domingo, 17 de março de 2013

Texto de consulta – Murilo Mendes

A página branca indicará o discurso
Ou a supressão o discurso?

A página branca aumenta a coisa
Ou ainda diminui o mínimo?

O poema é o texto? O poeta?
O poema é o texto + o poeta?
O poema é o poeta - o texto?

O texto é o contexto do poeta
Ou o poeta o contexto do texto?

O texto visível é o texto total
O antetexto o antitexto
Ou as ruínas do texto?
O texto abole
Cria
Ou restaura?

O texto deriva do operador do texto
Ou da coletividade — texto?

O texto é manipulado
Pelo operador (ótico)
Pelo operador (cirurgião)
Ou pelo ótico-cirurgião?

O texto é dado
Ou dador?
O texto é objeto concreto
Abstrato
Ou concretoabstrato?

O texto quando escreve
Escreve
Ou foi escrito
Reescrito?

O texto será reescrito
Pelo tipógrafo / o leitor / o crítico;
Pela roda do tempo?

Sofre o operador:
O tipógrafo trunca o texto.
Melhor mandar à oficina
O texto já truncado.

A palavra cria o real?
O real cria a palavra?
Mais difícil de aferrar:
Realidade ou alucinação?

Ou será a realidade
Um conjunto de alucinações?

Existe um texto regional / nacional
Ou todo texto é universal?
Que relação do texto
Com os dedos? Com os textos alheios?

(...)

Juízo final do texto:
Serei julgado pela palavra
Do dador da palavra / do sopro / da chama.

O texto-coisa me espia
Com o olho de outrem.

Talvez me condene ao ergástulo.

O juízo final
Começa em mim
Nos lindes da
Minha palavra.

Roma, 1965

In: MENDES, Murilo. Convergência, 1963/1966: 1 — convergência; 2 — sintaxe. São Paulo: Duas Cidades, 1970.

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