Fernando Taquari
SÃO PAULO - Ausente da reunião de prefeitos
do PSDB em Brasília, o vice-presidente do partido, Alberto Goldman (75), vai na
contramão dos tucanos que defendem o lançamento imediato da candidatura do
senador Aécio Neves à Presidência da República. Em sua opinião, os
correligionários devem se preocupar, primeiro, em definir um nome de peso para
presidir o partido a partir de maio, quando ocorre a convenção nacional.
Com 40 anos de vida política, Goldman vê o
processo interno como a oportunidade de o partido buscar um consenso que faltou
nas eleições presidenciais de 2006 e 2010. Ao novo presidente do PSDB,
ressalta, caberá o papel de unificar o discurso, liderar a oposição e promover
reformas no programa partidário. Aécio, segundo Goldman, pode se consolidar
para disputa ao ser testado como líder da oposição.
Apesar do clamor em torno senador tucano, o
vice-presidente do PSDB não descarta o nome do amigo José Serra, a quem sucedeu
no governo de São Paulo, em 2010, quando o correligionário concorreu e perdeu a
eleição contra Dilma Rousseff. A despeito de manifestações a favor de Aécio,
tido como candidato óbvio pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, Goldman
recorre a um período que marca o início da fase de prosperidade do PSDB para
reafirmar o dinamismo na política.
"Depois que li essa declaração pela
primeira vez, mandei um e-mail para Fernando Henrique em que questionava se
seis meses antes da eleição de 1994 ele era um candidato óbvio. Ele não era
candidato a nada, nem ao Senado. De repente, o Plano Real deu uma força e ele
virou santo". A seguir, a entrevista, concedida ao Valor no seu escritório
no bairro paulistano de Perdizes.
Valor: Como o senhor avalia a reunião do
partido que praticamente lançou a candidatura do senador Aécio Neves à
Presidência da República em 2014?
Alberto Goldman: Não estive lá. Acompanhei
pelos meios de comunicação, mas foi um evento importante. Coloca o partido
dentro do jogo político.
Valor: O PSDB acerta em tentar antecipar a
escolha do nome para a sucessão presidencial?
Goldman: Acredito que devemos obedecer a um calendário
natural que passa, primeiro, pela definição do presidente nacional do partido,
em maio. Aécio e José Serra têm todas as condições de exercer esse papel. A
presidência do partido, inclusive, pode ser uma oportunidade para o PSDB
consolidar o nome de Aécio ou trocar o candidato ao Planalto. O senador, por
sua vez, terá um espaço para mostrar suas qualidades, ser testado a nível
nacional e se consolidar para a disputa presidencial. Serra, por sua vez, já é
conhecido no embate nacional. Não precisa ser provado.
Valor: Serra, então, não deve ser descartado?
Goldman: Não descarto nenhum nome que seja
expressivo no partido.
Valor: Mas em sua opinião, quem deve ser o
candidato tucano em 2014? Qual é o momento ideal para escolher o nome?
Goldman: Eu prefiro não citar nomes. As
coisas vão se sedimentar naturalmente. Vai chegar uma hora que haverá uma
candidatura natural. O candidato deve ser escolhido entre o final de 2013 e
começo de 2014.
Valor: O ex-presidente Fernando Henrique
Cardoso já disse e repetiu no evento do PSDB que o Aécio é o candidato óbvio ao
Planalto.
Goldman: Depois que li essa declaração pela
primeira vez, mandei um e-mail para o Fernando Henrique em que questionava se
há seis meses da eleição presidencial, em 1994, ele era um candidato óbvio. Ele
não era candidato a nada, nem ao Senado. De repente, o Plano Real deu uma força
e ele virou santo. Com aquele jeitão conciliador, de quem não entra em bola
dividida, ele concordou comigo na ocasião.
Valor: As prévias podem ser uma alternativa
caso Aécio e Serra manifestem o desejo de disputar a Presidência da República
em 2014?
Goldman: Se pudéssemos fazer algo semelhante
às primárias nos Estados Unidos, onde você chama a opinar uma população
simpática a um partido, seria positivo. Hoje, no Brasil, os delegados
partidários escolhem o candidato na convenção. Você fazer uma prévia é tentar
se antecipar a essa decisão dos delegados. Não acho que a prévia seja
importante. Acho que, às vezes, você precisa ter um pouco de maleabilidade e
flexibilidade para negociações políticas que a prévia não te dá. De qualquer
maneira, o importante é que o nome escolhido se consolide e que tenhamos um
projeto de país. Precisamos de um projeto do que fazer, como responder a esse
aparelhamento do Estado que existe hoje.
Valor: A escolha do presidente nacional do
PSDB deve ser pensada junto com a definição do nome do partido para eleição
presidencial de 2014?
