domingo, 29 de janeiro de 2012

OPINIÃO DO DIA – Marco Antonio Villa: o medo e silêncio da oposição

"O silêncio, a incompetência política e a falta de combatividade estão levando à petrificação de um bloco que vai perpetuar-se no poder. É uma cruel associação do grande capital - apoiado pelo governo e dependente dele - com os setores miseráveis sustentados pelos programas assistencialistas. Ou seja, o grande capital se fortalece com o apoio financeiro do Estado, que o brinda com generosos empréstimos, concessões e obras públicas. É a privatização em larga escala dos recursos e bens públicos. Já na base da pirâmide a estratégia é manter milhões de famílias como dependentes de programas que eternizam a disparidade social. Deixam de ser miseráveis. Passam para a categoria da extrema pobreza, para gáudio de alguns pesquisadores. E tudo temperado pelo sufrágio universal sem política."

Marco Antonio Villa, historiador, é professor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR). “Oposição sem rumo”. O Estado de S. Paulo,28/1/2012

Manchetes de alguns dos principais jornais do Brasil

O GLOBO
O retrato da falta de fiscalização no Rio
Dilma verá uma Cuba que vive em dois tempos

FOLHA DE S. PAULO
Polícia na cracolândia é aprovada por 82% em SP
Remessa de brasileiro ao país é a menor em 9 anos

O ESTADO DE S. PAULO
Estrangeiro no Brasil envia mais dinheiro para o exterior
Cerco ao Irã pode dar lucro a países asiáticos
Dama de ferro do petróleo
Dilma escala Gerdau para cobrar ministros
Aptos a votar em prévia do PSDB ignoravam filiação

CORREIO BRAZILIENSE
O desafio brasileiro
Rachado, ninho tucano paulista entra em crise
Transações de compra e venda de imóveis na mira do Fisco
A bola está com Aldo Rebelo

ESTADO DE MINAS
Rotina de risco

ZERO HORA (RS)
91% de ex-internos voltam a se envolver em crimes
A vida no gelo
Como encarar o estilo de Dilma
Um balanço da primeira turma de cotistas

JORNAL DO COMMERCIO (PE)
Como é caro emagrecer
Estudantes aproveitam a força da web

No mesmo barco:: Merval Pereira

A solução da crise europeia passa sem dúvida por questões delicadas como a soberania nacional de cada país que compõe a União Europeia, e é por isso que a assinatura do acordo fiscal abrangente está sendo considerada passo essencial para, mais adiante, a criação de um sistema fiscal unificado.

A autonomia dos estados-membros da União Europeia está em jogo quando a Alemanha pretende obrigar a Grécia a aceitar a supervisão de uma comissão de ministros da área econômica, que nomearia um “comissário do orçamento” para acompanhar os gastos do governo grego, com poderes de veto sobre qualquer decisão que coloque em risco o equilíbrio fiscal.

Se a aceitação dessa ingerência já é difícil em um país pequeno e fraco politicamente, como a Grécia, o que dizer dos demais?

É por isso que o comissário europeu para Assuntos Econômicos e Monetários, Olli Rehn, comparou o acordo fiscal em vias de ser concretizado com a decisão do Secretário do Tesouro Alexander Hamilton nos Estados Unidos, aprovada pelo Congresso em 1790, de cobrar impostos sobre alguns produtos dos estados que formavam a recém-criada nação americana.

Problemas financeiros afetavam o governo, que havia se endividado durante a guerra da independência e não tinha dinheiro para as obras de infraestrutura necessárias.

Hamilton propôs que o governo federal criasse impostos sobre alguns produtos, como bebidas alcoólicas, e com o dinheiro arrecadado pagasse as dívidas tanto do governo central quanto as dos estados, além de poder fazer os investimentos nas obras necessárias. Também era a favor da criação de um banco central, para balancear as finanças do governo.

O secretário de Estado Thomas Jefferson era contra o governo se intrometer em questões econômicas, mas chegou a um acordo com Hamilton: apoiou suas propostas financeiras, e recebeu em troca o apoio de Hamilton para a criação de uma nova capital em um estado do Sul.

O Congresso americano aprovou ambas as propostas. Em 1790, a capital do país mudou-se para Washington, distrito de Columbia, e leis que cobravam impostos em bebidas alcoólicas e em outros produtos foram criadas, assim como o Banco dos Estados Unidos da América. É claro que a taxa teve de ser revogada mais adiante, devido a uma rebelião dos estados produtores, que ficou conhecida como a Revolta do Whisky. Mas o conceito permaneceu.

Pois a Europa caminha para essa fase de unificação de procedimentos, com a tendência de longo prazo já sinalizada para a menor autonomia dos seus membros diante da necessidade de haver uma política comum que esteja acima das questões locais.

Mas, enquanto esse tempo não chega, questões locais são justamente as que mais pesam no momento. Em um dos painéis em que se discutiu o futuro da zona do euro, ressaltou-se o fato de que as questões estruturais que precisam ser resolvidas na maioria dos países, como as referentes à imigração e às reformas dos sistemas trabalhista e previdenciário, dificilmente o serão, devido às pressões eleitorais de curto prazo.

Uma das soluções apresentadas foi a de sincronizar o calendário eleitoral nos países membros, para evitar que reivindicações regionais estejam sempre em disputa em qualquer parte do ano, impedindo acordos consensuais.

Mas há quem queira que questões referentes à União Europeia sejam decididas no parlamento europeu, retirando o poder dos políticos locais.

Mesmo os desentendimentos entre países, como os que ocorrem agora entre França e Inglaterra, ou com a Alemanha, acabam sendo afetados pelos interesses eleitorais locais.

O presidente francês, Nicolas Sarkozy, por exemplo, ficou irritado com o primeiro-ministro britânico, David Cameron, a quem chamou de “criança obstinada”, depois que ele vetou uma medida de reforço fiscal da União Europeia no mês passado em Bruxelas.

O inglês voltou a fazer críticas à condução da crise europeia esta semana em Davos, no Fórum Econômico Mundial, a ponto de irritar o ministro das Finanças da Alemanha, Wolfgang Schäuble.

Acusado de estar tentando impor aos outros países uma austeridade fiscal que poderia inviabilizar o crescimento, o alemão disse que a questão deveria ser enviada ao primeiro-ministro David Cameron, e prometeu dar o celular dele.

Mas as críticas de Cameron também irritam Sarkozy, que não se nega a explicitar seu estado de espírito. Os ingleses, no entanto, acham que ele está fazendo cena para ganhar apoio nas eleições presidenciais em maio.

Até lá, dizem eles ironicamente, os ingleses servirão de bodes expiatórios para os franceses, e depois das eleições as negociações ficarão mais fáceis.

As questões eleitorais claramente interferem nas decisões econômicas, principalmente às vésperas das eleições, e temos exemplos disso tanto na Europa quanto nos Estados Unidos.

Na França, o candidato socialista François Hollande prometeu criar uma alíquota de 45% para os muito ricos, sobre os ganhos anuais acima de 150 mil euros.

O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, também lançou sua campanha para aprovar a chamada “taxa Buffett”, que aumenta a cobrança de impostos para os mais ricos, e disse que os que chamam essa medida de “luta de classes” deveriam compreender que se trata apenas do senso comum fazer com que uma pessoa que ganhe acima de US$ 1 milhão por ano pague pelo menos 30% em impostos.

