segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

O poder segundo o "dilmês"

Em seus discursos, a presidente Dilma Rousseff adota falas tecnicistas e usa termos como "tergiversar", sem perder o apreço pelas ações sociais e pela agenda econômica. Ela ainda mantém vínculo com o slogan do governo Lula: "Brasil, um país de todos"

Juliana Braga

“No que se refere à economia, não podemos tergiversar.” O bordão comentado pelos corredores do Executivo e por quem acompanha os discursos da presidente Dilma Rousseff é apenas uma brincadeira, mas diz muito sobre o que a presidente costuma falar. Reticente a improvisos e a entrevistas não planejadas, Dilma deixa transparecer preferências, perfil e até alguns deslizes atrás das palavras pensadas e escritas em suas falas. Especialistas apontam que, em suas manifestações, a presidente revela seu tecnicismo, seu foco em pautas sociais e econômicas e, até, certo autoritarismo.

Para levantar quais são os vocábulos mais recorrentes da presidente, o Correio selecionou 10 dos seus discursos. Eles foram escolhidos em diferentes contextos: mais descontraídos, mais emocionados, no lançamento de programas ou inauguração de obras. Depois de selecionados, foram colocados em um aplicativo on-line que produz uma nuvem — recurso gráfico em que as palavras mais usadas aparecem em maior destaque que as menos ditas. Destacaram-se os termos “Brasil”, “governo”, “país” e “todos”.

Apesar de ainda serem mais presentes no discurso de Dilma, essas palavras eram utilizados por ela com ainda maior frequência no início do mandato. Não por acaso, são as mesmas do lema do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva “Brasil, um país de todos”. E esse não é o único ponto de contato com seu mentor político e quem avalizou sua candidatura. Além de referências específicas — nos 10 discursos analisados, o nome de Lula aparece oito vezes —, ela mantém a marca do governo passado, os programas sociais. “Ela ainda continua adotando a linha do partido, que é da ação social. Isso, ela não quebrou com o PT nem com o Lula. Ela continua se colocando ao lado dele”, explica a doutora em Linguística Janaína Ferraz. É possível verificar essa característica no uso recorrente dos termos “pobreza”, “direitos”, “creches”, “crianças” e “oportunidades”.

Mesmo identificada com Lula, Dilma tenta se diferenciar dele e sua marca é o tecnicismo, que também transparece em declarações (veja o quadro). As argumentações da presidente sempre trazem fatos e números, não ilações e falácias. Dessa forma, cria sua marca e se diferencia de antecessores — Fernando Henrique Cardoso, tido como intelectual; e Lula, tido como “do povo”. As marcas temporais também são diferentes. Enquanto Lula ficou conhecido pelo “nunca antes na história desse país”, Dilma fala mais no futuro (“vamos”). “A Dilma evoca menos o passado do que a grande maioria dos chefes de governo. Ela fala em nome de um pretenso desenvolvimento que estaria por ocorrer, sobre o futuro”, esclarece Fábio. Segundo ele, o maior exemplo dessa característica é a forma como Dilma discursa sobre infraestrutura.

Outra característica marcante, segundo os especialistas, é a tentativa da presidente de quebrar uma diferença hierárquica em relação aos interlocutores. “As relações sociais são naturalmente assimétricas, no sentido de que os indivíduos que interagem, em quase todas as situações da vida social, ocupam campos separados e em geral concorrentes. A assimetria entre um presidente da República e qualquer outra pessoa é, portanto, evidente. Isso as vezes é importante, mas as vezes é indesejável”, explica o professor da Universidade Federal do Pará (UFPA) e doutorando em Comunicação Política pela Universidade de Montreal Fábio Fonseca de Castro.

A estratégia discursiva, explica Janaína, pode ser percebida no uso do “vamos”, do “nós” e dos verbos sempre em terceira pessoa. Em alguns momentos , no entanto, ela escorrega e acaba usando um tom autoritário, que pode ser percebido no uso do verbo no imperativo. “Lutem pela distribuição de hoje para frente”, disse Dilma, referindo-se à partilha dos royalties após ser vaiada durante a Marcha dos Prefeitos, no ano passado.

No que se refere…

Tergiversar que, segundo o dicionário Michaelis, significa “voltar as costas; usar de evasivas, rodeios e subterfúgios”, não chega a aparecer nas palavras mais usadas pela presidente, mas é marcante e recorrente. Segundo Janaína, aí mais uma vez Dilma se apropria do discurso de outro grupo, o jurídico.

Já o “no que se refere” acaba não sendo detectado pelo aplicativo, que seleciona palavras, por ser uma expressão, e acaba diluído nos termos. Ele, explica Janaína, é um recurso do cérebro da presidente para introduzir uma nova frase, fazendo referência à anterior. “Enquanto estou falando, vou formulando meu próximo pensamento e encaixo algum elemento de coesão para poder puxar meu referencial anterior. Eu preciso de algum elemento para puxar isso, para segurar a atenção do interlocutor”, detalha a doutora. Esse recurso é usado por todos e evita o uso do “éé”, ou do “ãã”, enquanto se pensa.

Mas uma das características mais importantes da presidente, e o que a distingue de Lula, por exemplo, é a falta de improviso de espontaneidade em suas falas. Seus discursos costumam ser lidos sem muitos desvios. “É preciso considerar que os discursos de um presidente são geralmente peças institucionais. Produzidas por uma equipe de redatores, elas procuram, tecnicamente, reproduzir o estilo discursivo da autoridade que vai enunciá-los, mas, é claro, não apenas: são vozes que falam por essa entidade abstrata de poder que é o chefe de Estado”, detalha Fábio.

Apesar de a falta de improviso torná-la menos carismática que o ex-presidente Lula, ela evita gafes e é mais coerente com seu perfil técnico. “Ela prefere muitas vezes o silêncio a ter de falar alguma bobagem nesse tipo. Alguém num cargo desse tipo tem que ser frio, manter a cabeça muito fria. Em todos os momentos você pode ser confrontado”, defende Janaína.

Mudança de estilo

Mesmo mantendo a referência a Lula em seus discursos, Dilma se diferencia de seu mentor político em suas declarações

Tecnicismo x Popular

Dilma usa números e fatos em sua argumentação. A marca de Lula era um discurso mais popular, mais próxima da fala das ruas.

Improviso

Dificilmente a presidente foge dos seus discursos e com isso evita gafes. Já o ex-chefe do Executivo usava mais da espontaneidade.

Marcadores temporais

Lula imortalizou a expressão “nunca antes na história desse país”. Dilma usa mais os tempos verbais futuros.

Fonte: Correio Braziliense

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