Goldman: Não. Deve ser trabalhada de forma
separada. O que disse é que há um calendário a cumprir. É natural que tudo que
se consolide agora tenha resultado na eleição do presidente do partido e em
2014, mas acho que não pode juntar as duas coisas agora. São processos
distintos. Um envolve só questões internas do partido. Já a escolha do
candidato a presidente da República envolve toda a sociedade e outros partidos.
Apesar da lógica de nós termos o candidato, já que somos o maior partido de
oposição, a discussão ainda está aberta. Os demais partidos também têm o
direito de propor uma alternativa.
Valor: Como o senhor vê o encaminhamento que
Aécio Neves dá à sucessão no PSDB? Como o senhor vê a ideia da caravana?
Goldman: É bom que seja feita a caravana, mas
como uma coisa de partido. O mínimo de personalização possível. É natural que o
presidente do partido seja a testa disso. Como já disse, acho que o Serra tem
qualidade para isso e o Aécio também tem. No fundo isso é uma forma de agitar.
Nos meus velhos tempos de política estudantil, no Partido Comunista, chamávamos
isso de agitação e propaganda.
Valor: Como o senhor acha que Aécio tem
exercido o papel de liderança nacional do partido?
Goldman: Você via os artigos dele no começo e
era tudo muito conciliador. Agora, está bem mais agressivo, como uma parcela do
partido que fazia uma oposição muito leve, mas que ficou mais guerreira nos
últimos tempos.
Valor: Falta união ao partido?
Goldman: Em todo lugar do mundo há rachas em
partidos. Em alguns casos, os rachas são mais duros do que com os adversários
normais. Acho até que os conflitos hoje no PSDB não são tão fortes assim. Você
tem personalidades, mas não há diferenciação do ponto de vista da visão
política.
Valor: Como senhor vê uma aproximação com o
governador de Pernambuco, Eduardo Campos? É possível uma dobradinha?
Goldman: Não é impossível. Acho difícil. O
PSB está no governo com ministérios, assim como outros partidos. São todos
muito amarrados nos esquemas de poder, dependentes. Acho difícil que esses
partidos tenham fôlego e coragem suficiente para poder confrontar o poder hoje
do PT. É claro que isso tudo depende da evolução da economia. Se a economia for
mal, nossa competitividade aumente e, portanto, cresce a atração de grupos que
hoje estão pendurados no governo.
Valor: O PSDB sentiu o golpe da derrota em
São Paulo. O senhor parece, seja por entrevistas ou blog, um dos poucos ativos
no Estado de São Paulo a exercer o papel de oposição. Há uma inércia no ninho
tucano?
Goldman: Não se trata de inércia. Há uma fragilidade
que está presente em todos os níveis, municipal, estadual e federal. Quando
você fala em renovação, não se trata das pessoas em si por conta da idade.
Precisamos reestruturar direções que deem importância ao partido. Caso
contrário, nossas políticas administrativas se perdem, pois a ação do partido é
frágil. É o PSDB que tem que transformar sua atividade positiva em ganho
político. Isso não cabe ao governador. O partido não fez isso na cidade e faz
muito mal no Estado. Tem que capitalizar o trabalho administrativo que é feito.
Valor: E no plano nacional?
Goldman: Se quisermos fazer oposição, temos
que ter uma direção dedicada a isso, com as melhores figuras do partido para
fazer oposição. Não se pode trabalhar com o terceiro time. As melhores figuras
do PSDB, que são Serra e Aécio, devem ocupar a presidência do partido numa
composição política, independentemente do nome que for escolhido para o cargo.
Não podemos nos dar ao luxo de nos dividirmos ainda mais. Já somos frágeis. A
maior bancada de oposição hoje, do PSDB, é de 10% da Câmara. Se somar tudo que
tem de oposição, se chega a 15%. Não houve um número tão baixo assim nem na
ditadura.
Valor: O partido não aprendeu a fazer
oposição?
Goldman: A verdade é que falta clareza ao
partido quanto a suas posições. Temos um programa que foi feito em 1989. Nunca
houve revisão. E não se tem um programa de oposição, já que naquela época nem
éramos oposição exatamente. Precisamos mostrar à população no que divergimos do
atual poder. Isso tem que ser explícito. Se não tiver essa clareza em temas
como exploração de petróleo e cotas raciais, você fica igual aos outros.
Valor: O que deve ser feito?
Goldman: O programa e o estatuto devem ser
atualizados. Podemos fazer um congresso para promover essas mudanças, que podem
ter início antes ou depois da convenção que escolherá a nova direção, em março.
