domingo, 16 de setembro de 2012

OPINIÃO DO DIA – Marcos Valério: ‘o mensalão maculou a República’ (XLI)

"Vocês vão se ferrar. Avisa ao barbudo que tenho bala contra ele"

— Marcos Valério,no dia 9 de julho de 2005, em referência ao ex-presidente Lula

Manchetes de alguns dos principais jornais do Brasil

O GLOBO
Mensalão tem outros 45 processos e 80 réus
PSB e PSDB com fôlego extra
Um quinto dos jovens é ‘nem-nem’
Jefferson e Dirceu, 20 anos de ódio

FOLHA DE S. PAULO
Prefeitura paga aluguel para 100 mil em São Paulo
Lula chefiou mensalão de R$ 350 mi, diz Valério; PT nega
Russomanno promete time de secretários surpreendente
Alckmin usa retórica dos matadores da ditadura, escreve Maria Rita Kehl

O ESTADO DE S. PAULO
Mantega diz que juros do cartão de crédito são ‘escorchantes’
Valério acusa Lula de chefiar mensalão, diz revista
Na base do governo, PRB vira problema para o PT
Patriota critica ação das potências na crise síria

CORREIO BRAZILIENSE
Quadrilha de Cachoeira vende imóveis para fugir
Onde faltam boas escolas são altos os índices de violência
Metade do salário vai par ao governo

ESTADO DE MINAS
Boca-livre
A mordida do leão é maior no bolso do pobre
Vídeo esquenta ainda mais a briga em Betim

ZERO HORA (RS)
Por que 34,5% dos alunos do Ensino Médio não estão na série correspondente à sua idade?

JORNAL DO COMMERCIO (PE)
Desordem de Norte a Sul
Candidatos atacam prefeitos

"Lula era o chefe"

Seis semanas depois de iniciado o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o escândalo do mensalão, que Lula e o PT tentaram dissimular como sendo uma "farsa da oposição" ou "invenção da imprensa golpista", mostrou-se de uma realidade absoluta e incontestável. As primeiras condenações à prisão já foram lavradas pelos ministros do Tribunal e outras ainda virão até o veredicto final, o que deve ocorrer em meados de novembro. O Brasil e os brasileiros, portanto, já ganharam o ano com a demonstração de maturidade e independência da Justiça e com a certeza de que a nação conta com uma imprensa livre, corajosa e obcecada pela busca da verdade, cujo trabalho desencavou o escândalo e o manteve vivo com constantes revelações até que os culpados fossem confrontados com seu destino perante o tribunal.

VEJA se orgulha de ter desempenhado um papel fundamental em mais esse processo de depuração da vida política nacional. Foram os repórteres da revista que captaram os primeiros sinais da doença que tomava conta de Brasília ao publicarem o vídeo em que um diretor dos Correios embolsava uma propina em dinheiro vivo. A partir daí. VEJA foi puxando o fio da meada até constatar que. ao que tudo indicava, a podridão havia subido a rampa do Palácio do Planalto e se instalado nas imediações e até no próprio gabinete presidencial. Em sua edição de 13 de julho de 2005. VEJA colocou na capa os resultados de uma pesquisa nacional de opinião pública dando conta de que para 45% dos entrevistados o então presidente Lula nada sabia do mensalão. enquanto para 39% ele sabia mas não se envolvera diretamente na operação e para 16% Lula sabia e tivera participação direta nas malfeitorias. Depois, a revista revelou que em pelo menos cinco situações Lula fora alertado sobre o que se passava a sua volta. Em outra reportagem de capa. VEJA trouxe a primeira forte evidência de que os 16% ouvidos na pesquisa estavam certos: Lula sabia e se envolvera. Os repórteres da revista informavam que o pivô financeiro do escândalo, o publicitário mineiro Marcos Valério. estava a ponto de procurar a Justiça e contar tudo sobre o envolvimento de Lula em troca do alívio da pena pelo mecanismo da delação premiada. "Vocês vão se ferrar. Avisa ao barbudo que tenho bala contra ele", disse Valério a João Paulo Cunha, ex-presidente da Câmara dos Deputados e hoje réu já condenado no processo do mensalão pelo STF. VEJA relatou a bem-sucedida operação do PT para acalmar Valério, oferecendo-lhe proteção.

Uma reportagem exclusiva desta edição do editor Rodrigo Rangel, da sucursal de Brasília, feita com base em revelações de Marcos Valério a parentes, amigos e associados, reabre de forma incontornável a questão da participação do ex-presidente no mensalão. ""Lula era o chefe", vem repetindo Valério com mais frequência e amargura agora que já foi condenado pelo STF. podendo, no fim do julgamento, ver sua pena chegar a mais de 100 anos de reclusão. Valério não quis dar entrevista sobre as acusações diretas do envolvimento de Lula que ele vem fazendo. Mas não desmentiu nada.

Os segredos do Mensalão

O empresário Marcos Valério, apontado como o operador do esquema, diz que, em troca do seu silêncio, recebeu garantias do PT de uma punição branda. Condenado pelo STF por vários crimes, cujas penas podem chegar a 100 anos de prisão, ele revela que o ex-presidente Lula sabia de tudo e que o caixa para subornar políticos foi muito maior: 350 milhões de reais.

Rodrigo Rangel

Faltavam catorze minutos para as 7 da manhã da última quarta-feira quando o empresário Marcos Valério, o pivô financeiro do mensalão, parou seu carro em frente a uma escola, em Belo Horizonte. Alvo das mais pesadas condenações no julgamento que está em curso no Supremo Tribunal Federal (STF), ele tem cumprido religiosamente a tarefa de levar o filho todos os dias ao colégio. Desce do carro, acompanha o menino até o portão e se despede com um beijo no rosto. Chega mais cedo para evitar ser visto pelos outros pais e alunos e vai embora depressa, cabisbaixo. "O PT me transformou em bandido”, desabafa. Valério sabe que essa rotina em breve será interrompida. Ele é o único dos 37 réus do mensalão que não tem um átimo de dúvida sobre seu futuro. Na semana passada. o publicitário foi condenado por lavagem de dinheiro, crime que acarreta pena mínima de três anos de prisão. Computadas as punições pelos crimes de corrupção ativa e peculato, já decididas, mais evasão de divisas e formação de quadrilha, ainda por julgar, a sentença de Marcos Valério pode passar de 100 anos de reclusão. Mesmo com todas as atenuantes da lei penal brasileira, não é improvável que ele termine seus dias na cadeia. Valério tem culpa no cartório, mas fica evidente que ele está carregando sobre os ombros uma carga penal que, por justiça, deveria estar mais bem distribuída entre patentes bem mais altas na hierarquia do mensalão. É isso que mais martiriza a alma de Valério neste momento, uma dor que ele tenta amenizar lembrando, sempre que pode, que seu silêncio sobre os responsáveis maiores acima dele está lhe custando muito caro.

Apontado como o responsável pela engenharia financeira que possibilitou ao PT montar o maior esquema de corrupção da história, Valério enfrenta um dilema. Nos últimos dias, ele confidenciou a pessoas próximas detalhes do pacto que havia firmado com o partido. Para proteger os figurões, conta que assumiu a responsabilidade por crimes que não praticou sozinho e manteve em segredo histórias comprometedoras que testemunhou quando era o "predileto" do poder. Em troca do silêncio, recebeu garantias. Primeiro, de impunidade. Depois, quando o esquema teve suas entranhas expostas pela Procuradoria-Geral da República, de penas mais brandas. Valério guarda segredos tão estarrecedores sobre o mensalão que não consegue mais reter só para si — mesmo que agora, desiludido com a falsa promessa de ajuda dos poderosos que ele ajudou, tenha um crescente temor de que eles possam se vingar dele de forma ainda mais cruel. Os segredos de Valério, se revelados, põem o ex-presidente Lula no epicentro do escândalo do mensalão. Sim, no comando das operações. Sim. Lula, que, fiel a seu estilo, fez de tudo para não se contagiar com a podridão à sua volta, mesmo que isso significasse a morte moral e política de companheiros diletos. Valério teme, e fala a pessoas próximas, que se contar tudo o que sabe estará assinando a pior de todas as sentenças — a de sua morte: "Vão me matar. Tenho de agradecer por estar vivo até hoje".

Sua mulher, Renilda Santiago, já tentou o suicídio três vezes. Há duas semanas, ela telefonou a uma amiga para dizer que iria a um reduto do tráfico encravado na região central de Belo Horizonte comprar uma arma. Avisou que havia decidido dar um tiro na cabeça. Renilda está mergulhada em crise aguda de depressão. Os dois filhos do casal vivem dramas à pane. Meses atrás, o menino, de 11 anos, tentou fazer um teste de admissão em uma escola mais perto de casa, mas a diretora nem deixou o garoto começar a prova. A direção da escola não queriaí entre seus alunos o filho de Marcos Valério. A filha mais velha, de 21 anos, passou por constrangimentos cruéis. Em um debate na faculdade de psicologia, o assunto escolhido pelos colegas foi justamente o comportamento do pai dela. Humilhada, ela saiu da sala. Chega a ser assustador, mesmo que previsível, que as pessoas esqueçam a mais consagrada prática cristã, civilizada e jurídica — a de que os filhos não devem pagar pelos erros dos pais. Marcos Valério sofre de síndrome do pânico e praticamente não prega os olhos à noite. Sobre o PT e seus antigos parceiros ele vem dizendo: "Eu detesto esse pessoal. Esse povo acabou com a minha vida. me fez de um tamanho que eu não sou. O PT me fez de escudo, me usou como um boy de luxo. Mas eles se ferraram porque agora vai todo mundo para o ralo". O medo ainda constrange Marcos Valério a limitar suas revelações a pessoas próximas. Até quando?

MENSALÃO

“O caixa do PT foi de 350 milhões de reais”

A acusação do Ministério Público Federal sustenta que o mensalão foi abastecido do 55 milhões de reais tomados por empréstimo por Marcos Valério junto aos bancos Rural e BMG, que se domaram a 74 milhões, desviados da Visanet, fundo abastecido com dinheiro público e controlado pelo Banco do Brasil. Segundo Marcos Valério, esse é o valor é subestimado. Ele conta que o caixa real do mensalão era o triplo do descoberto pela polícia e denunciado pelo MP. Valério diz que pelas arcas do esquema passaram pelo menos 350 milhões de reais. “Da SMP&B vão achar só os 55 milhões, mas o caixa era muito maior. O caixa do PT foi de 350 milhões de reais, com dinheiro de outras empresas que nada tinham a ver com a SMP&B nem com a DNA” afirma o empresário. Esse caixa paralelo, conta ele, era abastecido com dinheiro oriundo de operações tão heterodoxas quanto os empréstimos fictícios, tomados por suas empresas para pagar políticos aliados do PT. Havia doações diretas diante da perspectiva de obter facilidades no governo. "Muitas empresas davam via empréstimos, outras não." O fiador dessas operações, garante Valério, era o próprio presidente da República.

