quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

O discurso de Obama – O Estado de S. Paulo / Editorial

O presidente Barack Obama comemorou o início de seu segundo mandato, na segunda-feira, 21, em dois bailes de gala. Há quatro anos, quando tomou posse pela primeira vez, foram nada menos que dez festas, uma maratona condizente com o júbilo daquela hora. O novo momento de Obama é, portanto, menos exuberante, mas o primeiro presidente negro dos Estados Unidos anunciou à imensa multidão que o acompanhou em Washington que vai aproveitar a chance dada pela reeleição para provar que pode fazer a diferença. Em seu sóbrio, mas denso discurso, Obama prometeu explorar a legitimidade dos votos recebidos para impor a agenda do Partido Democrata, por meio da presença maior do governo, privilegiando os mais pobres e enfrentando a oposição republicana sem a condescendência que marcou seu primeiro mandato, a despeito da necessidade de fazer acordos para superar a crise econômica.

A promessa de igualdade permeia sua agenda para os próximos anos. "Não acreditamos que neste país a liberdade seja reservada para os que têm sorte, ou que a felicidade seja para uns poucos", declarou. Obama citou as lutas pela igualdade de direitos dos negros, das mulheres e dos homossexuais como bandeiras de seu governo. Pela primeira vez, a palavra "gay" apareceu num discurso de posse presidencial nos EUA, dando a dimensão da importância que Obama pretende dar ao tema, para arrepio da oposição conservadora. Ele também mencionou a necessidade de reformar as leis de imigração, de modo que os "estudantes e engenheiros brilhantes sejam adicionados à força de trabalho, e não expulsos de nosso país".

Questões ambientais foram as que receberam o maior destaque no discurso, num desafio direto àqueles que são céticos em relação aos efeitos do aquecimento global, que dizem que o uso de "energia limpa" pode custar milhares de empregos e que defendem a indústria do petróleo. O desempenho de Obama nesse quesito, no primeiro mandato, foi decepcionante. Graças também a políticos democratas cuja base de apoio se encontra em Estados produtores de carvão, ele não conseguiu aprovar uma legislação que reduzisse substancialmente a emissão de gases de efeito estufa. Agora, Obama quer que o governo federal seja exemplar na contenção da poluição. Será criada uma agência de proteção ambiental para reduzir as emissões de gases de usinas elétricas que usam carvão, e o governo pretende impor novos padrões de uso de energia em edifícios.

Em relação à política externa, Obama deu ênfase relativamente pequena ao tema, coerente com sua doutrina de "liderar por detrás", mas ele sabe que não poderá contornar questões-chave, como o programa nuclear do Irã, a instabilidade do Oriente Médio, os efeitos da Primavera Árabe e a hostilidade da Rússia. Além disso, há a relação com a China, cuja economia caminha para superar a dos EUA e cuja emergência obrigou Washington a mudar o eixo de sua atuação internacional para a Ásia. A despeito desses cenários, Obama reafirmou sua decisão de não colocar seu país novamente em conflitos externos, porque "garantir a segurança e a paz duradoura não requer a guerra perpétua", tão ao gosto da ala ultraconservadora republicana.

Em seu primeiro mandato, Obama teve de lidar com uma crise que consumia 800 mil empregos por mês e com duas guerras de altíssimo custo e de sentido bastante duvidoso. Ele atravessou esse momento com mais aspectos positivos do que negativos e, apesar de haver muito ainda a fazer para que os EUA coloquem em ordem sua situação fiscal e voltem a ter liderança global incontestável no plano econômico, o país parece estar no caminho da recuperação. Sendo assim, conforme deixou claro em seu pronunciamento, Obama pretende dedicar seu próximo termo à tarefa de fazer história - e a missão de "construir nações" (nation-building), tão invocada pelos Estados Unidos para atuar em países em conflito pelo mundo afora, agora se aplica aos próprios americanos. Obama comprometeu-se a "reconstruir" os Estados Unidos, sobre bases progressistas.

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