disfuncional na capacidade de gerar crescimento.

O corolário tácito é que a deslegitimação do sistema capitalista se dissipará naturalmente quando tudo voltar ao normal. Nesse ínterim, como se ignora quanto tempo teremos de esperar, conviria acalmar os indignados com alguma atenuação dos piores excessos. Isso, é claro, se os beneficiários de remuneração obscena aceitarem entrar no jogo de sacrificar um ou outro anel a fim de salvar os dedos.

Que incentivo teriam eles para tanto se sabem que os dedos nada têm a temer de uma esquerda desmoralizada e cabisbaixa?

Não obstante essas limitações, o mérito da série é de propor reflexão que se estende além do episódico, do sobe e desce das Bolsas e das oscilações da crise europeia. O que falta é aprofundar a análise, não só dos valores morais afetados, mas de questões que tocam na própria sobrevivência do capitalismo financeiro ocidental tal como existe. Podia-se começar pelas perguntas: terá esse sistema, sem reformas profundas, a capacidade de voltar a gerar taxas de crescimento capazes de absorver o desemprego estrutural e de assegurar o regime social de bem-estar? Será ele capaz de preservar a primazia ante o desafio de um capitalismo industrial mais jovem e vigoroso, o da China?

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

O peso do PMDB:: Ricardo Noblat

"O governo federal virou as costas para a Saúde" (Senador Aécio Neves, PSDB-MG)

Que houve? Agenda cheia? Esquecimento? Descortesia calculada? Ou indo além: simplesmente desprezo? Michel Temer, 71 anos, vice-presidente da República, foi operado no último dia 3 no Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em São Paulo, para a retirada de pedras da vesícula. Sabe o grau de atenção que lhe dedicou a presidente Dilma? Grau zero.

Temer ficou três a quatro dias no hospital. Depois foi para sua casa na capital paulista. Enquanto se recuperava para voltar ao Palácio do Lago Paranoá, em Brasília, Dilma esteve duas vezes em São Paulo. Não o visitou. O mais formidável: não lhe deu um único telefonema.

Na terça-feira passada, o nome de Temer apareceu na agenda oficial de audiências concedidas por Dilma. Não foi a primeira vez que ela o recebeu. Foi a primeira vez que o nome dele ganhou espaço na agenda. Para que? Para sugerir que Temer seria ouvido sobre a reforma ministerial.

Era só o que faltava! Temer usufrui o que o ex-general Ernesto Geisel, o penúltimo presidente da República do regime militar de 1964, chamou de "as miçangas do poder" - mas é só. Dê-se por satisfeito. Seu papel é decorativo e protocolar. Não participa de decisões relevantes - fica sabendo delas.

Dilma comunicou a Temer que a reforma se limitaria à substituição de Fernando Haddad por Aluizio Mercadante no Ministério da Educação - e de Mercadante por um técnico no Ministério da Ciência e tecnologia. Lula fez Haddad ministro de Dilma. Tirou-o para disputar a prefeitura de São Paulo.

Não foi a reforma dos sonhos de Dilma. Nem a dos partidos. Dilma sonhou com uma reforma que implicasse a troca de ministros, a extinção pura e simples de alguns dos atuais 38 ministérios e a fusão de outros. Acabou forçada a demitir por antecipação seis ministros envolvidos com malfeitos.

Por fim, Lula (sempre ele) deteve a mão de Dilma antes que ela baixasse com o cutelo sobre o pescoço de outros auxiliares. Que diabo você imaginava lazer, Dilminha? Um assassinato em massa? Queria acabar abandonada pelos partidos reunidos com tanto trabalho para apoiá-la?

O PT quis emplacar o sucessor de Mercadante no Ministério da Ciência e Tecnologia. Aí foi Dilma que não deixou e emplacou seu próprio candidato. Dilma quis trocar Mário Negromonte, ministro de Cidades da cota do PP, por Márcio Fortes, seu queridinho. Aí foi o PP que não deixou.

Partido algum desejou tanto a reforma quanto o escaldado PMDB, dona da segunda maior bancada de deputados federais e da primeira de senadores. O PT exibe um plantel de 13 ministros. O PMDB, de cinco - Agricultura, Minas e Energia, Previdência, Turismo e Assuntos Estratégicos.

Os cinco valem pouquíssimo. Nenhum faz política pública capaz de mudar a vida das pessoas. Ou melhor: a de Minas e Energia faz. O ministro, ali, é Edison Lobão, senador do PMDB do Maranhão. Mas o ministério é feudo de Dilma. Porque sabe disso, Lobão se dá bem com ela e sobrevive.

A maioria dos ministros não se dá bem com Dilma. Correção: Dilma não se dá bem com a maioria dos ministros. Prefere governar com os secretários-gerais dos ministérios - parcela expressiva deles escolhida por ela. Dilma escalou no mínimo quatro dos cinco secretários de ministérios do PMDB.

Cresce de forma velada a chiadeira de políticos e de partidos com a presidente. E até o PT não deixa de chiar pelos cantos. Afinal, quem gosta de ouvir desaforos? Quem tolera ser humilhado? Quem se conforma em ser mantido à distância? Nem mesmo Luiza, que estava no Canadá.

Consequências? Por enquanto nenhuma. Que Dilma continue tocando tudo ao seu modo - desde que Lula concorde, naturalmente. Com a economia nos trinques, o brasileiro está bestificado. E a popularidade de Dilma sobe como um foguete. Mais adiante ...

O PMDB se dividirá. Outros partidos abandonarão a governo. E a eleição de 2014 talvez não seja tão fácil para o PT como foi a mais recente.

