quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Carnaval da surpresa - Míriam Leitão

A gente pensa que todo carnaval vai ser uma pasmaceira: notícias sobre o desfile das escolas de samba - mais as do Rio que as de São Paulo. Informações sobre os blocos, orientações sobre a volta de quem viajou, e as notícias que alguns heroicos plantonistas nos jornais descolam. E aí aparece o inesperado: a renúncia do Papa. Foi um carnaval histórico, e não pelos motivos que se espera.

O papa, que ainda não se sabe quem é, e cujo nome sairá só quando houver uma fumaça branca nos céus de Roma, visitará o Brasil em junho. Não é um espanto? Nem foi escolhido e já se sabe que estamos bem no comecinho da fila dos compromissos papais, na Jornada Mundial de Juventude.

Então, para quem descrê do inesperado no jornalismo, ele está aí fazendo mais um dos seus milagres. A quarta-feira de cinzas, normalmente, é dia de noticiar o resultado do desfile de São Paulo, falar da expectativa para o resultado do sambódromo e contar as piadas de sempre sobre o fato de que agora sim o ano vai começar. Mas, nesta quarta, tem ainda novas especulações vindas diretamente de Roma e informações de que o presidente Obama decidiu tirar 34 mil dos 66 mil soldados do Afeganistão no prazo de um ano. É o desembarque, afinal.

O papa teve um pontificado breve, se comparado ao de João Paulo II, mas não tão breve. Afinal, sete anos, dez meses e dez dias representam quase dois mandatos presidenciais no Brasil e nos Estados Unidos.

As análises dos especialistas são de que ele estava dando sinais de cansaço, de que não exercia o poder com gosto, porque prefere seus estudos e trabalhos intelectuais. O que é uma colunista de economia para negar as variáveis dessa equação religiosa? Mas o cardeal Ratzinger sempre esteve próximo do poder, sempre o exerceu mesmo antes do pontificado, nunca foi o intelectual desapegado que alguns analistas o apresentam. Ele certamente tentará exercer sua influência na escolha do sucessor.

O pontificado é diferente de qualquer outro poder. É mais do que um líder religioso e diferente de um chefe de Estado; apesar de ser os dois ao mesmo tempo e ter os seus mais de um bilhão de seguidores espalhados por vários países. Se o de João Paulo II foi o de intensas viagens pelo mundo para tentar usar sua inegável capacidade de comunicação e seu carisma na luta contra a tendência de redução do número de fieis, o de Bento XVI foi introduzido como sendo uma afirmação do setor mais conservador da Igreja.

Os vaticanólogos tentam dizer que o inesperado era bem previsível, mas na verdade foi espantosa a notícia da segunda de carnaval. Entre os fatos lembrados como fonte do desgosto papal está o vazamento da sua correspondência, cujo culpado foi seu mordomo; e a insuficiente reação ao mais forte desafio da Igreja que são as sucessivas denúncias de pedofilia. Há os que garantem haver mesmo sinais de problemas de saúde, o que aos 85 anos parecem bem prováveis. E há até quem fale da reação ao ajuste no orçamento do Vaticano, que foi feito com mão de ferro através da revisão de contratos de fornecimento, gestão e construção da cidade-Estado. Essas revisões teriam transformado déficit em superávit, mas desagradado muito os que aceitavam os altos preços cobrados pelos fornecedores. O autor da façanha fiscal, o arcebispo Carlo Maria Viganò - sonho de várias ordens econômicas - acabou sendo enviado para longe de Roma. Foi ser embaixador do Vaticano nos Estados Unidos. Poderia até ser convocado pela burocracia do país no qual serve, mas no orçamento dos EUA não há santo que dê jeito.

Uma das formas de reduzir o gasto americano será certamente reduzir a máquina de guerra. O que o presidente Barack Obama decidiu anunciar no Estado da União, o discurso anual no Congresso, é um passo tardio e insuficiente para reduzir uma das fontes da ruína do orçamento do país.

Para uma colunista que tem que escrever até na terça-feira gorda não posso me queixar deste carnaval. Desta vez, não tive que falar de mais um erro da política econômica. E se fosse falar do Brasil, esta coluna poderia se debruçar sobre mais um inesperado: já atingiu 1% do eleitorado o movimento popular de assinaturas pelo impeachment do presidente do Senado. Uma coisa é certa, jornalista não pode desta vez se queixar de falta de notícia para ocupar o seu espaço.

Fonte: O Globo

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