Também na Inglaterra o vice-primeiro-ministro Nick Clegg defendeu na semana passada, em caráter de urgência, a criação de uma nova classe de impostos para os que ganham acima de 150 mil libras por ano.

A crise financeira na União Europeia e nos Estados Unidos, especialmente por sua consequência mais perversa, a do desemprego em massa, afetando em particular os mais jovens, está levando a medidas que muitas vezes podem ser consideradas populistas, e a outras mais, que podem levar à divisão.

O aumento de impostos para os chamados “muito ricos” não chega a ser uma solução para os problemas estruturais, mas dá a sensação de que todos estão no mesmo barco.

Difícil será fazer com que todos os países da União Europeia queiram ficar no mesmo barco, com novas obrigações comuns e redução de autonomia.

FONTE: O GLOBO

No devido lugar:: Eliane Cantanhêde

O porta-voz do Irã, Ali Akbar Javanfekr, disse que Lula "está fazendo muita falta", e o chanceler do Reino Unido, William Hague, desconversou sobre uma possível mediação do Brasil na Síria, no Irã e no conflito Israel-Palestina.

Javanfekr lamenta que o Brasil não seja mais um amigão. Hague, de certa forma, coloca o país no seu devido lugar. Em ascensão, mas sem essa de potência mundial.

Dissemina-se assim para além das fronteiras brasileiras a percepção de que algo muda na política externa, mas a guinada é de tom e de estilo. O Brasil, porém, não está virando as costas para a "esquerda" e a política Sul-Sul para priorizar a "direita" e o Norte. Tenta apenas recuperar uma diplomacia mais recatada e reequilibrar as alianças.

Dilma fala pouco, mas diz o que quer. Preferiu o Fórum Social em Porto Alegre ao Fórum Econômico em Davos, concedeu visto para a oposicionista cubana Yoani Sánchez e vai nesta semana a Cuba encontrar-se com Raúl e (talvez) Fidel Castro.

Ela não vai condenar publicamente a morte de mais um dissidente do regime mas também não vai tapar a boca, os olhos e os ouvidos, fingindo que nada aconteceu -como Lula, que confraternizou com Fidel às risadas justamente no dia em que um outro opositor morreu por greve de fome.

O mais provável é que converse reservadamente com os Castro tanto sobre presos políticos quanto sobre a autorização para a blogueira Yoani sair do país e vir ao Brasil. Ela tem cacife para isso. O comércio com Cuba cresceu 31% em relação a 2010 e atingiu US$ 642 milhões em 2011.

A viagem a Cuba pode ratificar uma política externa menos ideológica, não partidária e sem ranços contra EUA ou pró Venezuela.

O desafio de Dilma agora é evitar uma política externa excessivamente cautelosa, corrigindo o que andava errado sem perder as inegáveis conquistas da era Amorim. É, aliás, o que ela tenta fazer na política interna.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Aperto na lei seca:: Dora Kramer

Os repetidos episódios em que pessoas conhecidas, artistas, políticos, jogadores de futebol, se recusam a fazer o teste do bafômetro quando parados pela polícia em operações para fazer cumprir a lei seca acabaram por evidenciar um defeito na legislação que, se não for alterada, corre o risco de virar letra morta.

"A mudança é imprescindível. Da forma como a lei está redigida dá margem a se tornar inócua porque não assegura punição aos infratores", diz o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, que negocia um acordo no Congresso para conseguir a aprovação de alterações no texto ainda este ano.

De preferência no primeiro semestre, antes que senadores e deputados se dispersem por causa das campanhas eleitorais.

A recusa ao teste do bafômetro é amparada pela Constituição que resguarda o direito do cidadão de não produzir provas contra si. Segundo o ministro da Justiça, o erro de origem da lei é o estabelecimento de uma dosagem de álcool a partir da qual fica caracterizada a infração. E aí, de fato, se o motorista fizer o teste e o resultado estiver fora do padrão, estará produzindo a prova.

A ideia seria inverter essa lógica: retira-se da lei a dosagem, estabelece-se como critério a prova testemunhal, no caso, dos policiais, de que a pessoa apresenta sinais de embriaguez. Quem quiser provar o contrário, poderá se submeter ao teste para se defender.

Isso, em princípio, porque os detalhes ainda estão sendo discutidos a partir de diversos projetos sobre o tema em tramitação no Congresso e a intenção do ministro é evitar o embate, aprovar as modificações por acordo.

O importante, na opinião dele, é que seja preservado o aspecto coercitivo da legislação, pois à medida que vai ficando clara a ausência de condições para punições, a tendência é que a lei torne-se inócua e que se percam até os ganhos já obtidos em termos de comportamento da população.

Fator de violência. Constatação do Ministério da Justiça a partir do cruzamento do mapa das localidades mais violentas com a melhoria da distribuição de renda nas várias regiões do País: em algumas delas onde se esperava que caíssem os índices de criminalidade ocorreu justamente o contrário.

No Nordeste, por exemplo. Uma lição o ministério já tirou: a pobreza não é fator determinante da violência. Há outros (aumento do consumo de drogas é um deles) ainda em estudo, a partir do qual o governo pretende montar um plano de combate específico às causas desse crescimento.

De estimação. A concessão do visto de entrada no Brasil à blogueira Yoani Sanchez foi um ótimo gesto de Dilma na direção da defesa dos direitos humanos como fator de política externa, conforme prometera, mas não terá desdobramentos na visita que inicia amanhã a Cuba.

A presidente não vai conversar com dissidentes do regime. Seria, na avaliação de governo, além de um ato hostil a Fidel e Raúl Castro, a negação completa da política de Lula e uma péssima sinalização à esquerda do PT. Marco Aurélio Garcia, assessor internacional, à frente.

No governo Fernando Henrique, o então chanceler Luiz Felipe Lampreia foi a Cuba, conversou com a oposição e, em represália, Fidel Castro não o recebeu.

Algum prejuízo para o Brasil? Nenhum, mas nem de longe o governo do PT pretende trincar suas relações com a ditadura Castro. Por menor importância objetiva que isso tenha, a preservação do simbolismo está acima do discurso pluralista.

Suspeição total. Ainda em defesa da realização de um plebiscito sobre pontos da reforma política e para contraditar colegas que acham essa uma tarefa intransferível do Congresso, o deputado Miro Teixeira aponta para a crise (mundial) de confiabilidade nos políticos.

Até os Dez Mandamentos seriam olhados com desconfiança se saíssem de qualquer parlamento do planeta.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Poder de fogo reduzido:: João Bosco Rabello

O PMDB é um pote só de mágoas, mas a extensa base governista e a alta popularidade da presidente Dilma Rousseff reduzem o seu histórico poder de retaliação no Legislativo neste momento. Afora malcriações de perfis mais intempestivos, como o do líder do partido na Câmara, Henrique Eduardo Alves (RN), o partido, por ora, pouco pode fazer para causar prejuízo concreto à presidente.

Frustrada a proposta do empresário e conselheiro Jorge Gerdau de reduzir o número de ministérios, Dilma busca na reforma de setores estratégicos do segundo e terceiro escalões a eficiência de gestão que considera (com razão) urgente e indispensável para manter o índice de aprovação de seu governo.