FONTE: O GLOBO

Dedo opositor:: Melchiades Filho

O confronto entre PM e moradores, ontem no Vale do Paraíba, desafia a atitude algo acomodatícia do PT em relação ao governo Alckmin -e outros adversários.

Se virou lugar-comum dizer que os tucanos, acuados pela popularidade de Lula e Dilma, desistiram do embate político, é fato que, onde poderia ou deveria fazer oposição, o PT anda pouco belicoso também.

Cálculo e cautela imperam no partido que se formou na estridência. A prioridade é o "projeto nacional": preservar ou ampliar a coalizão que "dá governabilidade" a Dilma, replicando-a onde possível.

Assim, por ordem expressa de Lula, a legenda discute aliança com Gilberto Kassab (PSD), depois de anos de recriminações à gestão "higienista" do prefeito de São Paulo.

Assim, no Estado, o PT passou a modular as críticas ao governador, tão paparicado pela presidente. Interessa não fechar as portas ao voto Dilmalckmin daqui a dois anos?

Logo após o vexame na eleição de 2010 em Minas, a sigla prometeu buscar a Prefeitura de Belo Horizonte. Agora, fala em renovar o pacto de não-agressão com o PSDB.

Em Alagoas, grampos da polícia indicam que tucanos desviaram dinheiro público para quitar despesas eleitorais. Mesmo assim, nada de o petismo se mexer para destituir o governador Teotonio Vilela Filho.

Tome-se o caso do Rio. Não existe no país quem privatize tantos serviços públicos quanto o PMDB local. O PT não só se cala. Para não melindrar o parceiro nacional, cometerá o gesto inédito de abdicar da eleição à prefeitura da capital.

Isso sem falar da famosa intervenção no diretório maranhense, a fim de proteger a família Sarney.

Os recuos são, claro, táticos. Aqui e ali o PT ainda bate firme. A campanha municipal acirrará ânimos e delimitará campos. Mas tudo no partido está hoje programado para esfriar o noticiário. O problema é que notícia não se programa.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

A falta que o PT nos faz:: Renato Janine Ribeiro

O PT está fazendo muita falta ao Brasil: na oposição... Dizendo isso, não estou criticando - aliás, nem elogiando - seu governo; só constato que desde 2003, quando ele ganhou as eleições para a Presidência da República, não tivemos mais oposição digna desse nome. Mas, na verdade, pode ser que em quase dois séculos de história independente tenhamos tido apenas dois ou três partidos que realizassem uma significativa oposição democrática. Dois: o MDB (depois, PMDB), no período de 1965 a 1985, e o PT, de sua fundação até 2002. Talvez três, se incluirmos o pequeno Partido Democrático, no final da República Velha e com atuação restrita a São Paulo.

Tivemos outras oposições, mas não foram significativas e, quando o foram, não foram democráticas. Em nosso primeiro século de vida independente, as eleições foram manipuladas (no Império) ou fraudadas (na República Velha). Na Primeira República, dominada pelas oligarquias, só dava para enfrentá-las de armas na mão - daí, a interminável guerra civil do Rio Grande do Sul, a mais breve no Ceará e a rebelião de Princesa, em 1930, na Paraíba. Nosso primeiro período democrático, de 1945 a 1964, teve um partido significativo de oposição, a UDN, mas desde o suicídio de Getúlio Vargas, em 1954, ela tendeu ao golpismo, largando suas iniciais intenções democráticas. Só em 1965 surge nosso primeiro grande partido democrático, o Movimento Democrático Brasileiro, que reunirá as oposições à ditadura, mas tardará 20 anos a pôr-lhe fim.

O MDB (desde 1980, PMDB) marca uma mudança na história do Brasil. Enfrentou a ditadura, mas com métodos e ideais da democracia. Adotou uma política de alianças, reunindo de tudo, inclusive gente pouco digna, mas sob a liderança de nomes notáveis, como Ulysses Guimarães. Praticou, assim, o diálogo. Sua moderação, embora incomodasse a vários, assegurou aos radicais um guarda-chuva protetor. Teve sucesso, pois seu trabalho de formiga concorreu seriamente para o fim da ditadura; e não o teve, já que após 1985 se converteu, rápido demais, em partido fisiológico. Mas sua história merece respeito.

Nosso segundo partido democrático também demorou duas décadas para chegar à Presidência. O PT conseguiu uma façanha admirável: uniu os descontentes de esquerda, somando ideais até divergentes num propósito comum, e o fez com muito trabalho (este é meu ponto, aqui: não se faz oposição sem suar). Esses dois partidos verteram muitíssimo suor, um tanto de sangue e provavelmente muitas lágrimas. No caso do PT basta pensar, primeiro, nos mortos do partido ou próximos a ele, em lutas de sem-terra e outros perseguidos. Eldorado do Carajás marcou um corte nítido entre os petistas e os tucanos, pois era do PSDB o governador do Pará, quando sua polícia massacrou os sem-terra, em 1996. Pensemos, segundo, nas ações petistas que exigiram disciplina e trabalho, como a Caravana da Cidadania. Tudo isso rendeu frutos, desde 2002.

O que falta à oposição atual, para se tornar significativa e ao mesmo tempo agir nos quadros da democracia? Antes de mais nada, a disposição a dar o sangue (em sentido figurado) ou, em sentido literal, a suar de tanto trabalho. Infelizmente, isso mal se vê. Uma dirigente da Associação Nacional de Jornais disse há dois anos que, na falta de uma oposição consequente, a grande imprensa assumiu o papel de opositora. A frase é infeliz, porque o compromisso da imprensa não é fazer oposição, mas dizer a verdade - ideal nada fácil, mas que não se pode abandonar - porém expressa uma triste realidade: o PSDB terceirizou o papel de se opor. Ele o delegou a alguns jornais e revistas que, por preguiça, preferiram o caminho fácil dos escândalos ao mais difícil de um monitoramento sério das ações de governo (e da oposição).