Lula teria se empenhado pessoalmente na coleta de dinheiro para a engrenagem clandestina, cujos contribuintes tinham algum interesse no governo federal. Tudo corria por fora, sem registros formais, sem deixar nenhum rastro. Muitos empresários, relata Marcos Valério, se reuniam com o presidente, combinavam a contribuição e em seguida despejavam dinheiro no cofre secreto petista. O controle dessa contabilidade cabia ao então tesoureiro do partido. Delúbio Soares, que é réu no processo do mensalão e começa a ser julgado nos próximos dias pelos crimes de formação de quadrilha e corrupção ativa. O papel de Delúbio era, além de ajudar na administração da captação, definir o nome dos políticos que deveriam receber os pagamentos determinados pela cúpula do PT, com o aval do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, acusado no processo como o chefe da quadrilha do mensalão: "Dirceu era o braço direito do Lula, um braço que comandava”. Valério diz que, graças a sua proximidade com a cúpula petista no auge do esquema, em 2003 e 2004, teve acesso à contabilidade real. Ele conta que a entrada e a saída de recursos foram registradas minuciosamente em um livro guardado a sete chaves por Delúbio. Pelo seu relato, o restante do dinheiro desse fundão teve destino semelhante ao dos 55 milhões de reais obtidos por meio dos empréstimos fraudulentos tomados pela DNA e pela SMP&B. Foram usados para remunerar correligionários e aliados. Os valores calculados por Valério delineiam um caixa clandestino sem paralelo na política. Ele fala em valores dez vezes maiores que a arrecadação declarada da campanha de Lula nas eleições presidenciais de 2002.

O PRESIDENTE

“Lula era o chefe”

A ira de Marcos Valério desafia a defesa clássica do ex-presidente Lula de que não sabia do Mensalão e nada teve a ver com o esquema arquitetado em seu primeiro mandato. Com a segurança de quem transitava com desenvoltura pelos gabinetes oficiais, inclusive os palacianos, e era considerado um parceiro preferencial pela cúpula petista, Valério afirma que Lula “comandava tudo". Em sua própria defesa, diz que como operador dos pagamentos não passava de um “boy de luxo" de uma estrutura que tinha o então presidente no topo da cadeia de comando. "Lula era o chefe”, repete Valário às pessoas mais próximas. A afirmação se choca com todas as versões apresentadas por Lula desde que o esquema foi descoberto, em 2005. Primeiro, escudou-se no argumento de que tudo não passou do uso de dinheiro "não contabilizado” que havia sobrado das campanhas políticas, prática suprapartidária e recorrente na política brasileira — não por acaso tem sido essa a estratégia de defesa dos mensaleiros no STF. Num segundo momento, Lula se disse traído e pediu desculpas à nação em rede de televisão.

A rota de fuga de Lula evoluiu mais tarde para a negação completa, com a tese nefelibata de que o mensalão nunca existiu, tendo sido apenas uma armação das elites para abreviar seu mandato. A narrativa de Valério coloca Lula não apenas como sabedor do que se passava, mas no comando da operação. Valério não esconde que se encontrou com Lula diversas vezes no Palácio do Planalto. Ele faz outra revelação: “Do Zé ao Lula era só descer a escada. Isso se faz sem marcar. Ele dizia vamos lá embaixo, vamos”. O Zé é o ex-ministro José Dirceu, cujo gabinete ficava no 4o andar do Palácio do Planalto, um andar acima do gabinete presidencial. A frase famosa e enigmática de José Dirceu no auge do escândalo — "Tudo que eu faço é do conhecimento de Lula” — ganha contornos materiais depois das revelações de Valério sobre os encontros em palácio. Marcos Valério reafirma que Dirceu não pode nem deve ser absolvido pelo Supremo Tribunal, mas faz uma sombria ressalva. “Não podem condenar apenas os mequetrefes. Só não sobrou para o Lula porque eu, o Delúbio e o Zé não falamos”, disse na semana passada, em Belo Horizonte. Indagado, o ex-presidente não respondeu.

PACTO

“Meu contato era o Okamotto”

Há menos de dois meses, VEJA revelou a existência de encontros secretos entre Marcos Valério e Paulo Okamotto, petista estrelado que desempenha a tarefa de assessor financeiro, ou tesoureiro, de Lula. Procurado para explicar por que se reunia com o principal operador do mensalão. Okamotto disse que os encontros serviam apenas para discutir política. Não, não era bem assim. Marcos Valério tinha um pacto com o PT, e Paulo Okamotto era o fiador desse pacto. “Eu não falo com todo mundo no PT. O meu contato com o era o Paulo Okamotto”, disse Valério em uma conversa reservada dias atrás. É o próprio Valério quem explica a missão de Okamotto: "O papel dele era tentar me acalmar“.

O empresário conta que conheceu o Japonês, como o petista é chamado, no ápice do escândalo. Valério diz que, na véspera de seu primeiro depoimento à CPI que investigava o mensalão, Okamotto o procurou. “A conversa foi na casa de uma funcionária minha. Era para dizer o que eu não devia falar na CPI”, relembra. O pedido era óbvio.

Okamotto queria evitar que Valério implicasse Lula no escândalo. Deu certo durante muito tempo. Em troca do silêncio de Valério, o PT, por intermédio de Okamotto, prometia dinheiro e proteção. A relação se tomaria duradoura, mas nunca foi pacífica. Em momentos de dificuldade, Okamotto era sempre procurado. Quando Valério foi preso pela primeira vez, sua mulher viajou a São Paulo com a filha para falar com Okamotto. Renilda Santiago queria que o assessor de Lula desse um jeito de tirar seu marido da cadeia. Disse que ele estava preso injustamente e que o PT precisava resolver a situação. A reação de Okamotto causa revolta em Valério até hoje. "Ele deu um safanão na minha esposa. Ela foi correndo para o banheiro, chorando." O empresário jura que nunca recebeu nada do PT, Já a promessa de proteção, segundo Valério, girava em tomo de um esforço que o partido faria para retardar o julgamento do mensalão no Supremo e, em último caso, tentar amenizar a sua pena. "Prometeram não exatamente absolver, mas diziam: ‘Vamos segurar, vamos isso. vamos aquilo’... Amenizar", conta. Por muito tempo, Marcos Valério acreditou que daria certo. Procurado, Okamotto não se pronunciou.

PODER

“0 Delúbio dormia no Alvorada“

Dos tempos em que gozava das intimidades do poder em Brasília, Marcos Valério diz guardar muitas lembranças. Algumas revelam a desenvoltura com que personagens centrais do mensalão transitavam no coração do governo Lula antes da eclosão do maior escândalo de corrupção da história política do país. Valério lembra das vezes em que Delúbio Soares, seu interlocutor frequente até a descoberta do esquema, participava de animados encontros à noite no Palácio da Alvorada, que não raro servia de pernoite para o ex-tesoureiro petista. "O Delúbio dormia no Alvorada. Ele e a mulher dele iam jogar baralho com Lula à noite. Alguma vez isso ficou registrado lá dentro? Quando você quer encontrar (alguém), você encontra, e sem registro." O operador do mensalão deixa transparecer que ele próprio foi a uma dessas reuniões noturnas no Alvorada. Sobre sua aproximação com o PT. Valério conta que, diferentemente do que os petistas dizem há sete anos, ele conheceu Delúbio durante a campanha de 2002. Quem apresentou a ele o petista foi Cristiano Paz. seu ex-sócio, que intermediava uma doação à campanha de Lula. A primeira conversa foi em Belo Horizonte, dentro de um carro. a caminho do Aeroporto da Pampulha. Nessa ocasião, conta. Delúbio lhe pediu ajuda. "Ele precisava de uma empresa para servir de espelho para pegar um dinheiro”. A parceria deu certo e desaguou no mensalão. Hoje, os dois estão no banco dos réus. Valério se sente injustiçado. Especialmente na pane da acusação que diz respeito ao desvio de recursos públicos do Banco do Brasil. Ele jura que esse dinheiro não caiu no caixa da corrupção. "No processo tem todas as notas fiscais que comprovam que esse dinheiro foi gasto com publicidade. Não estou falando que não mereço um tapa na orelha. Não é isso. Concordo em ser condenado por aquilo que eu fiz.”

EMPRÉSTIMO

"O banco ia emprestar dinheiro para uma agência quebrada?"

Os ministros do STF já consideraram fraudulentos os empréstimos concedidos pelo Banco Rural às agências de publicidade que abasteceram o mensalão. Para Valério, a decisão do Rural de liberar o dinheiro — com garantias fajutas e José Genoino e Delúbio Soares como fiadores — não foi um favor a ele, mas ao governo Lula. "Você acha que chegou lá o Marcos Valério com duas agências quebradas e pediu: "Me empresta aí 30 milhões de reais pra eu dar pro PT"? O que um dono de banco ia responder?" Valério se lembra sempre de José Augusto Dumont, então presidente do Rural. "O Zé Augusto, que não era bobo. falou assim: "Pra você eu não empresto". Eu respondi: "Vai lá e conversa com o Delúbio"."" A partir daí a solução foi encaminhada. Os empréstimos, diz Valério, não existiriam sem o aval de Lula e Dirceu. "Se você é um banqueiro, você nega um pedido do presidente da República"?" Foram essas mesmas credenciais palacianas, segundo ele, que lhe abriram as portas no Banco Central para interceder pela suspensão da liquidação extrajudicial do Banco Mercantil de Pernambuco, que interessava ao Rural. Valério foi destacado para cuidar do assunto em Brasília. Uma tarefa executada com todas as facilidades e privilégios. "Valério chegou lá no Banco Central e foi atendido. Você acha que o Banco Central receberia um imbecil qualquer, dono de uma agência de publicidade quebrada?"