Movida pela necessidade, mexe num vespeiro, pois é nessas instâncias que a partidarização da estrutura do Estado se dá de forma avassaladora. Casos como o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs) ou a Transpetro são apenas dois entre centenas de feudos partidários de ineficiência.

Há muitos outros - e diga-se, a favor do PMDB -, distribuídos por todos os partidos da base, principalmente o PT. E é nesse ponto que a mágoa peemedebista aumenta: com razão, o partido avalia que seu maior concorrente na disputa por cargos está mais blindado pelo governo.

Com o governo politicamente forte, contexto que cala também a oposição, a expectativa de alguma reação é guardada pelo PMDB para 2013, decisivo para Dilma, já que 2014 será ano de campanha presidencial. É nessa hora que o governo recorrerá ao PSD de Gilberto Kassab, que hoje afaga ostensivamente.

Presidências, estresse maior

Mais do que a perda de cargos, a convicção de que há estímulo do Palácio do Planalto para que o PT descumpra o acordo para as presidência das Câmara e Senado estressa o PMDB. O governo já foi aconselhado a se manter distante do processo deixando que eventuais tentativas de disputa ocorram dentro do ambiente legislativo. Do contrário, une o PMDB. No Senado, o partido identifica um estímulo ao senador Humberto Costa (PT-PE) e, na Câmara, o deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP), ele próprio candidato, não esconde que é contra o acordo que garante o posto ao atual líder do PMDB, Henrique Eduardo Alves (RN), desgastado ao limite com os revezes junto ao governo.

Disputa no PDT

O PDT continua dividido sobre a sucessão no Ministério do Trabalho. O ex-ministro Carlos Lupi defende os nomes do secretário-geral, Manoel Dias, e do vice-presidente, deputado André Figueiredo (RJ). De outro lado, o deputado Brizola Neto (RJ), seu rival. A presidente Dilma só vai decidir quando voltar do exterior.

"Paulistização"

É a perspectiva de ser cortejado pelo governo em 2013 que produz em alguns setores do PSD a sensação de que a guinada do prefeito Gilberto Kassab em direção ao PT foi precipitada e determinada por fatores restritos à sua sucessão e ao contexto das eleições paulistas. Há uma preocupação com a prevalência do interesse regional sobre o projeto estratégico de consolidar a legenda nacionalmente. Ainda sem os recursos do Fundo Partidário, o PSD não tem sede em Brasília e funciona exclusivamente em São Paulo, girando hoje basicamente em torno do prefeito e seu fundador.

Sem lugar ao sol

Pelo menos uma parte da bancada do PT, na Câmara, está insatisfeita com o presidente da legenda, Rui Falcão, por achar que ele não luta por um lugar no ministério para um dos 97 deputados que a integram.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Alianças cruzadas :: Gaudêncio Torquato

Eleição no Brasil deixou de ser aula de civismo para se transformar em luta encarniçada pelo poder. E a razão ultrapassa a observação de que a política substituiu o escopo aristotélico de missão a serviço do polis pela meta de servir de escada de ascensão pessoal. O fato é que o acervo da política se esgarçou na névoa do tempo.

Ademais, a economia é que dá hoje o rumo das coisas, trazendo a política para sua esfera e, por conseguinte, motivando os representantes do povo a usá-la como investimento. O bem-estar coletivo continua a enfeitar um discurso matizado por meia dúzia de conceitos, entre eles, a inserção das massas à mesa do consumo, o resgate de direitos individuais, a justa distribuição de renda e a maior aproximação entre as classes sociais, situações que incorporam padrões de vida consentâneos com a dignidade humana. Esse é o tônus ideológico da atualidade.

Por mais que a pletora de partidos brasileiros - quase 30 - se esforce para expressar especificidades, o sumo que se extrai do liquidificador partidário aponta para esse composto, mescla dos ideários da social-democracia e do liberalismo social. Siglas que defendem o socialismo nos moldes que antecederam a queda do Muro de Berlim o fazem mais por retórica que por convicção. Por aqui há forte dose de consenso sobre o que se pode chamar de sistema liberal-capitalista sob controle do Estado. Os admiradores do "capitalismo à moda chinesa", com intervenção rigorosa do Estado, não chegam a ameaçar.

Essa é a essência do nosso discurso político. Que não frequentará o palco eleitoral porque o eleitor não se motiva com abstrações. Portanto, veremos uma pregação mais adjetiva e menos substantiva, uma expressão menos ideológica e mais centrada em perfis. Os atores, claro, deverão fazer pontuações em certas áreas, ressaltando aspectos de programas, tentando colar o seu ideário às diretrizes que marcam o estágio de desenvolvimento do País. Mas é pouco provável vermos a federalização dos pleitos, a tentativa de puxar a força da administração federal para o palanque local. No tabuleiro municipal são mais adequadas as peças da micropolítica, coisas que dizem respeito ao cotidiano: transporte, educação, saúde, saneamento, moradia...

Nas capitais e nas grandes e médias cidades se pode até prever a abordagem mais generalista, amplificada pela tuba de ressonância de mídia mais poderosa. Se o País andar tranquilo até as margens eleitorais, ou seja, preservando o animus animandi dos contingentes periféricos, a partir de dinheiro no bolso, acesso ao consumo, colchões sociais, inflação controlada, etc., os candidatos patrocinados pelo rolo compressor governista poderão ser beneficiados. Massas carentes prezam o status quo e demonstram gratidão escolhendo candidatos com elas identificados. Há, porém, o outro lado: em Estados como São Paulo e Minas Gerais, que têm os dois maiores contingentes eleitorais do País e são governados por tucanos, os largos estratos médios tendem a ser mais críticos em relação ao governo federal. Com administrações bem avaliadas, esses governos estaduais poderão contrapor-se à onda situacionista que puxará as candidaturas da aliança federal.

Dito isto, convém arrematar: o pleito de outubro juntará grupos contrários e aproximará clássicos contendores. No palanque do blá-blá-blá assemelhado subirão candidatos de alianças exóticas jamais vistas por estas plagas. Traduzindo: o partido A apoia o governo federal, é contrário ao governo estadual, mas se unirá na eleição municipal ao partido B, que é contrário à administração federal; este partido B, em outros municípios, poderá trocar de samba do crioulo doido, fazendo parcerias com candidatos de outras siglas, algumas contra, outras a favor dos governos federal e estadual; já o partido C terá apetite para comer metade dessa salada mista, fechando com o A de um jeito, com o B de outro e até reciclando a mistura com o D, ao qual caberá inverter os papéis de acordo com suas conveniências. Em suma, o País verá uma campanha de conveniências. Os entes partidários farão extraordinário esforço para turbinar suas máquinas, preparando-as para a decolagem de 2014, que será emblemática: concessão de um ciclo de 16 anos de mando petista, retomada do poder pelos tucanos ou ascensão de um terceiro ator ao pódio

Vejamos as primeiras cenas. O PT abre um leque de articulações sob a batuta do maestro Lula, que se desdobra para atrair o maior número de aliados para a campanha de seu pupilo Fernando Haddad, em São Paulo. A retomada da capital paulista parece ser questão de honra (e esforço extraordinário) para o ex-presidente. A estratégia petista é ceder a cabeça de chapa aos candidatos favoritos de partidos parceiros, mantendo, contudo, a meta de fazer o mais gordo plantel de prefeitos (projeta 1.500) e alcançar a posição de maior ilha no arquipélago político.