Será também uma certa preguiça a principal razão para a inércia da assim chamada oposição? Suas duas vertentes, o PSDB e em menor medida os verdes, parecem acreditar que basta ter razão para atingir o poder. Mas na política o fundamental não é ter razão, é convencer. Apostar tudo na ideia de que temos razão nos faz acreditar que quem pensa de outro jeito é patife ou, na melhor das hipóteses, ignorante - o que é um desrespeito ao soberano na democracia, o povo. Vejam, nas redes sociais, o desdém de alguns simpatizantes da oposição pela maioria de pobres. Mas não dá para fazer oposição preguiçosa. Pensemos na história dos tucanos. O PSDB, desde que nasceu, em 1988, esteve perto do poder. Alguns de seus grandes nomes foram ministros de Collor, e o próprio partido por pouco não o apoiou. Em 1994, a escolha pessoal de Itamar Franco, quase no estilo do PRI mexicano, levou Fernando Henrique à Presidência - mas qualquer nome, no bojo do Plano Real, ganharia as eleições daquele ano.

FHC é alguém especial. Ele soube converter a fortuna em virtù, para usar os termos de Maquiavel, isto é: converteu a sorte em capacidade própria. Mas perdura o fato de que o PSDB não parece disposto a suar na oposição. Isso é pena. Se ele não fizer suas caravanas da cidadania, se seus militantes não se esfalfarem, se seus líderes continuarem esperando que o poder lhes caia nas mãos, nunca serão oposição de verdade. Ora, numa democracia, para um partido se tornar governo, é preciso primeiro fazer oposição. Não sendo assim, só com sorte. É como se o partido esperasse que a imprensa de oposição faça por ele, nas próximas eleições, o que Itamar fez em seu tempo: dar-lhe o poder de presente. Mas, para nossa maturidade democrática, precisamos de uma oposição que trabalhe, lute, em suma, repetindo-me mais uma vez: que dê seu suor pela política.

Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

Borrasca ou tempo de bonança :: Paulo Brossard

Passado o primeiro ano, a senhora presidente apresenta de seu governo um perfil pelo menos estranho e de certa maneira original, seis ministros foram alijados, menos um, porque suposta ou confirmadamente envolvidos em situações nebulosas, e mais dois que, para colocá-los a salvo de qualquer investigação, nem mais nem menos que por ela mesma, foram oficial e publicamente "blindados!", para repetir a expressão adotada pelo Planalto. Concomitantemente, começou a falar-se em reforma ministerial. Sejam quais forem, as reformas podem ser oportunas e até necessárias, anódinas ou inconvenientes, senão funestas; entre nós, muitas não passaram de expedientes, ora para esconder uma realidade, ora para distrair o público e depois de muito falar nelas, dá-las como findas mediante simples mudança de nome da coisa reformada. Pode parecer pilhéria, mas é um expediente tão relevante que poderia ser tema de uma tese acadêmica.

Pois após as sucessivas revelações de supostas ou comprovadas irregularidades ou robustas ilicitudes envolvendo altas figuras oficiais, foi lançada no mercado das novidades milagreiras a reforma do ministério. Seria ampla, mas sem demora, e antes dela começar virou em reforma fatiada, de gota a gota. No juízo de muitos, a variação é pelo menos judiciosa, pois não se reforma um ministério de quase 40 membros em meia dúzia de meses, contando e pesando criteriosamente os méritos e deméritos de cada um; afinal, uma reforma de verdade há de ser feita para valer, ou seja, bem feita, e já se disse filosoficamente que o tempo se vinga do que é feito sem a sua colaboração; daí por que a reforma há de fazer-se sem pressa.

Mas nunca falta um espírito zombeteiro a lembrar fato esclarecedor.

Pois não é que alguém se lembrou da tentativa de compra de um suposto dossiê capaz de liquidar o bom nome de candidato rival à Presidência da República, tendo o Hotel Ibis de São Paulo como cenário da operação, preço ajustado e de contado? Contudo, a fraude seria manifesta, o grupo se dispersou rapidamente e no hotel ficou a soma de R$ 1,7 milhão, até que alguém, decorrido algum tempo, recolheu o dinheiro. Afirma-se que no centro da operação encontrava-se o novo ministro da Educação. E assim começou a reforma regeneradora de fatia em fatia, para festejar o primeiro aniversário da presidência. Enquanto isso, ouvem-se cada vez mais próximos os avisos de borrasca e não será por desfastio que o presidente Obama cortou US$ 450 bilhões nos próximos 10 anos e outros tantos podem ser cortados pelo Congresso; outrossim, o FMI quer US$ 500 bilhões para socorrer apenas países europeus; não é preciso dizer mais.

Enquanto isso, nossos dirigentes parecem ouvir somente a contínua voz das ondas, como se tudo fosse mar bonança, no entanto, o país é tomado por um processo macabro de endividamento generalizado, em virtude do qual mais de metade se encontra perigosamente em estado falencial. O crack, no caso, é o cartão de crédito; não é o único, mas o mais expressivo; é uma beleza, está sempre à disposição de seu possuidor, dia e noite, útil ou feriado; ocorre que o juro é mortal, como o crack. A taxa mensal anda pela casa dos 10%, enquanto o patamar do anual vai além de 230%. Esqueci-me de dizer que os lucros dos bancos vêm sendo astronômicos, e o governo dos pobres nada vê. Isso não pode terminar bem.