"Nojento e vexatório"

Ex-superintendente do Banco Rural em Brasília, Lucas da Silva Roque foi um dos principais colaboradores nas investigações da Polícia Federal destinadas a desbaratar a quadrilha do mensalão. Foi ele quem revelou onde estavam os recibos que mostraram quais políticos receberam dinheiro para votar com o governo Lula no Congresso. Nesta entrevista, Roque conta que pagou um preço alto por agir de forma correta e relata um plano ambicioso urdido pela cúpula da instituição financeira em parceria com José Dirceu. Eles queriam montar um banco popular, do qual Rural e BMG seriam sócios, para conceder empréstimos consignados aos aposentados. Um negócio companheiro e bilionário.

Por que o senhor decidiu ajudar a polícia?

Não tinha nada a temer. Não entrei no jogo deles, não sou bandido. Fui mandado para a agência do Rural em Brasília para moralizá-la, porque ali estava uma bagunça. 0 que estava acontecendo no banco era acintoso, nojento e vexatório. 0 delegado disse que queria todos os documentos. Apontei onde estavam as caixas. Àquela altura, já estava tudo encaminhado para fazer sumir as provas, mandando-as de Brasília para Minas Gerais. Mostrei onde estavam os documentos e falei para o delegado que procurasse papéis também numa construtora, que servia de almoxarifado do banco.

Como a diretoria reagiu à sua colaboração com a PF?

Fui atacado de tudo quanto é jeito. Me colocaram em um porão que não era uma agência bancária, depois em uma loja de shopping que foi fechada por ser irregular. Pior, mandaram me avisar que eu estava proibido de aparecer na diretoria do banco. Isso foi em outubro de 2005. Virei a Geni. Fui demitido em agosto de 2010. Eu, minha esposa e meus filhos fomos achincalhados na rua como mensaleiros. Tive sérios problemas de saúde, perdi meu casamento.

O senhor tinha relação de proximidade com Marcos Valério. Ele disse a algumas pessoas que teve um encontro com Lula na Granja do Torto. Vários encontros. É verdade?

Sim, ele deixava para viajar para Belo Horizonte no sábado à noite para passar lá.

Levado por quem?

Delúbio Soares, Silvinho Pereira e José Dirceu.

Quais eram os planos da cúpula do Banco Rural e dos petistas?

Eles tinham um projeto de montar um banco popular com a CUT. Juntariam o Banco Rural, o BMG, a CUT. Era um projeto com capital de 1 bilhão de reais.

Quem capitaneava esse projeto?

Eram os bandidos do mensalão. Como o PT não tinha cultura bancária, o Rural e o BMG seriam sócios. Um banco privado com a participação da CUT, que direcionaria todos os beneficiários do INSS para tomar dinheiro em empréstimos consignados nessa instituição popular. Quando o mensalão estourou, o projeto foi abortado.

FONTE: REVISTA VEJA, EDIÇÃO 2287 – ANO 45 Nº 38, 19 DE SETEMBRO DE 2012.

A vez dos mensaleiros

O STF começa a julgar os políticos acusados de receber propina do maior esquema de corrupção da história

Nas 23 sessões de julgamento do processo do mensalão realizadas até agora, o Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou, uma a uma, as alegações usadas pelo PT para qualificar de "farsa" o maior esquema de corrupção da história política do país. Primeiro, os ministros reconheceram o desvio de recursos públicos da Câmara dos Deputados e do Banco Brasil para financiar o suborno de parlamentares a serviço da gestão do ex-presidente Lula. Depois, classificaram de fraudulentos os empréstimos concedidos pelo Banco Rural a duas empresas de Marcos Valério e ao PT, deixando claro que a instituição financeira repassou dinheiro ao empresário e ao partido porque esperava receber, em contrapartida, um tratamento privilegiado do governo — o que de fato ocorreu. Na semana passada, mais um golpe solapou a argumentação petista. Os ministros declararam que o Rural aceitou ser usado para esconder a origem e o destino do dinheiro sujo que comprou congressistas e líderes de partido. A decisão encerrou a parte do julgamento dedicada a mostrar o caminho do dinheiro — um caminho criminoso no início, no meio e no fim.

Depois da condenação dos envolvidos na engrenagem financeira do mensalão, o processo entrará em etapa crucial nesta semana: o julgamento da clientela do esquema. Os ministros decidirão se houve a compra de apoio político. Serão julgados 23 réus. Deputado cassado e ex-ministro da Casa Civil, o petista José Dirceu responderá por corrupção ativa, ao lado do ex-presidente do PT José Genoino e do ex-tesoureiro Delúbio Soares. O trio é responsável, segundo a denúncia do Ministério Público, pelo suborno de sete parlamentares e dirigentes partidários. Na semana passada, os ministros condenaram três dirigentes do Rural, entre eles a ex-presidente Kátia Rabello.

Valério e seus dois ex-sócios, além de um advogado e uma funcionária do operador do mensalão. O Supremo entendeu que as ilegalidades comendas até o momento em que os recursos dos mensaleiros foram sacados na agência do Rural constituem lavagem de dinheiro. Os ministros destacaram a estratégia de apontar formalmente como sacadora a agência de Valério, a fim de acobertar a verdadeira identidade dos beneficiários, os mensaleiros. Isso só foi descoberto depois da operação de busca e apreensão da Polícia Federal, que contou com a ajuda de um ex-superintendente do Rural.

O futuro ministro

Preocupados com as condenações em série no processo do mensalão, alguns petistas pressionaram a presidente Dilma Rousseff a indicar para o Supremo Tribunal Federal (STF), na vaga aberta com a aposentadoria de Cezar Peluso, um ministro-companheiro - alguém simpático à tese farsesca do caixa dois e predisposto a absolver o ex-ministro José Dirceu, o ex-deputado José Genoino e outros peixes grandes. A presidente Dilma repeliu as pressões, insufladas em grande parte pelo ex-presidente Lula. Sem sujeitar as prerrogativas do cargo a interesses partidários, ela indicou Teori Albino Zavascki, de 64 anos, ao STF apenas sete dias depois da saída de Peluso. Assim, abateu as pretensões dos companheiros de partido, lembrando-os de que a Constituição exige a indicação de nomes com reputação ilibada e notório saber jurídico.

Zavascki pertence hoje aos quadros do Superior Tribunal de Justiça (STJ), para o qual foi indicado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em 2002 e nomeado por Lula em 2003. Professor e autor de cinco obras de direito, Zavascki é conhecido pela sólida formação jurídica, atuação técnica e pela discrição. "Ele tem uma história judicante já longa. É um grande acadêmico e tem uma bagagem respeitável", disse o ministro Marco Aurélio Mello. "Dá para ver que é uma pessoa recolhida, discreta.Tem uma formação muito densa e é um bom constitucionalista", reforçou o ministro Gilmar Mendes. Antes de assumir uma cadeira no STF Teori Zavascki precisa ser sabatinado e aprovado pelo Senado, outra exigência constitucional. Esse processo deve ser concluído em outubro.

0 novo ministro assume a tempo de participar do julgamento do mensalão. Segundo integrantes do governo e parlamentares com quem Zavascki falou sobre o assunto, ele deve se abster de votar por não conhecer o processo em detalhes. A presidente Dilma já indicou dois magistrados para a corte: Luiz Fux e Rosa Weber.

Ao votarem no mensalão, ambos reconheceram a ocorrência dos crimes de corrupção, peculato e lavagem de dinheiro, contrariando a expectativa de alguns petistas esperançosos em aparelhar o Supremo para garantir a impunidade dos companheiros do mensalão.

FONTE: REVISTA VEJA, Nº 38, 19 DE SETEMBRO DE 2012.

Marcos Valério afirma que Lula era o chefe do mensalão, diz revista

Segundo operador do esquema, ele e Dirceu preservaram ex-presidente

BRASÍLIA Condenado até a última quinta-feira por lavagem de dinheiro, peculato e corrupção ativa, cuja pena mínima será de 13 anos de cadeia, Marcos Valério partiu para o ataque e começou a revelar a pessoas próximas detalhes do funcionamento do mensalão. A afirmação é da revista "Veja" desta semana. Segundo a publicação, nessas conversas, o operador do mensalão coloca o ex-presidente Lula no cerne do escândalo e insinua que ele deveria ter sido incluído na denúncia feita ao Supremo Tribunal Federal.

- Não podem condenar apenas os mequetrefes. Só não sobrou para o Lula porque eu, o Delúbio e o Zé não falamos - teria dito Valério.

Segundo a revista, Valério afirma que "Lula era o chefe" e "comandava tudo". O operador teria se encontrado com Lula diversas vezes no Palácio do Planalto, sem agendamento:

- Do Zé (Dirceu) ao Lula era só descer a escada. Isso se faz sem marcar.

FONTE: O GLOBO

Caixa paralelo do PT seria três vezes maior do que o revelado

Delúbio teria tudo registrado em livro guardado secretamente

BRASÍLIA A revista Veja diz que as afirmações foram feitas a diversos interlocutores. Procurado pela publicação, Valério teria evitado dar entrevista, mas não desmentiu nada. O motivo para o operador ter começado a detalhar o funcionamento do mensalão seriam as sucessivas condenações no STF. Valério teria acertado com o PT que receberia uma punição branda em troca de seu silêncio.

- Prometeram não exatamente absolver, mas diziam "Vamos segurar, vamos isso, vamos aquilo"... - teria contado o mensaleiro.

Outra revelação feita por Valério, segundo a revista, é de que o caixa do mensalão seria muito maior do que o descoberto até agora. Valério teria contado a interlocutores que seria três vezes maior do que os R$ 129 milhões revelados:

- Da SMP&B, vão achar só os R$ 55 milhões, mas o caixa era muito maior. O caixa do PT foi de R$ 350 milhões, com dinheiro de outras empresas que nada tinham a ver com a SMP&B nem com a DNA - teria dito o operador. - Esse dinheiro teria sido obtido com empréstimos fictícios tomados por suas empresas e doações diretas de interessados em obter facilidades no governo. Muitas empresas davam empréstimos, outras não.

Segundo a revista, o ex-presidente Lula teria se empenhado pessoalmente na coleta de dinheiro para essa engrenagem. Valério teria afirmado que muitos empresários reuniam-se com o presidente, acertavam a contribuição e despejavam o dinheiro no cofre do PT. A distribuição desses recursos ficaria a cargo do ex-tesoureiro Delúbio Soares, que teria registrado detalhadamente a entrada e a saída desses recursos em um livro guardado a sete chaves. O destino final seria o mesmo dos recursos já descobertos: a remuneração de petistas e aliados. O tesoureiro do PT, segundo as supostas revelações de Valério, tinha uma relação próxima com Lula:

- O Delúbio dormia no Alvorada. Ele e a mulher dele iam jogar baralho com Lula à noite. Alguma vez isso ficou registrado lá dentro? Quando você quer encontrar (alguém), você encontra, e sem registro.