Essa operação, todavia, não depende apenas de sua vontade. O PMDB, o aliado principal, não abdica da condição de maior partido brasileiro, o que lhe permitiria ser o fiador do situacionismo. Mas não descarta a hipótese de candidatura própria em 2014. Um olho no norte, outro no sul. O PSB, por sua vez, sonha alto e abre três alternativas: candidatura própria em 2014, continuação da aliança com o PT (reivindicando pedaço maior do bolo) e união com o PSDB de Aécio Neves. O governador Eduardo Campos (PE), que preside a sigla, já confessou o sonho de reunir o grupo pós-64 no comando do País. Ele e Aécio, juntos, liderariam essa estratégia. Já o PSDB alimenta o sonho de retomar o cetro, mas faltam-lhe discurso e bases populares. E o PSD de Gilberto Kassab, ao formar uma bancada expressiva na Câmara dos Deputados, deverá ser um núcleo de aglutinação de contrariados em outros grupamentos.

Uma coisa parece certa: os atores sairão do ensaio de outubro sem muitos aplausos das plateias. A política a cada dia perde vigor.

Gaudêncio Torquato, jornalista, professor titular da USP, é consultor político de comunicação

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

PMDB e PT não se entendem sobre alianças

Em apenas duas das 27 capitais, petistas e peemedebistas já formaram chapa única; no Rio, situação é tensa

Adriana Vasconcelos

BRASÍLIA. As alianças para disputa municipal deste ano ainda estão em fase inicial de negociação, mas já é possível sentir o clima pesado entre os partidos da base governista. E tudo indica que a queda de braço travada na última semana pelo líder do PMDB na Câmara,Henrique Eduardo Alves (RN), com o governo, por conta a demissão do diretor-geral do Departamento Nacional de Obras Contra Seca (Dnocs), poderá afastar ainda mais pee-medebistas e petistas. De acordo com levantamento preliminar feito pelo presidente do PMDB, senador Valdir Raupp (RO), por enquanto, só há previsão de aliança entre
seu partido e o PTem duas das 27 capitais do país: São Luís e RiodeJaneiro.

—Em São Luís, nosso candidato desistiu da disputa e há uma perspectiva de nos aliarmos ao PT. No Rio, onde a aliança já existia e seria natural o apoio do PT à reeleição do prefeito Eduardo Paes, estamos tendo problemas —confirma Raupp.

Aaliança entre o PT e PMDB no Rio, de fato, não é nada amistosa e vem sofrendo resistências de setores de ambos os partidos. Apesar do empenho do governador Sérgio Cabral para manter a união das duas legendas em favor da reeleição do peemedebista Paes, o deputado Alessandro Molon (PT-RJ) chegou a convocar um protesto no mês passado contra essa aliança. A relação entre as duas legendas azedou ainda mais depois que o presidente estadual do PMDB, Jorge Picciani, sinlizou que seu partido poderia não apoiar algumas candidaturas petistas no estado,como a do secretário estadual Roberto Neves,em Niterói.

Temer não abre mão da candidatura de Chalita

A postura de Picciani provocou fortes reações entre os petistas, que lembram que o partido já se comprometeu a apoiar candidatos do PMDB em pelo menos 25 municípios do estado do Rio.

—Estamos colocando o PMDB como aliado e eles estão nos tratando como inimi gos — desabafa o senador Lindbergh Farias (PT-RJ). Em São Paulo, a situação é ainda pior. Sob o comando do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva,o PT considera estratégico para o partido a eleição do ex-ministro da Educação Fernando Haddad na capital paulista .O PMDB,por sua vez, resiste à pressão petista para que abra mão da candidatura própria. O vice-presidente, Michel Temer, já decretou que não há hipótese de o deputado Gabriel Chalita sair da disputa. Diante desse quadro, Lula começou a investir numa possível aliança com o PSD do prefeito Gilberto Kassab, a despeito das resistências internas dentro do PT.

Correndo por fora, os tucanos estão com prévias marcadas para o início de março mas ainda não desistiram por completo de convencer o ex-governador José Serra a disputar a prefeitura paulis-ta nas eleições deste ano, o que praticamente inviabilizaria a aliança dos petistas com Kassab — o atual prefeito já admitiu que só apoiaria o candidato do PSDB se ele for Serra.

FONTE: O GLOBO

Mudanças nos ministérios ampliam racha

‘Claro que vai agravar’, diz peemedebista Geddel Vieira Lima

BRASÍLIA. O descontentame-to dos peemedebistas com a dança de cadeiras deflagrada pela presidente Dilma no segundo escalão de seu governo deve contaminar as parcerias nas eleições municipais deste ano.

—Claro que vai agravar (a convivência dos dois partidos) —admite o atual vice-presidente Caixa Econômica Federal, o peemedebista Geddel Vieira Lima, que já elegeu o PT do governador Jaques Wagner como principal adversário n a Bahia.

O PSDB ,por sua vez, pretende tirar proveito desse clima beligerante na base governista e mira o PSB do governador pernambucano Eduardo Campos como um de seus aliados preferenciais. Os tucanos esperam que os socialistas se afastem definitivamente do PT em 2014.

Em dois dos principais redutos eleitorais do PSDB, Minas e Paraná, os tucanos já decidiram abrir mão de lançar candidato próprio nas capitais para apoiar o PSB. Em Belo Horizonte, os tucanos deverão apoiara reeleição do prefeito Márcio Lacerda, mas desta vez exigem uma aliança formal. Em 2008, o PSDB participou de maneira informal por exigência do PT, que deverá compor mais uma vez a chapa de Lacerda 

Em Curitiba, o governador tucano Beto Richa enfrentou as resistências internas do partido e promete apoiar a reeleição do prefeito Luciano Ducci (PSB), que assumiu a prefeitura quando ele, Richa, se elegeu para o governo do estado.

— Nossos principais aliados nas eleições deste ano serão o DEM e o PSB—confirma o presidente nacional do PSDB, deputado Sérgio Guerra(PE).

FONTE: O GLOBO

Esvaziado, Fórum Social termina hoje sob crise existencial

Evento em Porto Alegre, que contou com a presença da presidente Dilma, foi ignorado por líderes estrangeiros

Um dos idealizadores, Chico Whitaker propõe mudança de estratégia para atrair insatisfeitos com o formato atual

Bernardo Mello Franco

PORTO ALEGRE - Criado em 2001 como contraponto de esquerda à cúpula econômica de Davos, o Fórum Social Mundial encerra hoje sua 11ª edição esvaziado e com dúvidas sobre a própria capacidade de manter alguma relevância no cenário internacional.

O clima de crise existencial marcou o evento em Porto Alegre, que recebeu a primeira visita de Dilma Rousseff como presidente, mas foi ignorado por líderes estrangeiros e ganhou ares de congresso do PT.