*Jurista, ministro aposentado do STF

FONTE: ZERO HORA (RS)

Aécio Neves: Oportunidade perdida

Volto aqui ao tema da emenda 29, cuja regulamentação acaba de ser sancionada pela presidente Dilma Rousseff com um desfecho frustrante para uma iniciativa que levou mais de uma década tramitando no Congresso Nacional.

Um dos artigos vetados na sanção previa mais recursos para a saúde sempre que houvesse ganhos para a União, a partir da revisão positiva do PIB nominal. Antes, a base governista já havia impedido que o governo contribuísse com pelo menos 10% da sua receita, o que teria significado mais R$ 31 bilhões para o setor no ano que passou.

Já os Estados e os municípios tiveram fixados seus pisos mínimos de investimento de 12% e 15% de suas receitas, respectivamente. A situação é ainda mais grave diante da regressiva participação financeira federal nas despesas da área há vários anos, e, como consequência, o aumento da parcela de Estados e municípios.

A União se eximiu, assim, da sua responsabilidade, deixando para governadores, prefeitos e para as famílias brasileiras o ônus pelo equacionamento dos problemas do setor.

Levantamento do Ibope, feito para a CNI (Confederação Nacional da Indústria), mostrou que 95% da população reivindica mais recursos para a saúde e 82% avaliam que esses recursos podem ser obtidos sim, não criando impostos, mas pondo um fim aos desvios da corrupção.

O governo federal descartou uma oportunidade histórica de criar as bases para que pudéssemos enfrentar, de forma definitiva, o desafio da saúde. Esse é um exemplo concreto de oportunidade perdida, de agenda mais uma vez adiada. Em vez de demonstrar comprometimento com a questão, recuou o máximo que pôde.

Cabe agora à oposição tentar derrubar no Congresso os vetos feitos pela presidente à regulamentação da emenda 29, mesmo diante do rolo compressor da base governista. Esse episódio tira a máscara daqueles que sempre fazem muito alarde sobre si mesmos como detentores do monopólio de defesa dos mais pobres. Na verdade, o governo federal virou as costas para a saúde.

Pesquisa do IBGE, divulgada na última semana, mostra que as despesas das famílias brasileiras com bens e serviços de saúde, em 2009, foram de R$ 157,1 bilhões (ou 4,8% do PIB), bem superior aos R$ 123,6 bilhões (3,8% do PIB) da administração pública.

Ocorre que a rede pública é o único ou o principal fornecedor de serviços de saúde para 68% dos brasileiros e é considerada "péssima" ou "ruim" por 61%, conforme o levantamento da CNI. Nada menos que 85% dos entrevistados não viram avanços no sistema público de saúde do país nos últimos três anos. Ao que tudo indica, se depender do governo federal, continuarão, lamentavelmente, sem ver.

Aécio Neves, senador (PSDB-MG)

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Governo federal já tem 22 mil cargos de confiança

As funções comissionadas, que vêm crescendo desde o segundo ano do governo Lula, chegaram, no ano passado, a 22 mil. É o maior número desde 2002. Em relação a 2010, houve um aumento de 130 cargos. Para o Orçamento deste ano, a previsão é de que o gasto com a folha de pessoal e encargos sociais ultrapasse os R$ 203 bilhões. No ano passado, o valor autorizado foi de R$ 199,7 bilhões. Em 2003, o valor era de R$ 79 bilhões. De acordo com o governo, hoje mais de 70% dos cargos de confiança são ocupados por servidores públicos de carreira e as nomeações políticas são minoria

Total de cargos comissionados chega a 22 mil

Governo aumenta número de DAS; folha de pagamento e encargos sociais da União chegam a R$203 bilhões este ano

Cristiane Jungblut

BRASÍLIA. Mesmo vitoriosa na elaboração do Orçamento da União de 2012, quando impediu reajustes para o Judiciário e outras categorias de servidores, a presidente Dilma Rousseff vai arcar este ano com uma folha de pessoal e encargos sociais acima de R$203 bilhões, além de contar com mais funcionários em cargos de confiança. Antes mesmo de fechar o primeiro ano de seu governo, em outubro, os chamados DAS (cargos de Direção e Assessoramento Superior) já somavam 22 mil, uma barreira que nunca havia sido alcançada. Desde o segundo ano do governo Luiz Inácio Lula da Silva, as funções comissionadas no Executivo federal só crescem.

Em 2003, primeiro ano do governo Lula, foi registrada uma queda no total de cargos de confiança, dos 18.374 do último ano do governo Fernando Henrique Cardoso, em 2002, para 17.559 no final do ano seguinte. Mas, depois, o número só cresceu. No final de 2011, foi de 21.870 para 22 mil - cifra que, apesar de pequena, contraria o princípio do rigor fiscal do primeiro ano de Dilma.

O governo se defende: diz que hoje mais de 70% dos DAS são ocupados por servidores públicos de carreira, que as nomeações políticas são minoria e que há um esforço de "profissionalização" do serviço público. Os cargos de confiança com livre provimento, ou seja, de pessoas de fora do serviço público, são os DAS-6, categoria mais alta, e costumam ser ocupados por indicações políticas. Eles têm remuneração média de R$21,7 mil e, em 2011, somaram 217 vagas, contra 209 de 2010.

Em 2005, para evitar as acusações de aparelhamento, o governo implantou uma regra. Os DAS de nível 1, 2, 3 e 4 passariam a ser preenchidos, em sua maioria, por servidores de carreira. Em 2007, os DAS ganharam reajuste de até 139,75%, mas há pressão por novo aumento.

Para 2012, a presidente promete manter o rigor fiscal, que vem travando as negociações com o funcionalismo e qualquer aumento salarial. A intenção dos servidores é retomar as negociações a partir da semana que vem. Mas um acordo só teria efeito em 2013, já que, para este ano, Dilma vetou a inclusão no orçamento de projetos que previam recursos para reajustes.