Agora, Valério estaria magoado com os ex-companheiros:

- Eu detesto esse pessoal. Esse povo acabou com a minha vida, me fez de um tamanho que eu não sou. O PT me fez de escudo, me usou como um boy de luxo. Mas eles se ferraram porque agora vai todo mundo para o ralo.

Segundo a revista, o temor de Valério em revelar publicamente o que sabe seria por uma questão de sobrevivência.

- Vão me matar. Tenho de agradecer por estar vivo até hoje - teria dito.

FONTE: O GLOBO

Amigo do ex-presidente diz que publicitário é 'maluco'

Paulo Okamotto nega saber sobre o mensalão e afirma que só conheceu Valério pela imprensa

Andreza Matais

BRASÍLIA – Um dos principais interlocutores do ex-presidente Lula, Paulo Okamotto tachou Marcos Valério de "maluco" e disse não saber nada do mensalão. Valério, segundo a revista "Veja", afirmou que Okamotto tinha o papel de acalmá-lo para evitar que ligasse Lula ao escândalo.

Folha - Marcos Valério, segundo a revista "Veja", disse que o sr. o procurou para que ele não dissesse que Lula sabia do mensalão.

Paulo Okamotto - Vê se faz sentido o que ele está falando. As pessoas podem falar o que quiserem. Vou ficar discutindo coisa maluca? Eu o procurei, dei safanão na mulher dele... Que negócio maluco, né? [leia ao lado sobre as acusações de Valério] Vou discutir com maluco?

O sr. nunca esteve em Belo Horizonte para pedir a Marcos Valério que não falasse de Lula nem do mensalão?

Eu não sei nada de mensalão. Se tem mensalão, se o dinheiro é emprestado, como foi conseguido e quem pediu para arrumar o dinheiro, é ele quem sabe. Eu nunca pedi, nunca tive negócios com ele.

O sr. tinha relações com Valério, conversava, frequentava a casa?

Nunca. Até o advento do chamado mensalão, da denúncia do [ex-deputado] Roberto Jefferson [PTB-RJ], eu nunca vi o Valério nem mais gordo, nem mais magro, nem cabeludo, nem mais careca.

O sr. veio a saber da existência de Valério quando Roberto Jefferson disse que ele existia, em 2005?

Depois que a imprensa começou a divulgar a figura dele foi que eu o conheci.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Declaração pode reforçar voto, dizem ministros

Integrantes do Supremo dizem que afirmações atribuídas a Valério não são prova, mas podem fortalecer convicção

Ricardo Brito

BRASÍLIA - Ministros do Supremo Tribunal Federal afirmaram ontem que as declarações atribuídas ao empresário Marcos Valério podem, sim, complicar a situação do ex-ministro José Dirceu, apontado pela Procuradoria-Geral da República como o principal réu do processo do mensalão.

A partir de amanhã, o Supremo começa a julgar se Dirceu deve ser condenado por corrupção ativa por envolvimento na compra de apoio político de partidos da base aliada no início do governo Lula. Segundo declarações atribuídas a Valério pela reportagem da revista Veja, Lula "chefiava o esquema" do mensalão e Dirceu o "comandava".

Os magistrados ouvidos pela reportagem disseram que, do ponto de vista técnico, não há influência na análise da causa, uma vez que o processo já foi todo instruído e está em fase de julgamento. Mas as afirmações podem ajudar a fortalecer o convencimento subjetivo dos ministros pela culpa de Dirceu.

"Claro que os integrantes do tribunal são pessoas que percebem o contexto e, muito embora tenhamos que formar o nosso convencimento a partir da prova, evidentemente não podemos dizer que esse dado é neutro, não tenha a menor influência", afirmou o ministro Marco Aurélio Mello. Mas faz uma ressalva ao afirmar que somente com as afirmações de Valério não vale como prova para uma condenação. Isso porque o empresário é corréu na ação penal. "No processo, não podemos lançar essas declarações para uma decisão condenatória", destacou.

Um ministro, que se manifestou reservadamente, concorda com a avaliação feita por Valério de que o esquema era muito maior do que o que está em julgamento no Supremo. "O que me parece evidente é que o que está no Supremo é um fragmento do esquema", afirmou o ministro. Ele lembrou que apurações realizadas na CPI dos Correios - que investigou o mensalão - chegou a apontar que as empresas de Valério movimentaram R$ 1 bilhão.

O magistrado disse que, mesmo apreciando apenas com base no que está no processo, as operações feitas pelo PT e pelas empresas de Valério com o Banco Rural não foram realizadas apenas pelo ex-presidente do PT José Genoino e pelo ex-tesoureiro petista Delúbio Soares. "É impossível que não tenha tido um aval superior, de gente dentro do governo", observou.

Outro ministro, também reservadamente, disse concordar que as declarações podem influenciar o convencimento do colegiado. "Depende da predisposição de cada magistrado. Agora, do ponto de vista objetivo, como prova, não vale. Não foi produzida em juízo, sob o crivo do contraditório", destacou. O magistrado disse que, na forma que analisou o processo, ele não se vale de entrevistas ou de contextos para julgar. "O julgador se escora na conduta individual de cada réu e no conjunto da obra." Ele disse que tem feito esta análise para o envolvimento de Dirceu.

Ministros do Supremo Tribunal Federal disseram ao Estado que cabe ao Ministério Público Federal analisar se as afirmações atribuídas ao empresário Marcos Valério precisam ser investigadas e se é o caso de apurar o envolvimento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no mensalão. Ao sair da Presidência, Lula deixou de ter foro privilegiado e, com isso, não cabe ao Supremo Tribunal Federal, que julga o processo do mensalão, interferir na questão. "Em tese, não fica afastada a possibilidade de surgir um inquérito", disse o ministro Marco Aurélio Mello. "A palavra está com a procuradoria", afirmou outro ministro.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Oposição estuda pedir investigação ao MP

Rosa Costa, Denise Madueño, Vera Rosa e Fausto Macedo

O PSDB examina pedir investigação ao Ministério Público para apurar suposta participação do ex-presidente Lula no esquema de compra de votos em troca de apoio ao seu governo, depois das revelações atribuídas ao empresário Marcos Valério de que Lula era o chefe do mensalão, conforme reportagem da revista Veja.

Na oposição, há a expectativa de que novas revelações e detalhes do esquema virão à tona por outros réus que esperavam proteção do esquema, mas que estão sendo condenados no julgamento do processo em curso no Supremo Tribunal Federal.

"A perspectiva de prisão vai soltar a língua de muita gente", disse o líder do PSDB no Senado, Álvaro Dias (PR). "Isso é explosivo. É a primeira vez que as suspeitas se confirmam pelo depoimento da figura central que é Marcos Valério", afirmou o presidente do DEM, senador Agripino Maia (RN). Para o presidente do PSDB, deputado Sérgio Guerra (PE), os fatos devem ser esclarecidos. "Denúncia contra qualquer pessoa deve ser apurada sem qualquer prejulgamento. É importante que tudo fique claro o mais breve possível, inclusive o que envolva o ex-presidente Lula."

Eleição. O comando da campanha de Fernando Haddad avalia que a tentativa de Marcos Valério de carimbar Lula como "chefe do mensalão" não se sustenta e tem caráter nitidamente eleitoral. Mesmo assim, a reportagem preocupou o comando da campanha, que antecipou reuniões, marcadas para este fim de semana.

As denúncias reforçaram a percepção de petistas de que é hora de atacar Serra, que vem tentando vincular José Dirceu e o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares - réus do processo do mensalão - à candidatura de Haddad. "Temos de politizar esse debate e mostrar que Serra já fez isso na campanha presidencial", afirmou o deputado Paulo Teixeira (PT-SP).

O líder do PT na Câmara, Jilmar Tatto (SP), também reagiu. "Vão quebrar a cara aqueles que querem tentar envolver o presidente Lula nesse processo. O povo brasileiro sabe quem é Lula e o que ele fez de bom", disse, descartando impacto político das declarações na eleição.

Após carreata na zona leste da capital, Haddad afirmou que não leu a reportagem da revista, mas disse que as denúncias "refletem um comportamento normal dessas pessoas que sofrem processos dessa natureza, de a cada momento apresentarem uma versão". "(Marcos Valério) É uma pessoa que está num momento difícil da sua vida e que, evidentemente, a essa altura, a cada momento, vão dizer uma coisa a respeito, até para se justificar perante a família."

O ESTADO DE S. PAULO

Para o PPS, Ministério Público tem o dever de apurar denúncia que aponta Lula como chefe do mensalão

Diógenes Botelho

Diante de novas revelações feitas pelo publicitário Marcos Valério de que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva era o chefe do mensalão, a direção nacional do PPS avalia que é dever da Procuradoria Geral da República abrir uma nova investigação. Os detalhes da participação de Lula no esquema de corrupção são alvo de reportagem da revista Veja desta semana, que traz relatos feitos pelo operador do mensalão a diversos interlocutores. Entre as revelações, o publicitário afirma esquema chegou a movimentar R$ 350 milhões, valor acima dos R$ 55 milhões rastreados até agora.

“É dever do Ministério Público, diante de uma denúncia crime, que é o caso da reportagem, abrir processo”, afirmou neste sábado o presidente nacional do PPS, deputado federal Roberto Freire (SP). Para ele, a participação de Lula não é novidade, mas as revelações de Marcos Valério confirmam o que a oposição vem denunciando há anos . “O enredo era conhecido, mas não se tinha todos os detalhes que estão sendo revelados agora com o julgamento no Supremo Tribunal Federal e com as revelações de Marcos Valério”, analisa.

A ação imediata do Ministério Público também é defendida pelo líder do PPS na Câmara, deputado federal Rubens Bueno (PR). “Trata-se da confirmação de que Lula era o chefe da quadrilha que operava dentro do Palácio do Planalto. Ele era o grande avalista do esquema”, diz o parlamentar.

O deputado resalta ainda que a informação de que a movimentação financeira do mensalão era bem maior também obriga a reabertura das investigações. “As informações de Marcos Valério podem revelar outros participantes do esquema”, conclui Bueno.

Revelações não interferem em julgamento

Os detalhes que agora começam a ser revelados por Marcos Valério, ressalta Roberto Freire, já eram esperados há muito tempo. “Não falou antes pois achava que a tese da piada de salão iria prosperar.Não prosperou. Agora, condenado por vários crimes, resolveu falarr”, afirma o presidente do PPS.