Um dos idealizadores do fórum, o ativista Chico Whitaker expôs o desconforto na sexta-feira, em desabafo que surpreendeu a plateia acostumada com discursos empolgados sobre a derrocada iminente do capitalismo.

Ele disse que o encontro não conseguiu se conectar a novos fenômenos como os movimentos de "indignados", que passaram a ocupar ruas na Europa e nos EUA.

"Temos que mudar de estratégia. Hoje concordamos em tudo e saímos daqui satisfeitos com nós mesmos. Precisamos inventar uma maneira de começar a falar com os 99% que estão insatisfeitos", disse Whitaker.

Anunciado como evento preparatório para a Rio+20, o Fórum deste ano não conseguiu articular um consenso sobre a melhor forma de preservar o planeta.

Enquanto ambientalistas recitavam o discurso de defesa das florestas, intelectuais de esquerda alertavam que a causa seria usada pelo G8 para barrar o crescimento dos países emergentes.

Sem o FMI ou o governo Bush para combater, o fórum elegeu como alvo a ação da PM paulista em Pinheirinho. A causa uniu ativistas, a comitiva de Dilma e até a ex-presidenciável Marina Silva.

FALTA DE PÚBLICO

O fórum teve números modestos mesmo para a versão temática. Segundo a organização, 40 mil pessoas teriam participado, mas só 7.000 chegaram a se inscrever.

O acampamento para jovens não lotou, a marcha de abertura foi dominada por claques de centrais sindicais e as barraquinhas de livros marxistas e camisetas de Che Guevara praticamente sumiram da paisagem.

Até o discurso de Dilma sofreu com a falta de público, agravada pela decisão de espalhar atividades por mais três municípios gaúchos administrados pelo PT.

Em Porto Alegre, os debates na Assembleia Legislativa ajudaram a projetar o pré-candidato petista a prefeito, Adão Villaverde.

O presidente uruguaio José Mujica, convidado para debater com Dilma, cancelou a viagem. O boliviano Evo Morales e o venezuelano Hugo Chávez, que bateram ponto em anos anteriores, também não apareceram.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

82% dos paulistanos apoiam ação policial na cracolândia

Petistas e tucanos avalizam operação, apesar de bate-boca entre pré-candidatos

Datafolha mostra que maioria crê que viciados vão se espalhar pela cidade, o que pode ser usado em campanha

Vaguinaldo Marinheiro

SÃO PAULO - O bate-boca entre pré-candidatos do PT e do PSDB à Prefeitura de São Paulo sobre a operação da Polícia Militar na cracolândia não encontra eco entre os eleitores.

Ouvidos pelo Datafolha na quinta e na sexta, 82% dos paulistanos concordam com a ação da PM para tentar desbaratar o tráfico e o consumo de crack na região central de São Paulo.

Quando questionados que nota atribuem à operação, 72% dão seis ou mais. A nota dez foi citada por 28%.

Entre as pessoas que têm o PT como partido de preferência, 83% concordam com a operação policial. A nota média foi 7,4.

Os tucanos são ainda mais entusiastas: 90% concordam com a forma como a PM agiu e dão uma nota média de 7,9.

Segundo estudiosos, isso reflete a demanda da população por uma polícia mais forte e atuante.

"O paulistano gosta desse tipo de polícia que impõe mais rigor. Mas é necessário que ela seja controlada e transparente, para evitar abusos", afirma o sociólogo Renato Sérgio de Lima, secretário-geral do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

A ação na cracolândia paulistana, conduzida pelos governos municipal (PSD) e estadual (PSDB), começou no dia 3, menos de um mês depois de o governo federal (PT) lançar seu plano nacional de combate ao crack.

Houve denúncias de que tanto a PM colocada nas ruas de forma apressada quanto o plano federal tinham motivação eleitoral -PT e PSDB, principalmente, gostariam de usar na campanha a bandeira de combate à droga.

Imediatamente, o tema mobilizou os pré-candidatos.

Entre os tucanos, Andrea Matarazzo, secretário estadual de Cultura, afirmou que "o governo do PT consolidou o crack na região central [da cidade]", numa alusão à gestão municipal de Marta Suplicy (2001-2004).

Já Fernando Haddad, pré-candidato petista, disse que a ação da PM foi "desarticulada", "desastrada" e "marcada pela repressão".

Ao menos por enquanto, a cracolândia parece não ter afetado a intenção de votos na cidade. A questão é saber se o tema continuará na agenda eleitoral.

"O uso político da ação na cracolândia vai exigir muito cuidado", afirma o cientista político Fernando Abrucio.

Segundo ele, é claro que num primeiro momento ela favorece o governo estadual.

"A classe média vai aplaudir, porque considera que o problema está sendo enfrentado. Mas quanto tempo dura esse efeito midiático, de uma cracolândia limpa? Além disso, é preciso ver se os viciados não vão se espalhar, o que provocaria um efeito negativo", diz Abrucio.

RESPONSABILIDADE

Os paulistanos estão certos de que irão se espalhar.

Para 82% dos ouvidos, os usuários buscarão a droga em outra região da cidade.

Os entrevistados são também céticos com relação a uma solução definitiva para o problema -57% afirmam que não é possível acabar com o tráfico e o uso de crack na cidade de São Paulo.

Nesse ponto, os tucanos são mais pessimistas: 68% são descrentes.

Mas a maioria, independentemente do partido de preferência, isenta os poderes públicos pelo problema.

Para 24%, os culpados são os próprios usuários.

Os traficantes vêm em segundo lugar (22%).

Depois aparecem o governo estadual (16%), o federal (14%) e a prefeitura (6%).

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Meta de crescimento:: Amir Khair

Apesar de boas notícias nos Estados Unidos e do menor temor de crise bancária na Europa, relatório da Organização das Nações Unidas (ONU) rebaixou a previsão de crescimento brasileiro para 2,7% neste ano e o Fundo Monetário Internacional (FMI), para 3%. São previsões inferiores às do Banco Central (BC) de 3,5%, do mercado financeiro, de 3,3%, e do governo, de 4,5% a 5,0%.

Em 2008, o País cresceu 5,2%; em 2009, com a crise, afundou 0,6%; em 2010, emplacou 7,5%; e em 2011, deve crescer menos de 3%. É um sobe e desce que ocorre ao sabor da evolução do mercado internacional e, a partir de 2011, também influenciada pelas medidas macroprudenciais, que encareceram o crédito. O problema é que o governo ainda mantém a crença que o que influencia basicamente o nível de crescimento é a taxa básica de juros (Selic). Essa política está esgotada e precisa ser alterada.

1. Distorções - Essa taxa, mantida elevada como sempre, causa distorções na economia, criando déficits crônicos nas contas do governo federal, custos proibitivos para o carregamento das reservas internacionais (mais de R$ 100 bilhões em 2011) e distorções no câmbio, prejudicando a competitividade das empresas. Nos últimos doze meses encerrados em novembro (último dado disponível), só de juros, o setor público gastou R$ 236 bilhões (5,7% do PIB) e o governo federal, R$ 175 bilhões (4,3% do PIB).