O secretário-geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef), Josemilton Maurício da Costa, disse que, no dia 24, será entregue uma pauta oficial de reivindicação ao Ministério do Planejamento. A intenção é agilizar as negociações, já que projetos sobre aumentos precisam ser enviados ao Congresso até agosto, junto com a proposta orçamentária de 2013. Segundo ele, o limite seria uma greve em maio.

- A disposição das entidades é continuar uma negociação unificada. Queremos uma política salarial permanente e acabar com esse artigo que obriga a enviar os projetos em agosto, porque isso engessa a discussão.

Para aprovar o Orçamento de 2012, a maior briga do governo foi com o Judiciário, que queria um aumento médio de 56%. O relator-geral, o deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP), cumpriu à risca o desejo do Planalto e manteve a proposta original de R$1,6 bilhão para reajustes de uma pequena parte do funcionalismo, ligada à Educação, e outros R$2,1 bilhões para concursos públicos e preenchimento de vagas existentes. O governo diz de que as negociações não foram interrompidas, mas é preciso que sejam adequadas à realidade econômica e ao ajuste fiscal.

FONTE: O GLOBO

Partido discutiu contrato público com empresário antes de licitação

Integrantes da cúpula do PP discutiram com um empresário de informática a sua participação num projeto do Ministério das Cidades antes de ser aberta licitação, informa Leandro Colon.

Segundo o dono da empresa, o assunto foi tratado no apartamento do deputado João Pizzolatti (SC). O parlamentar confirma as reuniões, mas nega ter discutido contratos

Partido discute contrato com empresário antes de licitação

Reuniões com PP abrem caminho para empresa no Ministério das Cidades

Apartamento funcional de deputado é usado para encontros com o ministro Negromonte e membros de sua equipe

Leandro Colon

BRASÍLIA - Integrantes da cúpula do PP discutiram no ano passado com uma empresa de informática sua participação num projeto milionário do Ministério das Cidades antes que fosse aberta licitação pública para sua contratação.

O assunto foi tratado em reuniões no apartamento funcional do deputado João Pizzolatti (SC), ex-líder do PP na Câmara e aliado do ministro Mário Negromonte, único representante do partido no primeiro escalão do governo.

O próprio ministro participou de um dos encontros. Eles permitiram que a empresa, a Poliedro Informática, fizesse contato com a equipe de Negromonte e discutisse o assunto com o governo antes de outros interessados.

Também estiveram nas reuniões o secretário-executivo do ministério e braço direito de Negromonte, Roberto Muniz, o lobista Mauro César dos Santos e o ex-deputado Pedro Corrêa, cassado por conta de seu envolvimento no escândalo do mensalão.

A reconstituição desses encontros cria novo embaraço para Negromonte, um dos ministros cotados para ser demitido pela presidente Dilma Rousseff na reforma ministerial atualmente em curso.

No ano passado, Negromonte foi acusado de favorecer aliados e a própria mulher na distribuição de verbas do ministério e de oferecer dinheiro a deputados do PP em troca de apoio numa disputa pelo controle do partido.

As discussões com a Poliedro tiveram início no dia 12 de abril de 2011, quando o dono da empresa, Luiz Carlos Garcia, encontrou o ex-deputado Corrêa num leilão de pôneis em Brasília e discutiu o projeto das Cidades.

O ministério quer contratar uma empresa para gerenciar suas redes de computadores e monitorar obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). O valor do contrato é estimado em R$ 12 milhões, mas o dono da Poliedro diz que ele pode alcançar R$ 60 milhões.

Embora não tenha cargos no governo, Corrêa continuou exercendo grande influência no PP mesmo após a cassação de seu mandato, que ocorreu em 2006. Corrêa levou Garcia à casa de Pizzolatti e participou de todos os encontros que eles tiveram.

Ginástica

As três reuniões foram realizadas entre maio e julho de 2011, sempre em dias de semana. Uma delas ocorreu na academia de ginástica que o deputado montou em um dos cômodos do apartamento. "Quando o Pizzolatti está malhando, a gente entra e bate papo", disse o lobista Santos.

Negromonte admite ter encontrado o dono da Poliedro pelo menos uma vez no apartamento de Pizzolatti, mas nega ter discutido com ele detalhes do projeto que despertou o interesse de Garcia.

O empresário confirmou que foi à casa do deputado para tratar do assunto. "Estive lá para apresentar um projeto técnico", afirmou. "Eles [Corrêa e Pizzolatti] me disseram: "Vai lá no meu apartamento". Eles não entendem de informática, mas entendem de gestão de governo."

Pizzolatti e Corrêa disseram que não se lembram de suas conversas com Garcia.

"Foi uma conversa de apresentação", afirmou o lobista Santos. "A gente passou lá para tomar um vinho como amigos (...) e coincidiu de o [Roberto] Muniz passar, assim como o Negromonte."

No gabinete

Os encontros no apartamento de Pizzolatti abriram caminho para que o dono da Poliedro e o lobista fossem recebidos no ministério por dois homens de confiança de Negromonte em 9 de agosto.

Muniz, o secretário-executivo da pasta, reuniu-se com eles por dez minutos. O chefe de gabinete do ministro, Cássio Peixoto, falou com a dupla por uma hora. Um técnico das Cidades visitou a sede da Poliedro depois disso.

O ministério abriu dois processos para a contratação de serviços de informática no período, nos dias 27 de julho e 5 de agosto. A pasta informou que está buscando cotações de preços no mercado antes de abrir a licitação.