Para Freire, as novas denúncias não irão afetar o andamento do julgamento do mensalão. “Não vai mudar nada. O que deve ocorrer, e nós defendemos, é a abertura de outro processo”, diz, lembrando que Lula já é alvo de ação que investiga o favorecimento ao banco BMG na concessão de crédito consignado para servidores públicos.

FONTE: PORTAL DO PPS

Valério acusa Lula - Merval Pereira

Às vésperas da primeira parte em que políticos petistas e outros, de partidos aliados, serão julgados pelo Supremo Tribunal Federal pela acusação de compra de votos em troca de apoio político, a revista "Veja" traz este fim de semana um relato, atribuído ao lobista Marcos Valério, incriminando o ex-presidente Lula no mensalão.

Já condenado a muitos anos de prisão, e sendo provável que até o fim do julgamento deva ser condenado a outros tantos por novos crimes, Valério já tem a certeza de que ficará na cadeia por longo tempo e estaria revoltado com o abandono a que seus amigos do PT o relegaram. Segundo o relato, Valério acusa Lula de ser o verdadeiro chefe da trama criminosa e dá detalhes de quem viveu por dentro a intimidade dos palácios presidenciais.

De concreto, em termos do julgamento, nem essas revelações nem as acusações anteriores de advogados dos réus têm o condão de incluir o ex-presidente no rol dos acusados nesta Ação Penal 470. Mas os estragos políticos são devastadores, e nada impede que uma denúncia seja feita contra Lula mais adiante.

No próprio julgamento, o advogado Luiz Francisco Barbosa, que defende Roberto Jefferson, acusou o ex-presidente Lula de ser o verdadeiro mandante dos crimes. Ele se baseou na tese do "domínio do fato", que levou o procurador-geral a acusar o ex-ministro José Dirceu como o "chefe da quadrilha". "Não só sabia como ordenou o desencadeamento de tudo isso. Aqueles ministros eram apenas executivos dele", garantiu o advogado, referindo-se a José Dirceu, Luiz Gushiken e Anderson Adauto.

Pelo menos um deles, José Dirceu, disse certa vez que não fazia nada sem o conhecimento de Lula. Para provar sua tese, Barbosa fez um relato muito semelhante ao do procurador-geral. E acusou Roberto Gurgel de prevaricação por ter "sentado em cima" de um pedido formal para incluir Lula entre os réus do mensalão.

Anteriormente, em setembro de 2011, o advogado Marcelo Leonardo afirmou, nas alegações finais apresentadas ao STF na defesa de Valério, que faltava alguém no banco dos réus. Usando o mesmo raciocínio que a "Veja" atribui a Marcos Valério, segundo quem "apenas os mequetrefes" estão sendo condenados, escreveu o advogado na ocasião: "É um raríssimo caso de versão acusatória de crime em que o operador do intermediário aparece como a pessoa mais importante da narrativa, ficando mandantes e beneficiários em segundo plano. (...) Alguns, inclusive, de fora da imputação, embora mencionados na narrativa, como o próprio presidente Lula".

Relatos anteriores davam conta que Marcos Valério, deprimido, enviara mensagens para seus interlocutores no PT, principalmente a Paulo Okamoto, ex-tesoureiro do PT e amigo íntimo de Lula, ameaçando revelar detalhes do envolvimento do ex-presidente no mensalão. Okamotto admitiu recentemente ter conversado com Valério, mas ao contrário de acalmar o publicitário mineiro, as conversas tinham um motivo mais trivial do que chantagens, embora inverossímil: "Ele queria me encontrar porque às vezes queria saber como está a política, preocupado com essas coisas".

Lembrando que o próprio procurador-geral da República, Roberto Gurgel, acusou o esquema de ter sido tramado de dentro do Palácio do Planalto, o advogado de Jefferson disse que seria uma ofensa a Lula afirmar que ele não sabia de nada.

"Claro que sua excelência (Gurgel) não pode afirmar que o presidente da República fosse um pateta, um deficiente, que sob suas barbas estivesse acontecendo tenebrosas transações e ele não soubesse nada", concluiu Luiz Francisco Barbosa.

Nas vezes anteriores em que deixou vazar ameaças contra seus parceiros petistas, Valério recuou. Diante da situação concreta de se ver na cadeia, é possível que tenha perdido a esperança de ser salvo, apesar das promessas que diz ter recebido. Os petistas garantiram a ele que adiariam o julgamento o quanto pudessem e que as penas seriam brandas. A realidade tem sido bastante diferente.

Ministros do Supremo deixaram escapar que, pela tese do "domínio do fato", se a cadeia de comando não terminasse no ex-ministro José Dirceu, teria que subir um patamar e atingir Lula.

FONTE: O GLOBO

Ética republicana - Celso Lafer

O que quer dizer uma conduta republicana? Por que essa referência, relacionada à afirmação de espírito público, é importante para o debate nacional?

O termo República tem, entre seus significados, o sentido amplo de comunidade política organizada. O título do livro de Hannah Arendt de 1972, Crises da República, aponta para esse sentido amplo de comunidade política, mas ao mesmo tempo indica que a crise dos EUA, naquela ocasião, tinha sua raiz na falta de ética republicana proveniente do uso da mentira e da glorificação da violência.

Na perspectiva mais específica de formas de governo, República contrapõe-se à Monarquia. Assinala a diferença entre o poder exercido em função de direitos hereditários e o poder eleito, direta ou indiretamente, pelo povo. Nesse sentido, República tem afinidades com democracia e aponta para a igualdade.

A contraposição Monarquia/República remonta aos romanos, que depois da exclusão dos reis substituíram o governo de um só pelo governo de um corpo coletivo. Na elaboração do conceito de República teve grande peso a reflexão de Cícero, que diferenciava a res publica - a coisa pública - da privada, doméstica, familiar, estabelecendo, assim, a distinção entre o privado, o particular a alguns, e o público, o comum a todos, que por isso deve ser do conhecimento de todos. Daí a origem do princípio da publicidade da administração pública, previsto na Constituição em seu artigo 37.

Para Cícero, o público diz respeito ao bem do povo, que não é uma multidão dispersa de seres humanos, mas sim, numa República, um grupo numeroso de pessoas associadas pela adesão a um mesmo direito e voltadas para o bem comum. A dedicação ao bem comum está na raiz do princípio da moralidade da administração pública, igualmente previsto no mesmo artigo da Constituição.

Faço essas remissões para apontar que a importância do espírito público é inerente a uma postura republicana, o que quer dizer, em primeiro lugar, que não cabe misturar o público e o privado e que é inaceitável, numa República, o patrimonialismo do uso privado da coisa pública. Esse é um dos pontos de partida do republicanismo.

Este, na teoria política contemporânea, não tem maior interesse no contraponto Monarquia/República, que perdeu atualidade na agenda política do século 21. Está voltado para as consequências da falta de ética na política e na sociedade, da qual um sintoma é a generalizada perda do senso de vergonha, que é sempre a expressão de um sentimento moral. Um exemplo é a desfaçatez da conduta dos gestores dos bancos que levaram à crise financeira mundial.

Para Montesquieu, o princípio que explica a dinâmica de uma República, ou seja, o sentimento que a faz durar e prosperar, é a virtude. É nesse contexto que se pode dizer que a motivação ética é de natureza republicana. Isso passa, como diz Viroli, pela virtude civil do desejo de viver com dignidade e pressupõe que ninguém poderá viver com dignidade numa comunidade política corrompida.

Numa República, como diz Bobbio num diálogo com Viroli, o primeiro dever do governante é o senso de Estado, vale dizer, o dever de buscar o bem comum, e não o individual, ou de grupos; e o primeiro dever do cidadão é respeitar os outros e se dar conta, sem egoísmo, de que não se vive em isolamento, mas sim em meio aos outros.

É por essa razão que a República se vê comprometida quando prevalece, no âmbito dos governantes, em detrimento do senso de Estado, o espírito de facção voltado não para a utilidade comum, mas para assegurar vantagens e privilégios para grupos, partidos e lideranças. O intenso e aprofundado "aparelhamento do Estado" que vem caracterizando o PT no poder é expressão de conduta não republicana.

O conceito de República aponta para o consensus juris do governo das leis, e não dos homens, ou seja, para o valor do Estado de Direito. Assim, não é por acaso que o papel de uma Constituição e do constitucionalismo foi afirmado nos EUA, que, como a França, assinala a emergência das Repúblicas modernas. O governo das leis obstaculiza o efeito corruptor do abuso do poder das preferências pessoais dos governantes por meio da função equalizadora das normas gerais, que assegura, ao mesmo tempo, a previsibilidade das ações individuais e, por tabela, o exercício da liberdade. Trata-se, assim, de um modo de governar baseado no respeito às leis. É por essa razão que os princípios da legalidade e da impessoalidade da administração estão consagrados no artigo 37 da Constituição.

Naturalmente, para o bom governo não bastam as boas normas, como as do artigo 37 da Constituição. É preciso que sejam cumpridas. É por esse motivo que a impunidade é um fator de erosão do governo das leis e uma modalidade da sua corrupção. Por isso cabe louvar a conduta republicana com que o STF vem lidando com o mensalão.

Numa República as boas leis devem ser conjugadas com os bons costumes de governantes e governados, que a elas dão vigência e eficácia. A ausência de bons costumes leva à corrupção, palavra que vem do latim corrumpere, que significa destruição e vai além dos delitos tipificados no Código Penal. Políbio, tratando dos modos pelos quais um regime político se vê destruído pelo movimento da corrupção, recorre a uma metáfora esclarecedora. A corrupção, num regime político, exerce papel semelhante ao da ferrugem em relação ao ferro ou ao dos cupins em relação à madeira: é um agente de decomposição da substância das instituições públicas.

O espírito público da postura republicana é o antídoto para esse efeito deletério da corrupção. É o que permite afastar a mentira e a simulação, inclusive a ideológica, que mina a confiança recíproca entre governantes e governados, necessária para o bom funcionamento das instituições democráticas e republicanas. É por isso que a afirmação de uma ética republicana não é um "moralismo trivial". Está na ordem do dia no Brasil e no mundo como condição de um bom governo.