Temos 2013 para arrumar tudo isso. Assim, entramos em 2014 com a casa arrumada.
Com postura afirmativa, na defesa de nossas teses, sem receio de assumir
bandeiras. Até porque essa questão de esquerda e direita está muito diluída
hoje.
Valor: Qual o balanço que o senhor faz das
eleições municipais de 2012? O PSDB elegeu menos prefeitos no Brasil e no
Estado de São Paulo na comparação com 2008. A que se deve esse resultado?
Goldman: Basicamente, você teve uma
pulverização partidária muito grande nesta eleição. Vários partidos se
constituíram. De outro lado, houve forte atração do poder central. O PT cooptou
muitos partidos. Tivemos menor espaço de atuação. Apesar disso, nos municípios
acima de 200 mil habitantes, o partido foi melhor do que em 2008. Além disso,
estamos mais bem distribuídos pelo Brasil. Se não fosse a derrota em São Paulo
teríamos tido um grande sucesso.
Valor: A que pode ser atribuída a derrota de
José Serra na cidade onde o partido nasceu e no Estado que o PSDB domina há 20
anos? O que faltou na campanha?
Goldman: A cidade de São Paulo é sui generis.
Ganhamos aqui uma vez só, com Serra, em 2004. Não vencemos nem quando éramos
MDB e PMDB. A eleição aqui nunca foi tranquila. A cidade tem muito essa
característica de eleger a oposição, seja ela qual for. Aconteceu com Erundina,
Marta, Maluf e Serra. O PT ainda teve um momento muito forte, com campanha bem
sustentada e certo prestígio. A população, por sua vez, se sentiu contrariada
com o fato de Serra ter deixado a prefeitura para, anos depois, ser candidato
ao cargo que abandonou. O curioso nessa história é que depois da renúncia Serra
foi candidato a governador e a presidente e, nas duas oportunidades, venceu na
cidade e no Estado. E agora, quando quis ser candidato a prefeito, a população
disse não. Não teve nada de ideológico nisso.
Valor: Mas ninguém considerou essa
possibilidade antes da campanha? E quanto à rejeição, que ganhou corpo ao longo
da disputa?
Goldman: Ninguém levou em conta esse
componente antes da campanha. Isso teve grande influência na derrota, além da
avaliação ruim do governo de Gilberto Kassab, que considero injusta. A rejeição
do Serra no começo girava em torno de 30%, o que era normal, considerando que
era o voto petista. O que não estava no cálculo era esse salto de 30% para 40%.
Somos inconsistentes como partido e não podemos trabalhar só na época
eleitoral. Tínhamos que ter pesquisas internas para medir isso. Esse deve ser
um trabalho permanente. O PT faz isso.
Valor: O Serra era o melhor nome para a
disputa, uma vez que a cidade demonstrava uma carência por novas lideranças
políticas?
Goldman: O problema não era o nome. O
problema era marca do nosso governo, taxado como da elite pelo PT. Talvez, não
tivéssemos o desgaste da saída do Serra. Em compensação, não teríamos o crédito
de uma personalidade que já demonstrou sua capacidade. Se fosse outro
candidato, não acredito que teríamos terminado o primeiro turno na frente.
Valor: Foi um erro explorar o julgamento do
mensalão na campanha eleitoral?
Goldman: O julgamento teve um efeito positivo
muito pequeno para o partido. A população estava discutindo a prefeitura e não
questões nacionais. Depois o PT foi suficientemente hábil para não colocar na
disputa uma figura com qualquer tipo de semelhança com o seu próprio passado,
nem com o grupo dominante, apesar de o Haddad ter sido ministro. A votação do
PSDB foi inversamente proporcional às regiões onde fez grandes investimentos.
Ou seja, nas áreas mais carentes. Algo absolutamente contraditório.
Valor: O que está por trás dessa aparente
contradição?
Goldman: Somos um partido sem estrutura
política capaz de transferir o trabalho na administração para ter um resultado
político-eleitoral. A população não identifica nossas ações. Por isso, o PT fez
uma campanha contrária à realidade dos fatos ao afirmar que o PSDB é o partido
dos ricos. Valor: O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva representa um risco
à reeleição de Geraldo Alckmin em São Paulo? O marqueteiro João Santana
defendeu a candidatura de Lula no Estado.
Goldman: Ele não lançou Lula. Disse que o
melhor candidato para ganhar a eleição é o Lula. Certo ou errado é a opinião
dele. Acho difícil. Lula está levando muita pancada nos últimos meses,
sobretudo pela forma como montou o governo. Não tem controle de ninguém lá
dentro. Todos buscam seu espaço de poder. Não há razão para ficar metendo a
cara em campanha. O PT já tem o governo nacional, com poder imenso no país.