O dono da Poliedro confirmou seu interesse no projeto. "Vou participar [da concorrência]", disse Garcia. A empresa recebeu R$ 142 milhões do governo federal nos últimos dois anos, mas ainda não tem o Ministério das Cidades entre seus clientes.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Dissidentes em Cuba querem falar com Dilma

A porta-voz das Damas de Branco, Berta Soler, disse que o grupo gostaria de uma reunião com a presidente brasileira em Cuba para falar sobre direitos humanos. Mas o tema não entrou na agenda de Dilma

Dissidentes de Cuba querem encontrar Dilma

Entidades de direitos humanos pretendem relatar abusos cometidos pelo regime; presidente visita país após morte de preso

Janaina Lage

Opositores do governo cubano e defensores de direitos humanos querem aproveitar a visita da presidente Dilma Rousseff ao país, dia 31, para fazer um relato sobre a situação dos prisioneiros políticos e abusos contra dissidentes. Dilma chegará ao país poucos dias após o enterro de Wilman Villar Mendoza, dissidente de 31 anos ligado à União Patriótica de Cuba. Ele morreu após cerca de 50 dias de greve de fome, uma medida de protesto contra a sentença de quatro anos de prisão por resistência e desobediência após participar de uma manifestação pacífica.

A porta-voz das Damas de Branco, Berta Soler, disse que, apesar de ainda não ter encaminhado um pedido formal, o grupo gostaria de uma reunião com a presidente para apresentar dados sobre a situação de direitos humanos no país.

- As Damas de Branco são mulheres pacíficas, que lutam pela liberdade. Dilma pode ter mais sensibilidade com o tema por ser mulher. O principal problema é que o governo cubano pode não permitir. Queremos falar sobre a situação que vivemos, em que o governo dia a dia viola nossos direitos.

O grupo de familiares de dissidentes acusou ontem o regime cubano de assassinar Villar . Carregando flores e imagens do dissidente, cerca de 40 mulheres fizeram um minuto de silêncio pela morte do detento durante sua marcha semanal em Havana.

- Hoje é um dia em que o povo de Cuba, as Damas de Branco e a oposição interna estão de luto. Perdemos um homem jovem que deu sua vida pela liberdade do povo cubano - disse Berta.

Para Elizardo Sánchez, da Comissão de Direitos Humanos, o momento da visita da presidente não poderia ser pior.

- Acabamos de enterrar mais um prisioneiro político. É uma situação desafiadora para a presidente. Somente no mês passado foram feitas 800 detenções arbitrárias - disse.

Sánchez afirma que gostaria de, ao menos, ter uma reunião com um membro da delegação brasileira, mas tem poucas esperanças de que Dilma faça menção aos direitos humanos durante a visita, embora avalie que um posicionamento oficial teria grande impacto para o país.

- A única coisa que espero é que ela não faça nenhum pronunciamento negativo, como lamentavelmente fez o presidente Lula em sua visita ao país, quando desqualificou o prisioneiro Orlando Zapata Tamayo que morreu após 85 dias de greve de fome.

Na época, Lula comparou a situação dos dissidentes com a de prisioneiros comuns no Brasil.

Para Sánchez, a nota divulgada pelo governo sobre Villar, afirmando que ele não era dissidente e nem havia feito greve de fome, é prática comum do regime.

- Não é a primeira vez que o governo publica a versão oficial da história. Ele é dono de todos os meios de comunicação, é quase impossível refutar.

FONTE: O GLOBO

Dilma não falará sobre morte de dissidente em sua viagem a Cuba

Exilados têm pressionado presidente a se manifestar sobre tema

Márcio Falcão

BRASÍLIA - A morte do dissidente cubano Wilman Villar na semana passada não deve causar constrangimentos à visita da presidente Dilma Rousseff à ilha, no fim do mês.

Interlocutores da presidente dizem que Dilma deve se distanciar do episódio, mais um momento delicado em relação aos diretos humanos em Cuba. Uma das características da petista em suas viagens internacionais tem sido evitar tratar de questões internas dos anfitriões.

A Folha publicou ontem o pedido de exilados para que Dilma se refira aos direitos humanos em sua viagem a Cuba.

"Que ela vá a Cuba, desde que diga o que deve ser dito", disse Elena Larrinaga, presidente do Observatório Cubano de Direitos Humanos.

Villar morreu de infecção generalizada e pneumonia após mais de 50 dias sem comer, na quinta-feira.

O episódio reaviva o caso de Orlando Zapata Tamayo, dissidente que morreu em fevereiro de 2010, depois de 85 dias de greve de fome.

Tamayo era considerado "preso de consciência" pela Anistia Internacional -reconhecimento que Villar estava prestes a obter, segundo a organização não governamental- e protestava contra as condições carcerárias.

Ele morreu um dia antes de o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva chegar a Cuba para visita oficial e apenas "lamentar" o incidente.

No sábado, a viúva de Villar qualificou de "manipulação" a versão do governo segundo a qual ele não seria dissidente. Maritza Pelegrino disse que tentam "manchar sua imagem depois de morto".

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Prévias do PSDB custarão R$ 400 mil na eleição de SP

Descartada a entrada do ex-governador José Serra na disputa, os quatro pré-candidatos tucanos à Prefeitura de São Paulo já estipulam gastar com as prévias R$ 400 mil - R$ 100 mil cada um -, informa a repórter Julia Duailibi. O PSDB municipal decidiu bancar a campanha interna feita pelos pré-candidatos com os filiados

Tucanos descartam entrada de Serra e reservam R$ 400 mil para as prévias

Os 4 pré-candidatos do PSDB à Prefeitura de SP querem gastar R$ 100 mil cada com disputa interna; partido prometeu arcar com despesas

Julia Duailibi

Os quatro pré-candidatos tucanos à Prefeitura de São Paulo descartam a entrada do ex-governador José Serra na disputa e já estipulam gastar com as prévias R$ 400 mil - R$ 100 mil cada. O PSDB municipal decidiu que bancará a campanha interna feita pelos pré-candidatos com os filiados.