Professor emérito do Instituto de Relações Internacionais da USP

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Quem quer salvar os corruptores? - Rubens Bueno

Quem acompanha a CPI vê logo a "bancada da Delta". Depois de cassar Demóstenes e desgastar Perillo, como queria Lula, a CPI é morta, salvando corruptores

Por trás da polidez erudita, da pose de bom moço e do protocolo de boas intenções de grande parte dos membros da CPI mista do Cachoeira, esconde-se uma trama indigesta que começou a mostrar sua face na no último dia 4, data em que o presidente da comissão, senador Vital do Rego (PMDB-PB), e o relator, deputado Odair Cunha (PT-MG), anunciaram, após uma reunião de cartas marcadas, a paralisação, por um mês, das reuniões do colegiado.

A decisão é um presente para os participantes do esquema criminoso que envolve a Delta Construção, o bicheiro Carlinhos Cachoeira e políticos dos mais diversos partidos.

Na prática, foi o primeiro passo para enterrar a CPI, deixando de lado uma investigação que poderia revelar os bastidores de negociatas envolvendo propina e financiamento ilegal de campanhas em troca de contratos bilionários entre governos e as maiores construtoras do país.

E por que isso acontece? Em primeiro lugar, está claro que a quadrilha se infiltrou na CPI. Quem acompanha de perto as reuniões da comissão consegue identificar sem muito esforço a chamada "bancada da Delta". Esse grupo, que cresce a cada dia, faz de tudo para restringir as investigações.

Na avaliação deles, a CPI já cumpriu o seu papel, delineado lá atrás pelo ex-presidente Lula para se vingar dos desafetos do mensalão: cassar o senador Demóstenes Torres e desgastar o governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB).

Por resistência de alguns membros da CPI, felizmente esse grupo não conseguiu cumprir outros dois objetivos: levar jornalistas ao banco dos réus e enxovalhar o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, que conduz as acusações contra o PT no julgamento do mensalão. Mesmo assim, já se dão por satisfeitos.

Levar adiante as investigações da CPI significa ir atrás dos corruptores, os mesmos que desviam dinheiro público e financiam as campanhas eleitorais dos ocupantes do poder. E a "bancada da Delta" não quer isso. Esse medo ficou patente quando o ex-diretor do Dnit, Luiz Antônio Pagot, confessou na CPI que, atendendo a pressão do tesoureiro de campanha da presidente Dilma, deputado José de Filippi (PT-SP), pediu pessoalmente a empreiteiras com contratos com o órgão doações para a petista.

Esse temor se tornou ainda maior, indo além do PT, quando a CPI esbarrou em outro personagem controverso, o empresário Adir Assad. Se quebrar o sigilo bancário de 12 empresas de fachada ligadas a ele, vai caminhar na direção de outras empreiteiras, o que pode revelar que há muitos outros "Cachoeiras" por aí.

As empresas do grupo de Assad, é bom lembrar, receberam mais de R$ 200 milhões da Delta fora do eixo Centro-Oeste, em operações consideradas atípicas pela Coaf. Mas, como já se viu na própria CPI, Assad está blindado. Em depoimento, sequer foi submetido a perguntas.

Como bem lembrou o senador Pedro Simon (PMDB-RS), não é a primeira vez que o Congresso se omite de investigar corruptores.

Em 1993, na CPI do Orçamento, grandes empreiteiras que pagavam propina a políticos para garantir obras com o governo foram poupadas. O relatório final, que acusou 18 parlamentares, só foi aprovado por meio de um acordão que deixou os corruptores de fora. Havia, no entanto, o compromisso de, na sequencia, se instalar a CPI das Empreiteiras, coisa que nunca aconteceu.

A reunião que selou o enterro da CPI do Cachoeira apontou na mesma direção: salvar os corruptores. Alegar que os trabalhos precisavam ser interrompidos para que a CPI não fosse contaminada pelo embate eleitoral é pura desfaçatez. A verdade é que daqui a um mês, quando os trabalhos forem retomados, não haverá mais tempo para quebrar sigilos, aprofundar investigações e punir os corruptores.

Restará a frustração com a farsa armada para impedir que o Congresso cumpra seu papel constitucional de fiscalizar o dinheiro público.

Rubens Bueno, 64, deputado federal pelo PPS-PR, líder do partido na Câmara dos Deputados e membro da CPMI do Cachoeira

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Pés de barro - Dora Kramer

João Santana, o marqueteiro das estrelas, é um exímio construtor de mitos. Não o único, porque não se pode deixar de lado o papel de Duda Mendonça na arquitetura do "novo" Lula que ganhou a eleição presidencial de 2002 depois de perder três.

Mas Santana é mais sofisticado, analítico, menos intuitivo. Maneja emoções como ninguém. É um ás no ofício de transformar percepções difusas em cenários reais.

Em outras palavras: sabe levar as pessoas a ver as coisas como quer que sejam vistas.

Ciente desse talento, uma vez até revelou de público seu processo de criação. Foi em 2006, depois da espetacular reeleição de Lula em meio a escândalos que teriam derrubado qualquer um - mensalão e aloprados, para citar apenas dois -, numa entrevista ao jornalista Fernando Rodrigues, da Folha de S.Paulo.

Atribuiu em grande parte a vitória ao desenvolvimento da teoria do "fortão" e do "fraquinho": uma figura dupla de fácil identificação no imaginário popular. O primeiro encarnaria o humilde que virou poderoso e o segundo faria às vezes de vítima do preconceito das elites.

Nas palavras de Santana, depois que se elegeu em 2002, Lula passou a representar para os mais pobres uma projeção de sucesso. "É um deles e chegou lá". O "fortão", que rompe barreiras.

"Mas, quando Lula é atacado, o povão pensa que é um ato das elites para derrubar o homem do povo só porque é pobre". Nessa hora, dizia o marqueteiro, "vira o bom e frágil que precisa ser amparado e protegido". Dessa alternância se alimentaria o "caso de amor" entre Lula e o eleitorado. Teoria de êxito comprovado na prática.

Sobre a figuração preparada para Dilma Rousseff, João Santana não teorizou em entrevistas, mas não é difícil perceber que tipo de mito constrói: a presidente durona, trabalhadora, intolerante com "malfeitos", resistente a negociatas políticas, estadista que não mistura atos de governo com questões partidárias, muito menos eleitorais.

Deu certo. Dilma com isso agradou aos setores que renegavam os métodos de Lula sem perder apoio nas camadas encantadas com o "fortão" e o "fraquinho".

O problema é que as agruras penais, políticas e eleitorais do PT estão levando Dilma a descer do pedestal. Obrigam-na, por exemplo, a ir ao horário eleitoral prometer ao eleitor benefícios em troca de votos para seus correligionários.

Vantagem tão indevida quanto usar ministérios como moeda eleitoral ou fazer discurso de palanque no espaço de comunicação da Presidência da República em data nacional.

E quando a fábula afronta tão completamente a realidade, não há talento que esconda do mito os pés de barro.

Mal contado. Celso Russomanno é sócio majoritário de um belo bar a ser inaugurado logo após a eleição, à beira do lago Paranoá, em Brasília.

Não pôs dinheiro no negócio e, segundo ele, pagará sua parte de R$ 1,1 milhão em trabalho. "Vou administrar", informa.

É de se perguntar ao líder das pesquisas em São Paulo: caso eleito, cuida da cidade ou toma conta do estabelecimento?

Mas, o esquisito da história é mesmo o aumento de 100% entre 2010 e 2012 no patrimônio declarado à Justiça Eleitoral, tendo como justificativa o ganho futuro em negócio sem emprego presente de capital.

De Atenas. Sem prejuízo da qualidade de votos mais longos cujo conteúdo propicia sempre um aprendizado, chamam atenção a concisão e precisão das ministras Carmen Lúcia e Rosa Weber.

Renegam a escrita de que mulheres são prolixas por natureza.

Já levou. Fernando Haddad avisa que, se for eleito, Paulo Maluf "não levará nada" na Prefeitura de São Paulo. Como se restasse ainda algo para Maluf levar do PT, depois daquela foto.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Guerra nada santa - Eliane Cantanhêde

O título desta coluna valeria perfeitamente para a onda de violência contra os EUA no mundo islâmico, mas trata-se aqui de uma outra guerra nada santa: a que ocorre na eleição para a Prefeitura de São Paulo. Meteram até a igreja no meio. Aliás, as igrejas.

Raramente se vê uma manifestação política tão incisiva da Igreja Católica como a de agora, contra o candidato que lidera as pesquisas, Celso Russomanno -que é do PRB, mas também da IURD. Para quem não sabe, Igreja Universal do Reino de Deus, essa mesma.

A Arquidiocese de São Paulo, liderada por dom Odilo Scherer, divulgou nota na sexta-feira alertando para o vínculo de Russomanno com a igreja neopentecostal e provocando: "Se já fomentam discórdia, ataques e ofensas sem o poder, o que esperar se o conquistarem pelo voto? É para pensar".

Enquanto a Arquidiocese ataca Russomanno por cima, o tucano José Serra e o petista Fernando Haddad se atacam por baixo.

Haddad vai na jugular, quando ressalta a alta rejeição de Serra e diz que, daqui a pouco, o tucano nem vai poder andar mais pela cidade. E Serra partiu para o vale-tudo.

Como bater em Lula ainda é dar murro em ponta de faca, ele deu uma estocada em Dilma (que "mete o bico onde mal conhece") e elegeu José Dirceu como saco de pancadas.

Faz sentido (sentido eleitoral, explica-se), até porque o julgamento do mensalão envereda amanhã pelos meandros do "núcleo político", com Dirceu, Genoino e Delúbio no centro de toda a trama e o STF, enfim, passando do bate-boca para o confronto aberto de votos.

A três semanas das eleições, o mensalão caiu em cheio na campanha, potencializado pela capa da revista "Veja" com Marcos Valério tentando incriminar Lula. Os adversários obrigam o novo Haddad a responder pelo velho Dirceu. Sabe-se lá como vão tentar encaixar Lula aí.

FONTE:FOLHA DE S. PAULO

A virada da ampulheta - Tereza Cruvinel

A fina areia do tempo terá escorrido da ampulheta, que será então invertida, começando a contagem regressiva para a reeleição

No presidencialismo quadrienal brasileiro, a eleição municipal marca o fim dos primeiros dois anos de governo. A fina areia do tempo terá escorrido da ampulheta, que será então invertida, começando a contagem regressiva para a reeleição, se o governante está no primeiro mandato, como Dilma Rousseff. Ou para a eleição do sucessor, quando se está no segundo. Dilma já começou a se preparar para a virada da ampulheta, tanto na economia quanto na política.