Enquanto as despesas totais do governo central (Tesouro, Previdência Social e BC) evoluíram 2%, abaixo, portanto, da inflação de 6,5%, a despesa com juros evoluiu 44,4%. Apesar disso, as críticas ao governo se concentraram na queda dos investimentos de R$ 2,7 bilhões em relação ao ano anterior, mas o mais importante, que passou despercebido, foi o aumento de R$ 51 bilhões nas despesas com juros.

Se o Brasil adotasse uma política de taxa básica de juros equivalente à praticada nos países emergentes (média de 5% ao ano), seria possível, com base em novembro, economizar R$ 205 bilhões (!) por ano, considerando a dívida mobiliária do governo federal de R$ 1,74 trilhão. Esses recursos dariam com folga para atender o déficit social e de infraestrutura do País. Portanto, não faltam recursos; trata-se de não desperdiçá-los.

2. Crescimento x Inflação - A política econômica que vem sendo adotada obedece ao antagonismo entre crescimento e inflação. Quando a atividade econômica cresce acima de 4%, considerada pelo mercado financeiro como limite de crescimento sem causar inflação, o BC usa o que considera a elevação da Selic para conter a demanda, ao mesmo tempo em que espera que o governo reduza suas despesas. Caso a atividade econômica esteja fraca, há a redução da Selic para, como crê o BC, estimular o consumo.

Esse antagonismo perdeu o sentido com o avanço da globalização comercial, pois o País deixou de ser uma economia fechada (onde faz sentido o antagonismo) para estar exposto aos preços internacionais, os principais reguladores da inflação em todos os países.

3. Proposta - Esse artigo propõe uma inflexão na política econômica. Ao invés da adoção da Selic, considerada equivocadamente como reguladora da atividade econômica, propõe-se a adoção de política comprometida com metas de crescimento. Para isso, são necessários vigorosos estímulos ao consumo e à produção, bem diversos das políticas pontuais e de alcance limitado, que vêm sendo adotadas.

4. Premissa - A razão dessa proposta reside na premissa, já salientada, de que a inflação depende, fundamentalmente, dos preços internacionais. Isso ficou evidenciado em todos os países nos últimos anos. O componente interno da inflação (serviços e preços administrados) não pode ser alcançado pela política monetária. A razão disso é simples. Os serviços respondem por 20% do IPCA e são afetados pela renda da população, que independe da Selic. Os preços administrados respondem por 30% da inflação e dependem de decisões governamentais para alteração das tarifas do transporte coletivo, energia elétrica, água e esgoto, telefonia, preços dos combustíveis, etc.

Em anos de disputa eleitoral, como o atual, esses preços são contidos para reduzir o desgaste político que podem trazer. Os restantes 50%, que compõem a inflação, são de preços de bens sujeitos à concorrência internacional, que neste ano e, provavelmente, nos próximos, deverá estar contribuindo para segurar a inflação em todos os países. Assim, não creio que a inflação deva ser preocupação neste e nos próximos anos.

5. Crescimento - A crise da Europa afeta todas as economias e irá causar redução no ritmo de crescimento das exportações e redução dos preços internacionais dos bens, pelo acirramento da concorrência internacional. Assim, há riscos de piora na balança comercial do País pela via de menor exportação e maior importação. Isso irá contribuir para a redução do crescimento. Há que enfrentar essa realidade via estímulos ao crescimento baseado no potencial de consumo e produção mal aproveitado.

Para ativação do consumo, nada melhor do que a redução das taxas de juros cobradas pelos bancos, as mais altas do mundo. Elas reduzem o poder aquisitivo da população que usa o crediário. Caso fosse adotada a taxa média de juros ao consumo dos países emergentes, de 10% ao ano, o poder aquisitivo do consumidor que usa o crediário poderia ser ampliado em 30% para compras de 24 prestações e 45% para as de 36 prestações. Além disso, tem-se a vantagem de redução da inadimplência, o que vem a favor do poder aquisitivo futuro do consumidor.

Para ativação da produção, além de desonerações tributárias e redução do cipoal burocrático, o caminho mais eficaz é a redução das taxas de juros cobradas pelos bancos para as empresas, também as mais altas do mundo. Elas elevam os custos financeiros e desestimulam os investimentos, ou seja, reduzem a oferta de bens e serviços presente e futura. Até agora o governo vem adotando a política de estimular o crescimento pela maior oferta de crédito, porém sem alterar a qualidade dele, nas anômalas taxas de juros.

Creio ser difícil o governo trilhar esse caminho. Suas próprias instituições financeiras - Banco do Brasil (BB) e Caixa Econômica Federal - praticam taxas de juros extorsivas. Segundo o último levantamento do BC junto aos bancos, feito entre os dias 6 e 12 (último dado disponível), as taxas de juros mensais para o cheque especial variaram entre 2,01% do Banco Votorantim e 10,33% para o Santander, o 30.º colocado. A Caixa ocupou o 18.º lugar com 8%, o BB o 20.º, com 8,72%, seguido pelo Bradesco, com 8,79%.

6. Meta de crescimento - O governo dispõe de variado arsenal de estímulos para induzir e controlar o nível de crescimento. Na sua principal peça de planejamento, o Plano Plurianual de Investimentos (PPA) para 2012 a 2015, o governo estabelece as metas de crescimento de 5% neste ano e de 5,5% para 2013 a 2015. A proposta orçamentária para este ano confirma essas metas. Resta ser cobrado para isso, para o bem de todos.

Amir Khair é mestre em finanças públicas pela FGV

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

No mesmo passo:: Míriam Leitão

O ministro Antonio Patriota reagiu às criticas feitas ao apoio do Brasil ao governo Sírio, dizendo que foram desastrosas as tentativas de impor a democracia pela força. No caso da Síria, a tentativa era de evitar um genocídio. Autoridades do governo têm dito, sobre a visita a Cuba, que nenhum governo recebe dissidentes. Quando Jimmy Carter veio ao Brasil, como presidente, falou com a oposição.

Há avanços na política externa do governo Dilma, em relação à do período Lula. Mas não são muitos. Em vários momentos, o que se vê é a mesma confusão entre governo e país. Os irmãos Castro podem ser longevos, mas não são eternos. Já Cuba sobreviverá ao fim dos Castro e do Castrismo, e é com a nação cubana que o Brasil tem que manter relações.

É supernormal governantes em visita oficial se encontrarem com os que divergem do governo. Nos países democráticos, eles se chamam "oposição". Nas ditaduras é que eles se chamam "dissidentes". O ex-presidente Lula, mesmo no período mais duro do regime, quando o PT ainda nem existia, muitas vezes falou com autoridades estrangeiras em visita ao Brasil. A presidente Dilma deveria imaginar que o "dissidente" de hoje pode ser o governo de amanhã, baseada em sua própria história de vida. Portanto, deve pensar bem antes de fazer qualquer desfeita aos dissidentes cubanos, como fez o presidente Lula.

O ministro Antonio Patriota foi criticado pelo diretor-executivo da Human Rights, Watch, Kenneth Roth, porque o Brasil teria sido omisso na condenação à matança de civis na Síria. Patriota reagiu criticando o que ele definiu como "ligação quase automática entre intervenção militar e promoção da democracia".

