terça-feira, 9 de abril de 2013

Retirante de 1934 – José Roberto Guedes

(Lembramos: 1934/36 - Considerada a maior seca de todos os tempos até o início dos anos 80. A estiagem se estendeu pelos nove Estados nordestinos e chegou a Minas Gerais. A partir dela as secas do sertão do Nordeste passaram a ser encaradas como flagelos nacionais).

À beira da imensa e sinuosa estrada,
sob o olhar de um sol escaldante-castigante,
caminha Fabiano, Sinhá Vitória, dois pirralhos e uma cachorra (a Baleia)
- como contado pelo velho Graça, em Vidas Secas.
Sacos de roupas, panelas, facas, chapéu de couro e uma sanfona;
um olhar fundo de tristeza,
mas partem,
vencendo o tempo no sertão já tanto gasto pela seca.

E são tantos os decênios de penitência e de penúrias,
e são tantos os anos de sofrimentos e angústias,
e são tantos os meses de espera de dias melhores,
e são tantos os dias da falta, vendo a farta,
e são tantas as horas de rezas por melhores dias.

O nordestino guerreiro não se conforma,
não se convence de que tudo é sina, sem sinal de melhora.
Amarga o “pão que o diabo amassou”,
mas não “arreda” o pé e nem se atira em blasfêmias.

Retirante febril, mas audaz.
D. Quixote do Ceará ou do Piauí ou
Sancho Pança das escuridões terrenas,
não se conforma com a sua sorte ingrata.
E antes de chegar a outro destino,
já pensa na volta.
Imagina dinheiro, relógio de pulso, rádio de pilhas, roupas modernas
e suas novas amizades nos forrós da vida,
ou nos baiões de terra batida,
ou nos xaxados do agreste,
ou mesmo nos xotes de beira de estrada.

É assim o retirante em estampas de batique,
à cera de carnaúba,
nos pincéis de Portinari
e nos “sete-baixos” de Gonzagão.

As marcas e rugas do tempo,
o corpo alquebrado e os pés dormentes,
a cara-metade embuchada,
os pequenos penando esquistossomose,
o cachorro rabicó, magro, esquelético
- são visíveis, mesmo aos que são cegos a uma realidade nacional.
Assim é o retirante que,
em dado momento,
genuflexo,
em ósculos e amplexos,
ergue as mãos para o céu,
em penitência,
e pede bênção ao Padre Cícero.
Contempla o infinito,
não olvida a dura sorte,
mas espera que o sol do dia-de-amanhã lhe seja,
por certo e com certeza,
o reverso dessa miséria infinda.

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