Na economia, já resignado a um crescimento magro este ano, o esforço do governo é para garantir um índice mais robusto em 2013 e no curso de 2014. A semana que passou foi pontuada por três medidas fortes neste sentido. Na terça-feira, houve o lançamento do programa de barateamento da energia, para consumidores e empresas. Junto veio a desoneração da folha de pagamento para mais 25 setores industriais, depois dos primeiros 15 já beneficiados. Para fechar a semana, o Banco Central anunciou a liberação de R$ 30 bilhões em depósitos compulsórios, que irão irrigar a economia. O crescimento em julho foi de apenas 0,4% em julho, contra 0,6% em junho mas o governo festejou o índice raquítico como sinal de que a retomada se mantém, devendo se acelerar no último trimestre.

No calendário de Dilma estão ainda novas concessões ao setor privado, na área de portos e aeroportos, e até a redução do preço do gás, para consumidores e produtores industriais. As medidas tomadas, até agora, têm recebido elogios de empresários e analistas econômicos. Mas, o mesmo governo que abre o cofre para bancar essas medidas, endurece com funcionários e continua distante dos movimentos sociais. Dilma será chamada a olhar também para este lado.

Na política, os resultados eleitorais exigirão da presidente a revisão da composição do governo em função da força política dos partidos. Segundo interlocutores, a reforma ministerial (ou mero ajuste, dependendo da extensão) ficará para o início de 2013. Será seu primeiro lance com a ampulheta virada. A troca de Ana de Hollanda por Marta Suplicy, na pasta da Cultura, deve ser entendida como ato isolado, ditado pela questão eleitoral. As outras mudanças, Dilma fará olhando o mapa eleitoral, mirando o Congresso, mas de olhos bem postos em 2014.

O PT, ferido pelo julgamento em curso no STF, talvez sofra uma redução no número de prefeituras, fortemente compensada por eventual vitória em São Paulo. Mas mesmo assim, como o PT paulista já tem agora, com Marta, seis ministérios, dificilmente ganhará mais um.

O PMDB, ela deve reconfirmar como partido preferencial da coalizão, não só apoiando Henrique Eduardo Alves (RN) para presidente da Câmara mas talvez lhe entregando mais uma pasta. Hoje mais próxima de seu vice Michel Temer, ela até já teria exclamado com um interlocutor que sondava seus planos reeleitorais: "Trocar para quê?"

A coalizão governista no Congresso deve ser ampliada, muito possivelmente, com a adesão do PSD do prefeito Gilberto Kassab. Em janeiro, não sendo mais prefeito, ele mesmo poderá ir para o ministério representando o partido. Uma incógnita é o relacionamento com o PSB do governador Eduardo Campos (PE). Vai depender, é claro, do resultado eleitoral em Recife e em Minas. Mas hoje, nem ele mesmo sabe o rumo que seguirá na encruzilhada. Se o PSDB sair muito enfraquecido, ele pode se animar a partir logo para a ocupação de um espaço livre na oposição. Mas pode optar pela cautela, por manter-se no campo governista, apoiar Dilma em 2014 e guardar-se para 2018.

Por fim, alguns ministros devem ser trocados, não por razões partidárias, mas porque são quase anódinos e/ou não estão apresentado os resultados esperados por Dilma. O tempo encurtou para ela e esgotou-se para alguns deles.

Mensalão: jogo jogado. Duas frases foram muito reveladoras, durante as sessões do Supremo na semana passada, mostrando que aquele jogo já foi jogado antes de começar. O ministro Ricardo Lewandowski fez o relator Joaquim Barbosa perder a sobriedade quando falou que o julgamento era "heterodoxo". E Ayres Britto, o presidente-poeta, com a afirmação de que "da nascente à foz, um rio é o mesmo rio".

Ambos disseram coisas plenas de sentido. Ninguém, no meio jurídico, discorda de que o julgamento esteja fugindo ao cânone ortodoxo. Ou seja, afastando-se de exigências clássicas do devido processo legal para valorizar os indícios e a narrativa da acusação, deduzindo que houve culpa embora falte a chamada prova robusta. Falta é jurista que diga isso em "on". Ninguém quer briga com o STF.

Já a metáfora de Britto revela o cálculo perfeito do relator com o fatiamento, para garantir o resultado esperado. As "fatias" começaram pelas acusações com mais lastro material, os R$ 50 mil de João Paulo Cunha, terminando com a mais abstrata delas, a formação de quadrilha. Condenados os acusados das primeiras "fatias", por que haveria uma outra lógica para a última?

Hoje os advogados de defesa entendem que esta foi a verdadeira razão da negativa do desmembramento.

Custos somáticos. O ex-deputado José Genoino interna-se amanhã no Incor de São Paulo para realizar um cateterismo com colocação de stent. Na semana passada, os exames indicaram bloqueio em uma de suas coronárias.

Na sexta-feira morreu Silvana Japiassú, ex-secretária da Presidência da Câmara na gestão de João Paulo Cunha. Ela virou notícia em 2005 quando se descobriu que havia recebido uma passagem aérea de Marcos Valério, o que a levou a um quadro depressivo. Não virou ré no mensalão, mas respondia a outro processo, por recebimento de vantagem indevida.

FONTE: CORREIO BRAZILIENSE

O crivo de quem usa a cidade

Entrevista - Boris Fausto

Um eleitor com cabeça de consumidor alavanca Russomanno e sepulta antigos mitos da política

Laura Greenhalgh

"Moro sozinho e não pretendo sair daqui", já foi anunciando o dono da agradável casa no bairro do Butantã, à saída da Cidade Universitária, em São Paulo. Aos 81 anos, viúvo, filhos criados e netos idem, o historiador Boris Fausto ordenha a cafeteira elétrica enquanto decreta seu desejo de continuar vivendo sozinho na residência projetada por Sérgio Ferro, lá nos anos 1960, quando das pranchetas de jovens arquitetos saíam moradias de inspiração comunista e conforto burguês. Pois no ano passado tombaram a casa do professor. Com ele dentro e meio século de memórias por todos os cantos. O tombamento inesperado, e nunca desejado, como é de costume, acabou por levar o morador a voltar-se ainda mais para a administração da cidade onde nasceu, em 1930. Até de Plano Diretor passou a entender. E assim, entre experiências pessoais e vasto conhecimento acumulado, Boris Fausto concedeu esta entrevista na quinta-feira, provocado a refletir sobre o processo eleitoral que se descortina em torno de um dos mais cobiçados postos da política nacional: a Prefeitura de São Paulo.

Entrevista delicada, até pela indefinição do quadro eleitoral, mas repleta de comentários vindos de um observador que faz questão de pensar com independência. Para Fausto, a dianteira nas pesquisas do candidato Celso Russomanno (PRB), a dificuldade de alavancagem de Fernando Haddad (PT), um afilhado de Lula, e a impressionante rejeição de José Serra (PSDB) têm a ver com as novas feições do eleitorado paulistano, tantas vezes rotulado de conservador. Aponta a emergência formidável de uma classe C que vai se constituindo como sujeito político, para quem o julgamento do mensalão, com seu palavrório empolado, não incomoda tanto quanto o dia a dia numa metrópole emperrada, extenuante, cujos serviços não funcionam. Assim, seria um cidadão consumidor, e não o cidadão eleitor propriamente dito, quem hoje etiqueta Russomanno como uma novidade na política. E lhe promete o voto.

Formado em direito no Largo de São Francisco e com todo um percurso acadêmico em história na própria USP, Boris Fausto é autor de um clássico das ciências sociais, A Revolução de 30, além de uma vasta obra recentemente acrescida de Memórias de um Historiador de Domingo (ed. Companhia das Letras). Na entrevista que se segue, o professor também se detém em analisar o chamado "voto religioso", atrelado particularmente às igrejas evangélicas, e em minimizar a importância do horário gratuito, com seus programas enfadonhos, onde a disputa por um minuto a mais de exposição "leva os candidatos a fazerem acordo com o diabo e a Virgem Santíssima". Independentemente do que as urnas eletrônicas poderão cravar em breve, Boris Fausto admite que o processo eleitoral em curso já está dando importantes recados à classe política brasileira. Prestar atenção será questão de sobrevivência.

A despeito da relevância da disputa que se trava, a campanha para prefeito em São Paulo resvala num debate de segunda. Ou de quinta, para muitos. Por quê?

Um pouco tem a ver com a política em âmbito municipal. Quando se vai para o plano federal, a falação, o bate-boca, as pegadinhas, isso tudo faz menos sentido. A disputa municipal convida a uma política mais localizada, mas esse aspecto também não é explicação suficiente para o que temos visto. O problema é mais complexo. Tem a ver com o fenômeno da banalização da política e a introdução do marketing nas campanhas. O marketing televisivo, principalmente esse, se transformou numa espécie de mito. O candidato faz acordos com o diabo e a Virgem Santíssima por um minuto no horário eleitoral gratuito. Mas, interessante notar, a televisão não está tendo a importância que se atribui a ela. As pessoas vêm demonstrando cansaço desses programas engessados, enfadonhos. Veja o caso do Celso Russomanno, que está na dianteira folgada das pesquisas e tem pouquíssimo tempo de exposição no horário gratuito. Você poderá dizer "ah, mas a fama dele vem do trabalho radiofônico que desenvolveu, trabalho que o ajudou a montar a imagem de defensor dos consumidores". Sim, sem dúvida, mas o desempenho dele agora não está associado diretamente à exposição na TV. Nos dias atuais a construção de uma candidatura passa por outros meios. Fora isso, o eleitorado mudou muito. Qual o sentido dos comícios hoje em dia? Especialmente numa metrópole como São Paulo, com computadores por toda parte, a internet influencia muito mais o processo, e nós precisaríamos medir melhor isso. Não se aguenta mais aquele programa eleitoral em que temas importantes passam ao largo e o candidato é apresentado apenas por suas virtudes, endossadas por alguns populares caídos do céu. Ora, ninguém quer ver isso. Ou pouca gente vê.

Por que, mesmo com a amplitude da internet, o lado paroquial da política se mantém?