Não estava em votação intervenção militar. O Brasil se absteve no Conselho de Segurança na resolução para condenar o governo de Bashar al-Assad pela morte de civis. Os protestos na Síria começaram em março. De março a dezembro, o número de mortos chegou a 5.826, destes, 395 eram menores. Agora, já passa de 6 mil. Com a matança em curso, a ONU colocou em votação uma moção de repúdio. O Brasil que estava no Conselho de Segurança se absteve. Depois, o Brasil integrou um grupo com a Índia e África do Sul para dialogar com Bashar al-Assad. Segundo a versão agora defendida por Patriota, no debate em Davos, a abstenção era para assegurar "um espaço para a diplomacia, para a negociação, para o diálogo e para o progresso que não alimentam a violência". Bonito. Só que, na realidade, o Brasil fez papel de bobo, porque a matança continuou inclusive durante a visita do grupo formado por Brasil, Índia e África do Sul. Em novembro, até a Liga Árabe condenou o governo da Síria que está no poder, entre pai e filho, desde 1963.

No caso da Líbia, o Brasil também ficou numa posição ambígua. Esperou muito além do razoável para iniciar relações com o novo governo. Mesmo quando Muamar Kadafi estava encurralado em algum local não sabido e o governo era de fato dirigido pelo comitê dos rebeldes, o Brasil continuava reconhecendo o inexistente governo Kadafi. No dia 26 de agosto, três dias após a tomada de Trípoli e o sumiço de Kadafi, o ministro Patriota voltou a dizer que o Brasil não reconhecia o novo governo. No dia primeiro de setembro até a Rússia já tinha relações com o novo poder, mas o Brasil só o fez no dia 16 de setembro.

O caso da Líbia mostra bem a confusão entre manter relações com países e apoiar os regimes. Na visita do ex-presidente Lula a Trípoli, em 2003, Lula fez todas as vontades do ditador. Teve aulas de geopolítica dentro da sua tenda, fez homenagem ao pai do ditador e, por fim, declarou que Kadafi estava conduzindo um processo de democratização. Nunca tinha se ouvido falar nesse processo antes, nem se ouviu depois. O ideal seria evitar esse tipo de confusão entre relações com países e apoios explícitos a regimes de força.

Existem algumas boas diferenças entre a política externa de um e de outro governo. Fomos poupados, por exemplo, de ser destino de mais um périplo de Mahmoud Ahmadinejad. Diminuiu a intensidade da relação com Hugo Chávez. No primeiro mês do governo Lula, houve três encontros com Chávez. Não existe mais essa espantosa intensidade de contatos com um governo tão polêmico, o que é um alívio. Mas, na semana passada, o ministro da Defesa, Celso Amorim, defendeu acordos militares com a Venezuela e estreitamento da relação entre os dois países na área da defesa. Chávez tem uma visão muito peculiar de defesa. Ele vive dizendo que se arma contra o gigante do norte, acumulou nos últimos anos um arsenal extravagante para esse suposto enfrentamento. Talvez fosse mais sensato não pensar em acordo militar com a Venezuela, por enquanto. Tanto a Venezuela quanto a Colômbia representam dois polos de um disputa que pertencia ao mundo da guerra fria. O Brasil está em outra. Nem quer ser sede de bases americanas, como a Colômbia; nem vê os Estados Unidos como um inimigo contra o qual se armar. Melhor que as relações com os dois países, nesse campo, se restrinjam ao que é realmente do interesse do Brasil.

O governo Dilma começou dando sinais que alimentaram a esperança de uma atualização da política externa. Esses sinais estão ficando mais fracos.

FONTE: O GLOBO

Capitalismo sem rumo?:: Suely Caldas

Com a elite de governos, empresários e economistas mais prestigiados do mundo reunidos em Davos, o Fórum Econômico Mundial discutiu, há dias, saídas para a ameaça de fracasso do capitalismo como sistema econômico. No Brasil a classe média tem crescido e o número de pobres, encolhido, seguindo as regras do capitalismo - e o País sob o comando de uma ex-socialista. Por aqui e em toda a América Latina, a distribuição de renda e a ascensão social da população não chegaram com a revolução nem com a ruptura com o capitalismo, como os socialistas imaginaram no século passado. País com maior crescimento e êxito econômico do mundo, a China é comunista na política, capitalista na economia e quer que o mundo a veja como economia de mercado. Comunistas puros, Cuba e Coreia do Norte são fiascos na economia e na política.

Ao longo do século 20, o mundo dividiu-se entre socialistas e capitalistas. Duas guerras globais foram seguidas por outra latente, tensa, ameaçadora: a guerra fria, que não trocou tiros diretos entre os dois maiores rivais - EUA e URSS -, mas fabricou guerras paralelas em outros países, gastou trilhões de dólares e rublos em armamentos, matou milhões de pessoas mundo afora, espalhou subdesenvolvimento e pobreza. O embate ideológico cul minou com a queda do Muro de Berlim, que separava duas Alemanhas - a comunista, pobre e reprimida; e a capitalista, rica e próspera. A derrota deixou os socialistas perdidos e o capitalismo sem oposição para frear seus exageros.

Triunfante, o capitalismo seguiu em frente, diversificou a indústria da comunicação e com ela sofisticou seus produtos no mercado financeiro, multiplicando dinheiro e... concentrando renda. Chegou a "exuberância dos mercados", na denominação elegante do ex-presidente do banco central dos EUA Alan Greenspan. Sem freios, regulação ou fiscalização, a "exuberância" gerou a destruidora crise de 2008, golpeando grandes bancos e indústrias, sobretudo nos EUA. Desde então os países ricos repetem que o mercado financeiro precisa ser contido, regulado com regras comuns em todos os países e fiscalizado pelos governos. Reuniram-se os países do G-7, ampliados depois para o G-20, e quase nada ocorreu, a não ser uma tímida reforma bancária que os países resistem em implementar. Mas hoje os bancos são mais retraídos e cautelosos.

A retração bancária a clientes com riscos desnudou a contabilidade dos governos da velha Europa em 2011 e tem dificultado sua recuperação econômica. Grécia, Portugal, Espanha, Itália e França passaram anos fazendo com discrição e silêncio o que desaconselhavam aos latino-americanos nos anos 70/80: gastaram mais que arrecadavam e se endividaram demais para cobrir rombos.

De Adam Smith a Paul Krugman, passando por John Keynes, a economia capitalista pressupõe equilíbrio financeiro e endividamento com juízo. E o sistema cobra quando essas regras são violadas com exagero, seja com inflação, retração econômica, desemprego, retrocessos na área social, empobrecimento da população. É o que ocorre na Europa, com ameaça de expansão a outros continentes. Diante desse cenário, a revista Times cuidou de organizar um debate em Davos sobre a reinvenção do capitalismo. Convidou pensadores brilhantes, empresários experientes e uma sindicalista para debater o tema, esperando respostas que recolocassem o capitalismo na direção do homem, do equilíbrio social no mundo, do bem-estar das pessoas, da redução das desigualdades, do freio à ambição desenfreada e antídotos para a fobia por dinheiro.

Como as reuniões do G-7 ou do G-20, a iniciativa fracassou, os debatedores se limitaram a constatar os problemas da crise do capitalismo, mas raros propuseram saídas. Um deles, o economista Larry Summers, ex-conselheiro de Barak Obama, propôs o deslocamento dos desempregados da indústria para setores da saúde e educação, onde a população é mal atendida na maioria dos países. Mas as notícias que vêm de Davos indicam um debate sem rumo. Estaria o capitalismo começando a viver a crise do socialismo dos anos 70/80?

