Muitos temem que o repentino, ademais de obviamente precoce, aparecimento do tema da sucessão presidencial na pauta de discussões políticas seja prejudicial ao país e à democracia. De fato, o xadrez político brasileiro atual tem se caracterizado por intenso movimento de potenciais candidatas e candidatos à Presidência da República em 2014, movimento em busca de apoios e de bons argumentos. Tal cenário possui duas explicações principais, nenhum delas tornando o caso brasileiro atípico ou exceção no cenário comparado de democracias. A primeira guarda relação com os resultados eleitorais de 2012; a segunda, com as incertezas oriundas do cenário econômico.
Imagine situação na qual o PT elege prefeitas e prefeitos nas principais capitais do país e ultrapasse todos os demais partidos em número de cidades conquistadas. Imagine ainda um contexto de forte crescimento do PIB, com investimento em alta e inflação abaixo da meta estabelecida pelo governo. Razoável concluir que pouco espaço haveria para o surgimento de ameaças no interior da própria base de apoio à presidenta Dilma, assim como, por certo, mais cautelosa seria a retórica utilizada pela oposição em seu legítimo papel de identificar erros e se contrapor à agenda governista.
O debate eleitoral "antecipado", assim, nada tem de anormal ou deletério para a democracia. Talvez o tom surpreenda. Ou ainda, a aparição de possível dissidência entre aliados do governo na centro-esquerda. De toda forma, a oportunidade apareceu, tanto pelo PIB relativamente fraco, quanto pela derrota do PT em alguns colégios eleitorais importantes para uma corrida de credenciamento - corrida em busca da melhor credencial de oposição, sendo o tom usado exatamente uma decorrência do fato de não se estar em período eleitoral, com a população ainda surda para temas políticos.
Royalties colocarão pacto federativo de Campos em xeque
E os movimentos feitos até aqui? Teriam alguma possibilidade de sucesso? Neste ponto, o PSDB leva vantagem. É oposição na história, no discurso e na base social. Resta conhecer a capacidade de seu virtual candidato, Aécio Neves, superar as divisões internas, montar uma coalizão partidária suficientemente forte e organizar redes de apoio que disseminem uma opinião positiva a seu respeito e à agenda forçosamente oposicionista a ser proposta no contexto da campanha eleitoral.
Quanto às demais candidaturas, obstáculos importantes se colocam seja para sua viabilização como postulante efetivo à Presidência, seja, em caso de vitória, para governar. Senão vejamos.
Marina Silva foi candidata pelo PV em 2010 e alcançou a impressionante marca de 19 milhões de votos no primeiro turno. É razoável, por conseguinte, a suposição de que seja nome forte para 2014. A questão no momento é a de se saber em qual medida a votação que obteve no último pleito decorreu de suas próprias qualidades ou das mensagens por ela enviadas durante a campanha, em contraposição a uma possível reação, por parte significativa do eleitorado, à polarização entre PT e PSDB, vista por muitos como deletéria e baseada mais em desavenças pessoais e locais do que em discordâncias de agenda. Resposta mais definitiva somente no próximo ano, entretanto, acontecimentos recentes acabaram fornecendo pistas para o destino do que pode vir a ser uma nova candidatura Marina. Logo após o pleito de 2010, divisões e brigas internas levaram à ruptura da candidata com seu partido. Depois de longo período sem se saber exatamente quais movimentos seriam feitos em favor da continuidade de sua trajetória política, eis que surge o lançamento de um novo partido, a Rede de Solidariedade, cuja característica principal, ademais de servir de plataforma de lançamento de sua candidatura à Presidência, é a de não se definir no espaço de conflito em torno do qual a política brasileira tem se organizado: centro-esquerda versus centro-direita, governo versus oposição.
O principal defeito de tal posicionamento não é tanto o fato de ser pouco viável no que tange à conquista de apoios no eleitorado. O caso italiano recente demonstra bem que, em determinadas circunstâncias, candidaturas apolíticas e apartidárias, e até niilistas podem ter bom desempenho. O perigo maior é o day after. Com quem irá governar, em nome de que e em favor de quem? Governar é escolher, o que significa, na maioria das vezes, beneficiar determinados grupos, decisão que acaba impondo custos a diversos outros setores. Sem uma definição clara sobre onde a Rede encontra-se posicionado, não se saberá exatamente com que atores contará em um eventual governo, o que vale dizer, com quem contaria para enfrentar opositores no momento de se fazer escolhas.
Eduardo Campos, do PSB, se depara com obstáculos distintos, mas igualmente difíceis. O primeiro deles diz respeito ao argumento que será obrigado a esgrimir tendo em vista o fato de ter sido por tanto tempo aliado de primeira hora dos governos liderados pelo PT. Em suma, em nome de qual agenda seu partido, parceiro na montagem da agenda hoje prevalecente no país, dirá ao eleitor que é hora de deixar o governo e de se apresentar como oposição? Candidaturas presidenciais, para serem críveis, devem consistir em algo mais do que projetos individuais de políticos, por mais talentosos e consistentes que estes possam parecer. Tem se ouvido em discursos do próprio presidente dos socialistas a necessidade de uma nova agenda de desenvolvimento para o país, uma agenda que inclua o tema federativo como ponto fulcral das políticas. Tendo sido o governador de Pernambuco um dos patrocinadores da recente lei aprovada no Congresso, que trará, no caso de ter sua constitucionalidade permitida pelo STF, a desgraça para vida de estados e municípios importantes da Federação, imensa dúvida surge sobre sua credibilidade para liderar um novo pacto federativo.
Ao governo, enfim, restam poucas alternativas, a principal delas sendo unificar a base, como forma de redução do campo de manobra de candidaturas "sem lado" ou saídas de seu interior.
Fabiano Santos é cientista político, professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Fonte: Valor Econômico
Acho que a parte menos importante, aos olhos do povo, é de quem vai assumir, que partido vai assumir; o que importa realmente, é o que vão fazer e como, para mudar ou melhorar um pouco o atual cenário.
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