Em resposta a questionários enviados pelo Estado, os quatro tucanos também disseram que não pretendem abrir mão das prévias que serão realizadas no dia 4 de março, e até agora inéditas na história do partido - tradicionalmente, os tucanos preferiram acordos de cúpula a realizar disputas intrapartidárias.

"Serra não será candidato à Prefeitura, logo, não há discussão sobre abrir ou não mão da candidatura", declarou o secretário estadual de Cultura, Andrea Matarazzo. "O fato concreto é que Serra já afirmou e reiterou que não será candidato. Ponto", afirmou o secretário estadual de Meio Ambiente, Bruno Covas.

Na semana passada, o Estado revelou que Serra reuniu-se com aliados e avisou que não pretende se candidatar a prefeito.

Resolução 23.086 do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a mais recente sobre o tema, diz que os partidos podem bancar os custos das prévias e, inclusive, arrecadar recursos para a disputa. A regra, no entanto, proíbe a captação de recursos pelos pré-candidatos, mas não veda o uso de dinheiro próprio.

Em ofício enviado ao partido, os quatro pré-candidatos estipularam gastar R$ 100 mil cada em suas andanças pela cidade, incluindo transporte, assessoria e mala-direta. A direção do PSDB cortou o valor para R$ 50 mil por candidato, mas admite revisões.

"Fizemos alguns apontamentos porque os pré-candidatos não podem fazer captação. O partido repassará os recursos para garantir, inclusive, equidade nos gastos", afirmou o tesoureiro do PSDB municipal, Fábio Lepique.

Segundo o tesoureiro, a legenda não pretende procurar doadores. Usará nas prévias recursos próprios - do fundo partidário e da contribuição de militantes tucanos.

Outro pré-candidato tucano, Ricardo Tripoli disse já ter gastado R$ 36.280, nos últimos cinco meses, com "recursos pessoais". Matarazzo afirmou que até agora foram cerca de R$ 50 mil, com assessoria, transporte e mala-direta. Os outros dois pré-candidatos - Bruno e José Aníbal - não divulgaram o total de gastos.

Apesar de filiados tucanos afirmarem que responderam a pesquisas de intenção de voto sobre as prévias, nenhum dos pré-candidatos admite ter encomendado sondagens. Tripoli disse que fez apenas "enquete por telefone com a própria equipe".

Mimos. Os pré-candidatos negaram ter enviado presentes a militantes no final de 2011. Matarazzo disse feito um "gesto de carinho a poucas pessoas, como faço há anos". Ele enviou cartões de visitas personalizados aos filiados.

Bruno criticou o envio de presentes, num ataque indireto a Matarazzo. "Além de considerar a prática absolutamente errada, resolução da executiva municipal do PSDB, em seu artigo 3.º, impõe a observância da lei. Esta, por sua vez, proíbe a distribuição de brindes de qualquer natureza, constituindo este ato "compra de votos". Crime eleitoral."

O PSDB distribuirá urnas eletrônicas pelas 58 zonas eleitorais da cidade. O partido prevê que, dos cerca de 21 mil militantes recadastrados, no máximo 5 mil participem do processo. A eleição será em uma rodada, apesar de Bruno Covas ter apresentado proposta à Executiva de dois turnos - a teoria é rechaçada pelos demais pré-candidatos.

"É o estatuto dos partidos que prevê a organização administrativa, política e organizacional. As prévias são um assunto interna corporis", disse o advogado especialista em direito eleitoral, Tito Costa. Para o procurador regional eleitoral Pedro Barbosa Pereira Neto, é possível que, nas prévias, ocorra propaganda eleitoral antecipada, o que é proibido e pode provocar uma reação do Ministério Público. O TSE diz que a campanha deve ser feita apenas entre os filiados.

Tradição rompida. O PT é o partido que tradicionalmente definiu seus candidatos por prévias. No ano passado o ex-presidente Lula desarticulou o processo de escolha interno que estava em curso ao indicar o Fernando Haddad como o candidato. O PSDB nunca usou o mecanismo. Em 1992, promoveu disputa entre Getúlio Hanashiro e Fabio Feldman para escolher o candidato a prefeito. Mas a escolha foi feita na convenção.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

François Hollande assume discurso de esquerda na França

Ele defende aposentadoria aos 60 anos e congelamento de aluguéis

Deborah Berlinck

PARIS - Muitos franceses duvidavam — e alguns ainda duvidam — que ele pudesse decolar. Mas com a crise europeia e a perda de status da França no mundo das finanças, o maior opositor do governo Sarkozy, o socialista François Hollande, deu mais um passo para tornar-se o homem que poderá trazer de volta o socialismo à França, 20 anos depois de François Mitterrand. Ao revelar no último domingo seus planos para o país, Hollande assumiu um discurso de esquerda. Seu verdadeiro adversário, segundo ele mesmo, não é Nicolas Sarkozy:

— Vou dizer para vocês quem é o meu adversário: meu adversário é o mundo das finanças! - disse Hollande, sob aplausos.

Foi um discurso que agradou à plateia de socialistas reunida em Bourget, na periferia de Paris, e que não perdoa as grandes agências de avaliação de risco por terem rebaixado a nota da França, o que significa que o país ficou um pouco mais arriscado para investidores. A França afunda lentamente na crise europeia e, com ela, diminuem as esperanças de Sarkozy e da direita francesa de se manterem no poder.