Suely Caldas, jornalista, é professora da PUC-Rio

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Conspiração contra o Blog

Caros (as),

Boa tarde! “Teoria da conspiração”, segundo a cartilha de setores da esquerda não desarmada, do PT e aliados: dia nove deste mês houve o incêndio do restaurante Majórica, tradicional no Flamengo/RJ. Era vizinho do edifício onde moro, separado por um posto de gasolina. Agora, foi a vez do meu próprio prédio. Antigamente, existia um edifício onde funcionava o Hotel dos Estrangeiros. Nele se hospedavam muitos intelectuais da época e na sua portaria foi assassinado o senador gaúcho Pinheiro Machado 8/5/1851-8/9/1915.

“Árvore desaba no Flamengo”, diz uma chamada do jornal O Dia. E segue: “Uma figueira quase centenária, de cerca de 20m de altura, desaba, na madrugada de ontem, na esquina das ruas Barão do Flamengo e Senador Vergueiro, no Flamengo. A queda da árvore destruiu a fachada e um toldo do restaurante Planalto do Chopp, uma figueira menor, um semáforo e ainda afetou parte de uma banca de jornal. Ninguém ficou ferido.

O acidente foi por volta das 3h. Segundo testemunhas, chovia e o restaurante tinha poucos clientes. Duas mesas da área externa estavam ocupadas, mas ninguém se feriu.

“Foi um barulho muito grande. Pensei que fosse uma bomba” disse Avelino da Silva, 55 anos, que trabalhava na banca de jornal. A rua Senador Vergueiro chegou a ficar interditada. Funcionários da Comlurb retiraram mais de 20 toneladas de madeira.”

Bom, também deu na coluna do Ancelmo Gois, Globo de hoje:

“SUSTO: Árvore cai na Zona Sul

Curiosos observam a árvore que tombou na Rua Barão do Flamengo, em frente ao restaurante Planalto do Chopp e próximo ao Majórica, que pegou fogo recentemente. A retirada dos galhos, ontem, deu trabalho à Comlurb e interditou a via.”

Para completar, hoje, pela manhã, houve um problema de eletricidade no PC do prédio. Os bombeiros foram chamados, junto com a Light. Resultado: o edifício, parte ficou sem energia e o total sem sinal de televisão e Internet. Assim, que o sinal estiver restabelecido vocês receberão esta mensagem. Pois bem, acabou de se restabelecer o sinal. Vou recomeçar o Blog

Aviso aos leitores: a edição de hoje sofrerá, por isso, atraso.

É ou não é “conspiração”? Ou será campanha dos inimigos do Chopp? É muita coincidência!

Abraços
Gilvan

Nasce o poema:: Ferreira Gullar

Em "O Formigueiro", eu queria expor o "cerne claro" da palavra, materializado
no branco da página

Não vou discutir se o que escrevo, como poeta, é bom ou ruim. Uma coisa, porém, é verdade: parto sempre de algo, para mim inesperado, a que chamo de espanto. E é isso que me dá prazer, me faz criar o poema.

E, por isso mesmo, também, copiar não tem graça. Um dos poemas mais inesperados que escrevi foi "O Formigueiro", no comecinho do movimento da poesia concreta.

É que, após os últimos poemas de "A Luta Corporal" (1953), entrei num impasse, porque, inadvertidamente, implodira minha linguagem poética. Não podia voltar atrás nem seguir em frente.

Foi quando, instigado por três jovens poetas paulistas, tentei reconstruir o poema. Havíamos optado por trocar o discurso pela sintaxe visual.

Já em alguns poemas de "A Luta Corporal", havia explorado a materialidade da palavra escrita, percebendo o branco da página como parte da linguagem, como o seu contrário, o silêncio.

Por isso, diferentemente dos paulistas -que exploravam o grafismo dos vocábulos, desintegrando-os em letras-, eu desejava expor o "cerne claro" da palavra, materializado no branco da página.

Daí porque, nesse poema, busquei um modo de grafar as palavras, não mais como uma sucessão de letras, e sim como construção aberta, deixando à mostra seu núcleo de silêncio.

Mas não podia grafá-las pondo as letras numa ordem arbitrária. Por isso, tive de descobrir um meio de superar o arbitrário, de criar uma determinação necessária.

Ocorre, porém, que essas eram questões latentes em mim, mas era necessário surgir a motivação poética para pô-las em prática.

E isso surgiu das próprias letras, que, de repente, me pareceram formigas, o que me levou a uma lembrança mágica, de minha infância, em nossa casa, em São Luís do Maranhão.

A casa tinha um amplo quintal, em que surgiu, certa manhã, um formigueiro: eram formigas ruivas que brotavam de dentro da terra.

Eu ouvira dizer que "onde tem formiga tem dinheiro enterrado" e convenci minhas irmãs a cavarem comigo o chão do quintal de onde brotavam as formigas. E cavamos a tarde inteira à procura do tesouro que não aparecia, até que caiu uma tempestade e pôs fim à nossa busca.

Foi essa lembrança que abriu o caminho para o poema, mas não sabia como realizá-lo. Basicamente, eu tinha as letras, que me lembravam formigas, mas isso era apenas o pretexto-tema para explorar a linguagem em sua ambiguidade de som e silêncio, matéria e significado. Que fazer então?

Como encontrei a solução, não me lembro, mas sei que não surgiu pronta, e sim como possibilidades a explorar.

Tinha a palavra "formiga", que era o elemento cerne. Experimentei desintegrá-la -numa explosão que dispersou as letras até o limite da página- e depois a reconstruí numa nova ordem: já não era a palavra "formiga", e sim um signo inventado. Foi então que pensei em grafar as palavras numa ordem outra e que nos permitisse lê-las.

Em seguida, surgiu a ideia mais importante para a invenção do poema: constituir um núcleo, formado por uma série de frases dispostas de tal modo que as letras de certas palavras servissem para formar outras. Nasceu o núcleo do poema, a metáfora gráfica de um formigueiro.

Ele surgiu da conjugação das seguintes frases: "A formiga trabalha na treva a terra cega traça o mapa do ouro maldita urbe".

Construído esse núcleo, o poema nasceu dele, palavra por palavra, sendo que cada palavra ocupava uma página inteira e suas letras obedeciam à posição que ocupavam no núcleo. Desse modo, a forma das palavras nada tinha da escrita comum. Não era arbitrária porque determinada pela posição que cada letra ocupava no núcleo.

"O Formigueiro" foi, na verdade, o primeiro livro-poema que inventei, muito embora, ao fazê-lo, não tivesse consciência disso.

Chamaria de livro-poema um tipo de criação poética em que a integração do poema no livro é de tal ordem que se torna impossível dissociá-los. Nos livros-poemas posteriores, essa integração é maior, porque as páginas são cortadas para acentuar a expressão vocabular. O livro-poema é que me levou a fazer os poemas espaciais, manuseáveis, e finalmente o poema-enterrado, de que o leitor participa, corporalmente, entrando no poema.

FONTE: ILUSTRADA/FOLHA DE S. PAULO