sábado, 26 de janeiro de 2013

Trevas no palanque

Foi praticamente unânime a desaprovação ao tom político-partidário que a presidente da República imprimiu ao pronunciamento que fez à nação na noite de anteontem. Ficou evidente que Dilma Rousseff transformou um instrumento de Estado num palanque eleitoral. Ela conseguiu transfigurar o que poderia ser um triunfo administrativo numa atitude amplamente reprovável.

Quase metade dos oito minutos e 23 segundos do pronunciamento que deveria servir para comunicar a redução das tarifas de energia foi destinada a atacar os que fazem críticas à forma como a medida foi tomada pelo governo federal ou levantam preocupações quanto ao suprimento energético num momento em que os reservatórios das usinas do país encontram-se em níveis historicamente baixos.

Nesta corrompida visão, à qual o marketing do PT lança mão principalmente em momentos em que se vê mais acuado, o país foi dividido entre "nós" e "eles", entre os "a favor" e os "do contra". É a versão petista do "Ame-o ou Deixe-o" celebrizado pela ditadura militar na década de 1970.

Dilma foi eleita para governar para todos os brasileiros, mas comportou-se como líder de facção. Repetiu, em todos os atos e com todas as letras, seu tutor, Luiz Inácio Lula da Silva -que, aliás, promete encontrar-se hoje em São Paulo com a presidente para ditar-lhe rumos para seu governo, assim como já fez com outro poste petista, o prefeito da capital paulista.

A rede nacional de rádio e televisão foi convertida por Dilma e seus marqueteiros em comício de campanha. Vinte e um meses antes da próxima eleição, na qual sua participação ainda não é dada como certa nem por parte dos petistas, a presidente fez proselitismo político, prometeu o que não pode garantir - a ausência de risco de racionamento- e anunciou uma medida que, mais uma vez, se vale de malabarismos contábeis para parar em pé.

Para a Folha de S.Paulo, em editorial na edição de hoje, Dilma manifestou-se "com um triunfalismo que não encontra respaldo na realidade", usando o espaço institucional para "criticar, com uma agressividade inusual," os que não lhe dizem amém. Também em editorial, O Globo avaliou que a presidente fez "exploração política da questão da energia" e empregou "um tom apelativo, beirando o sentimento de patriotismo a que governos autoritários militares recorriam com frequência". Já O Estado de S.Paulo não tem dúvidas do caráter eleitoreiro da atitude da presidente: em cadeia nacional, Dilma "discursou como se estivesse em um palanque".

A propaganda - oops, o pronunciamento - de Dilma fez constar em letras garrafais que não haverá "nenhum risco de racionamento" de energia no país, algo que nem São Pedro pode garantir, muito menos com base na incômoda situação em que se encontram os reservatórios brasileiros neste momento.

Nem mesmo a expansão da oferta de energia assegurada pela presidente pode ser dada como certa. Em cadeia nacional, ela anunciou acréscimo de 8,7 mil megawatts em 2013, o que equivale a mais que o dobro da média anual verificada na última década. Além disso, um terço do que ela promete são obras atrasadas que já deveriam estar em operação, como mostra hoje a Folha.

Não bastasse o caráter eleitoreiro do pronunciamento oficial e a inconsistência de cenários e dados apresentados à nação, confirmou-se ontem que a redução das tarifas de energia será viabilizada por mais uma operação temerária com dinheiro do contribuinte, ancorada em mais uma criativa manobra contábil.

Para honrar o corte nas tarifas, o Tesouro terá que aportar R$ 8,4 bilhões e não R$ 3,3 bilhões, como já se especulava. Para tanto, será preciso antecipar recursos a receber de Itaipu, emitir títulos da dívida pública e transferi-los ao BNDES. Em suma, consumir receita futura para financiar despesa corrente, com aumento da já alta dívida bruta, como analisa Mansueto Almeida em seu blog.

O governo nem sabe ao certo como fará isso. "De onde o Tesouro vai tirar o dinheiro é um problema do Tesouro", desdenhouo ministro que deveria cuidar do setor de energia, mas não quer nem saber quem pagará a conta. A gestão petista também não faz ideia de quanto terá que desembolsar para bancar a redução tarifária - as estimativas divulgadas ontem vão só até 2014; depois disso, seja o que Deus quiser.

A redução dos custos de energia merece todo o apoio, porque busca atenuar pelo menos parte das deficiências e ineficiências de infraestrutura que grassam no país, contra as quais a gestão Dilma pouco tem feito. Mas, desde o primeiro instante, ficou claro que à administração petista importa menos o interesse nacional e muito mais os dividendos eleitorais. São atitudes recorrentes de um governo de trevas.

Fonte: Instituto Teotônio Vilela (25/1/2013)

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