A última sondagem previu que Hollande poderá ganhar com 57% dos votos num segundo turno contra o presidente Nicolas Sarkozy. Mas esta eleição tem algo perturbador: a crescente presença de Marine Le Pen, estrela da Frente Nacional, partido da extrema-direita. Com imagem mais suave que seu pai, o histórico extremista Jean-Marie Le Pen, esta loira de posições firmes está abocanhando cada vez mais votos do UMP, o partido de direita de Sarkozy, levando a direita francesa a assumir um discurso cada vez mais duro.

Hollande posiciona-se à esquerda nas correntes do partido socialista. O candidato, que era acusado de não ser claro nas propostas, entrou nos detalhes: reindustrialização da França, com a criação de um banco de investimento para a indústria, um novo pacto europeu para enfrentar a crise, equilíbrio das contas públicas e mais imposto para os ricos. E menos complacência com os bancos.

— Durante três anos, o Estado ajudou os bancos. E hoje eles especulam com o nosso dinheiro. Como admitir isso? — perguntou ele numa entrevista à TF1.

Outra promessa de campanha, que numa França endividada levanta a pergunta sobre de onde virá o dinheiro: aposentadoria aos 60 anos (quando muitos na Europa estão aposentando mais tarde) para os franceses que contribuíram 41 anos. Hollande também quer congelar os aluguéis em certas regiões e dar direito ao voto para os estrangeiros vivendo na França, nas eleições locais.

FONTE: O GLOBO

Governo terá de bloquear R$ 70 bi para cumprir meta de superávit

Essa é a projeção de economistas ouvidos pelo BRASIL ECONÔMICO para que a meta de 3,1% do PIB seja factível

Simone Cavalcanti

O governo federal precisa bloquear R$ 70 bilhões do orçamento deste ano para cumprir a meta integral de superávit primário (economia de receitas para pagar parte dos juros da dívida pública).

Analistas ouvidos pelo BRASIL ECONÔMICO estimam que, sem esse volume de contingenciamento, dificilmente será possível alcançar os 3,1% do Produto Interno Bruto (PIB) estabelecidos como objetivo para todo o setor público brasileiro.

A equipe econômica deve se empenhar nesta semana para fechar efetivamente o valor.

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, participou na sexta-feira (20) e no final de semana de reuniões coordenadas pela própria presidente Dilma Rousseff com grupos de ministros de cada setor do governo.

Os encontros foram para elencar projetos e diretrizes para o ano, ter uma visão mais efetiva do que pode ser cortado, mesmo que de maneira cirúrgica, além de servir como preparação para a primeira reunião ministerial de 2012, marcada para hoje à tarde.

Se chegar a essa magnitude esperada pelos economistas de mercado, o corte será R$ 20 bilhões superior ao que foi anunciado no início do ano passado.

No entanto, Fernando Montero, economista-chefe da Convenção Corretora, lembra que, se viesse um contingenciamento crível, os R$ 50 bilhões de 2011 seria suficiente. “O do ano passado não foi crível: cortaram onde juraram não cortar, houve surpresas do lado das receitas, atrasos na execução de investimentos e gerenciamento na boca do caixa”, diz.

Gasto fixo

O economista Felipe Salto, da Tendências Consultoria Integrada, complementa que o governo não conseguiu colocar em prática uma estratégia de médio prazo de redução para a maior de suas despesas: a folha de pagamentos. Ele defende que um limite para a alta dos gastos com funcionalismo seja colocado na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).

Já o governo continua aguardando a aprovação de um projeto de lei que tramita no Congresso Nacional há pelo menos três anos. “Contingenciamento não é garantia de redução de gastos, é apenas uma sinalização de que os recursos para as despesas estão congelados até segunda ordem”, afirma Salto que considera um corte de R$ 60 bilhões para chegar ao alvo do superávit e outro de R$ 30 bilhões para não cumprir a meta efetiva, mas com aumento dos investimentos públicos que reduziram 9% em termos reais (descontada a inflação) de 2010 para 2011.

Bastidores

Integrante do Palácio do Planalto afirma que, internamente, a presidente repete exaustivamente que a indicação é de manter o aperto nos gastos de custeio, a retenção dos reajustes de salário do funcionalismo e das contratações.

A ministra do Planejamento, Miriam Belchior, já havia avisado em agosto passado que, da mesma maneira que ocorreu em 2011, concursos e reajustes serão restritos neste ano: “Só em áreas muito localizadas.” Mas o fato é que, para mais ou para menos,o bloqueio vai acontecer e será de, no mínimo, R$ 25,6 bilhões como indicou Blechior ao anunciar o volume de recursos que podem ser descontados do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Como o governo, até o momento e pelo menos oficialmente, indica não estar disposto a usar essa prerrogativa, o especialista em contas públicas Mansueto de Almeida diz acreditar que o corte mínimo deve ser de R$ 60 bilhões, podendo chegar a um limite de R$ 70 bilhões.

Para chegar a isso, ele considerou o fato de que o Congresso Nacional elevou a previsão de receitas em R$ 26 bilhões, os recursos do PAC que não devem ser descontados de R$ 25,6 bilhões e mais uma reestimativa de despesas entre R$ 8 bilhões e R$ 10 bilhões enviadas pelo Executivo ao Congresso, mas que os parlamentares não acataram. “Atingir a meta é difícil, mas não impossível”, disse, lembrando que sempre é possível haver receitas extraordinárias para ajudar nas contas federais, sejam elas de processos judiciais com ganho de causa ao governo sejam os dividendos de estatais que foram “economizados” em 2011 para entrar no caixa em tempos mais difíceis.

FONTE: BRASIL ECONÔMICO