Porque mesmo numa metrópole como São Paulo não se pode desconsiderar o aspecto da regionalização. Além das subprefeituras, que têm uma importância imensa do ponto de vista administrativo, ainda existem os chamados "caciques de bairro". Você ainda encontra essa figura por aí. Então é natural que se lide com reivindicações específicas, locais. Isso pode definir em parte a política paroquial, para usar sua expressão. Mas também o termo "paroquial" hoje nos remete à influência do voto evangélico, algo que avança muito nesta cidade. Tenho observado o crescimento e sei que se trata de uma experiência sociológica interessante, porém não posso deixar de apontar a manipulação das pessoas num nível muito grave ao ver os programas religiosos eletrônicos. Esse fenômeno se converte em força política, certamente. E numa força política plural, pois vão aparecendo diferentes denominações religiosas. Ainda bem que não constituem uma força monolítica! O fato é que o grau de negociação dessas igrejas com os candidatos é intenso e acaba por comprometer o discurso. Quem, com esse tipo de apoio, vai discutir direito ao aborto? Quem vai tratar de homossexualidade? Ninguém, a não ser um candidato de um partido menor, sem nenhuma chance de vitória. Os candidatos que estão no páreo são obrigados a adotar posições ambíguas ou até mesmo contrárias às suas convicções para contar com o apoio dessas igrejas. Isso gera uma distorção tremenda. Quando Russomanno falou em abrir uma igreja em cada esquina, pensei: como seria aborrecido...

São Paulo já teve administrações voltadas para obras, outras voltadas para o social e agora surge um quadro mais difuso com a emergência do chamado "voto religioso".

Estamos atravessando um período, que eu prefiro acreditar provisório, de relativa regressão política. A procura desesperada por votos imprime essa marca esquisita, como se o processo eleitoral fosse convertido numa concorrência mercadológica entre pessoas. Ao longo desse processo, figuras políticas perdem força. Havia por aqui duas correntes definidas: uma direita oportunista, Adhemar, Maluf, Pitta - eu posso não gostar deles, mas tinham uma definição - e tinha uma corrente mais social, Covas, Erundina, lembrando, contudo, que Lula não ganhou em São Paulo. Hoje a novidade vem da emergência da classe C, um contingente muito grande que, ao que parece, em boa parte está se identificando com o Russomanno. Essa classe representa uma nova figura social e infelizmente não se procurou saber ao certo em que candidato ela iria votar. Russomanno está sendo identificado não como o preferido pelo cidadão eleitor, mas como o preferido por um cidadão consumidor. O fato de ter tido processos, ter sido amigo do Maluf, isso não está contando neste momento.

O que o senhor quer dizer com esse cidadão consumidor?

Nessa febre de consumo que se vê por aí, num país tão desigual e com educação ainda tão precária, a figura do Russomanno compõe bem. Até porque existe uma grande irritação na cidade com os serviços. As pessoas vivem irritadas. Veja a rejeição à administração do Kassab, algo que está pesando sobre os ombros do Serra. Ora, se alguém aparece como paladino do consumidor, como defensor do usuário da cidade, alcança repercussão. O que se espera do administrador municipal também parece ter mudado. São Paulo conviveu durante muito tempo com prefeitos que buscavam encarnar a imagem do tocador de obras. O Adhemar de Barros dizia que São Paulo precisava de gerente. Pois ele conseguiu calar adversários justamente ao se posicionar, e entrar para a história, como o construtor do Hospital das Clínicas, muito embora quantos hospitais poderiam ter sido construídos com o dinheiro que ele levantou para fazer o HC... Maluf marqueteou o tempo todo obras que fez, muitas ainda polêmicas. Hoje a cidade se diversificou e candidato que ficar falando em construir ponte, viaduto, avenida, já não vai atrair tanto. Porque o eleitor não está preocupado com a expansão e sim com o funcionamento da cidade. Até acho bom que o discurso "tocador de obras" já não cole mais. O que incomoda as pessoas é o transporte público deficiente, o trânsito infernal, o atendimento ruim à saúde... Quem resolver esse tipo de problema não precisará, a meu ver, ser de direita ou de esquerda. Aliás, as tinturas políticas também estão se diluindo, esse é outro dado do nosso tempo. Os brasileiros perceberam que voto direto não resolve tudo, como lhes foi prometido lá trás, na redemocratização. Claro que o voto direto é bom, mas não resolve tudo. Uma parte da descrença na política vem dessa constatação inevitável.

Vamos pensar na vassourinha janista. Ou na reação das pessoas diante dos rombos financeiros dos anos Maluf-Pitta. O tema da corrupção ainda é decisivo em São Paulo?

Já que você mencionou o Jânio, talvez ele tenha sido o primeiro a perceber que o ataque à corrupção não era um movimento reacionário, nem pequeno-burguês, mas que havia campo para trabalhar politicamente a ideia. Então ele veio com as vassourinhas contra corruptos, aqueles jingles todos, ousou uma campanha interessante, ainda que altamente manipuladora. Deixou o exemplo, tanto que a campanha do Collor à Presidência, com toda a ênfase em caçar marajás, era uma reedição da ideia janista. Hoje é possível ver que tanto o tema da boa gestão quanto o do combate aos corruptos continuam significativos em São Paulo. E em outras capitais também. Mas arrisco um palpite. Mesmo com o julgamento do mensalão em curso, não creio que o tema da corrupção esteja despertando tanto interesse assim em setores da opinião pública. Talvez não vá haver uma conexão direta entre o resultado do julgamento e o resultado das urnas. Precisamente é o que eu penso. Pergunto: ao definir classe média com critérios tão rebaixados, como se tem feito no Brasil, como é que essa gente que está dando duro para melhorar um pouco de vida vai se interessar pelo que é dito naquelas longas sessões do Supremo? Eu acho o debate que se trava lá interessantíssimo, mas eu sou eu, você é você, somos uma fração da população.

Maluf posou com Lula em apoio a Haddad. Mas o malufismo parece olhar noutra direção, ou seja, para Russomanno. O senhor diria que o ex-presidente selou acordo com uma liderança oca, um Maluf sem malufismo?

Talvez. É interessante rever as razões do Maluf ao posar naquela foto nos jardins de sua casa, ao lado dos petistas. Primeiro, acho que o Maluf pensou que ainda seria capaz de arrastar segmentos da população para o candidato que ele indicaria. Depois, ele claramente quis saborear a vitória de ver o ex-inimigo entrando na casa dele, praticamente para lhe beijar a mão. Ainda se saiu com verve, e enorme cinismo, ao dizer que "direita não sou eu, é o Lula". Isso tudo deve ter lhe dado um prazer imenso. De qualquer forma, esse episódio foi esclarecedor sobre até que ponto pode ir um líder com virtudes, mas com inúmeros defeitos, como é o caso do Lula.

De onde vem toda essa rejeição ao Serra?

Serra alcança um nível de rejeição que de fato torna problemática sua eleição e faz da ida para o segundo turno uma incógnita. Pois bem, a rejeição será pelo fato de ele ter deixado a Prefeitura antes do término do mandato? Não me parece, porque depois ele concorreu em outras eleições com alto desempenho. Rejeição por que ele não é simpático? Mas ele já passou por outras eleições nas quais ninguém perguntou se ele era simpático ou não, se era careca ou cabeludo. Há quem fale em fadiga de material. Pode ser, isso de fato ocorre em política. É quando o eleitorado vai buscar o novo. O que se vê agora é um número maior de pessoas etiquetando Russomanno como novo, e ironicamente o mesmo não acontece com Chalita nem Haddad, ao mesmo tempo em que um expressivo número de pessoas etiqueta Serra como o velho. É isso, a política é feita de agonia e gozo. Insisto que tudo tem a ver com a transformação dessa nova classe social em sujeito político.

O tempo é mais de agonia do que de gozo?

Deixe-me ser um pouco mais otimista na minha fala. Aqui em São Paulo ainda vamos passar por tropeços muito grandes no que diz respeito à forma de fazer política na cidade, mas já estão lançados os dados estruturais de uma metrópole altamente complexa, que vem elevando seu patamar de educação e tem o desejo do novo. Isso, projetado num prazo mais longo, poderá ser bom. São Paulo continuará sendo uma rampa para políticos que aspiram à projeção nacional, o que é legítimo dada a importância da cidade, embora o que se vê no Brasil hoje em dia é a busca por cargos elevados com muita rapidez, no meu entender. Enfim, essa eleição haverá de nos mostrar muitas coisas. Se o Haddad se der bem, ficará evidente que o padrinho funcionou. Ou melhor, os padrinhos, pois, além de Lula, ele terá sido catapultado por Dilma, que vem construindo prestígio próprio. Se não se der bem, entra em xeque a figura do padrinho político. No plano nacional, a emergência do Eduardo Campos lá em Pernambuco, bem como o crescimento do PSB em vários pontos do país, aponta para a crise já visível do PSDB e o baixo desempenho do PT em capitais. Hoje tende a se firmar um partido, o PSB, que não se descola totalmente do projeto da presidente, mas trata de montar o seu. Veja como as eleições municipais estão sinalizando novos arranjos políticos. Quem me garante que esses dois partidos que se digladiaram tanto, o PT e o PSDB, no fundo já não entraram em crise? Falo de ambos, mesmo considerando o grande trunfo do PT, que são as benesses do poder, e ele de fato está no poder. Não só isso: o prestígio de Dilma cresce.

Analistas atribuem o quadro em São Paulo, se pudéssemos bater uma fotografia dele agora, como a afirmação do traço conservador do seu eleitorado. O senhor concorda?

Não compro a tese do conservadorismo até porque esse eleitorado mudou muito. Pense no pré-30, no anos do Estado Novo e no período seguinte. Pois bem, aquele eleitorado que era antigetulista se transforma a partir de 1945 sob o efeito da industrialização, das transformações demográficas, dos contingentes humanos que vêm de Minas, de várias partes do Nordeste... Agora já estamos falando de um outro eleitorado. Há algumas continuidades com o passado? Claro que há, mas o eleitorado vem mudando, num país que também se move muito. Hoje grupos socialmente definidos como elites sentem que perderam lugar. Veja a afluência de pessoas indo ao centro da cidade só para ver obras dos mestres impressionistas. Quando isso aconteceria no passado? São pessoas partindo avidamente para o consumo cultural e isso é bom de ver. Olha, eu posso ser utópico, mas deveríamos ter nesta cidade um plano voltado para o futuro. Um plano que fosse um consenso firmado numa determinada época, feito para atravessar algumas prefeituras, um projeto de longo prazo, intergeracional mesmo. Não seria um compromisso de governo, mas de Estado. Isso é o que precisaria ser feito, recuperando a grandeza do interesse público. Mas interesses econômicos muito fortes, como os do setor imobiliário, por exemplo, criariam dificuldades. O que vai acontecer quando se discutir o próximo Plano Diretor da cidade? Não sabemos. Que interesses vão prevalecer? Não sabemos. Apenas brincando, acho que precisaríamos de uma rainha para dizer "ninguém mexe mais nos meus jardins".

FONTE: ALIÁS / O ESTADO DE S. PAULO