quarta-feira, 29 de maio de 2013

Bolsa Família: PF diz que tese do telemarketing perdeu força

Policiais chegaram a número de telefone inexistente

Jailton de Carvalho, Cleide Carvalho

BRASÍLIA e SÃO PAULO - Quatro dias após o gabinete do diretor-geral Leandro Daiello apontar a existência de uma central de telemarketing do Rio de Janeiro na divulgação de parte dos boatos sobre o falso fim do Bolsa Família, a Polícia Federal mudou a versão do caso. Depois de interrogar uma beneficiária do programa ontem, no Rio, a PF disse que a hipótese sobre o envolvimento de uma central de telemarketing na difusão dos boatos perdeu força.

Em depoimento ao chefe da Delegacia de Repressão a Crimes Cibernéticos da PF, Carlos Eduardo Miguel Sobral, a beneficiária teria dito que recebeu uma mensagem de voz no celular sobre o fim do programa. Mas, segundo o gabinete do diretor-geral, a partir de um rastreamento da ligação, os policiais chegaram à conclusão que o número de onde teria partido o telefonema é inexistente.

Na sexta-feira da semana passada, integrante do gabinete do diretor-geral informou que parte dos boatos sobre o fim do Bolsa Família foi difundida por uma central de telemarketing do Rio. A PF chegou a dizer que tinha a gravação das mensagens supostamente espalhadas pela central. A mesma informação foi divulgada em Brasília e em São Paulo, um dia antes da revelação de que dirigentes da Caixa mentiram sobre a data da liberação do dinheiro do Bolsa Família.

Diante do desencontro de versões desde o início do caso, deputados da oposição se reuniram ontem com Daiello para pedir pressa nas investigações.

- A ministra Maria do Rosário (Direitos Humanos) falou que a oposição estava por trás disso, então fomos lá pedir pressa e acesso às investigações - disse o líder do PSDB na Câmara, Carlos Sampaio (SP).

O líder do DEM na Câmara, Ronaldo Caiado (GO), defendeu a demissão do presidente da Caixa, Jorge Hereda, após este admitir que o banco prestou informações erradas sobre a confusão. Anteontem, Hereda disse que a antecipação do pagamento foi decidida pela área operacional do banco, sem consulta às cúpulas da instituição ou do governo.

- Em qualquer país sério do mundo, ele seria demitido na hora. Isso é grave, é um crime. Ele pede desculpas e varre-se tudo para debaixo do tapete? O fato é grave, e agora o governo quer minimizar - disse Caiado.

O líder do MD na Câmara, deputado federal Rubens Bueno (PR), também fez coro:

- O presidente da Caixa agiu com irresponsabilidade e incompetência. Em todo esse episódio, não faltaram mentira e falta de transparência.

Empresa vê origem no Twitter

Durante a reunião, Daiello disse aos parlamentares que a PF está fazendo investigações nos 12 estados onde beneficiários do Bolsa Família correram em massa às agências da Caixa. Entre os dias 18 e 19 deste mês, 900 mil beneficiários sacaram R$ 152 milhões do programa.

A Interagentes, empresa paulista especializada em análise de redes sociais, divulgou que há indícios de que o grupo que espalhou boatos sobre o fim do Bolsa Família se organizou com mensagens via Twitter. A empresa fez buscas na internet com o nome do programa e descobriu no Twitter uma mensagem considerada enigmática: "Bolsa família começa sexta". O texto foi postado em 15 de maio, às 18h39m40s, três dias antes da corrida às agências da Caixa. Segundo o sociólogo Tiago Pimentel, da Interagentes, a mensagem desse perfil-líder foi "retuitada" por 14 outros perfis, em horários diferentes, o que descarta o uso de um robô para retransmissão automática. Alguns desses perfis identificavam-se como sendo da Paraíba.

- A ideia de pesquisar sobre o boato nas redes sociais foi do professor Sérgio Amadeu, da Universidade Federal do ABC. Ele achou estranho o caso, por ter acontecido justamente em estados com maior número de beneficiários - explicou o jornalista Renato Rovai, da Revista "Fórum", da Editora Publisher Brasil, parceira da Interagentes.

Pimentel explica que o perfil-líder foi apagado do Twitter em algum momento após o domingo, deixando vazias as timelines dos 14 perfis que "retuitaram" sua mensagem. A pessoa que criou o perfil-líder reingressou com outro perfil no Twitter apenas no dia 24.

Na busca feita pela empresa, o primeiro boato sobre o fim do Bolsa Família, incitando pessoas a sacar o benefício naquele dia, foi achado no sábado, dia 18, às 8h, no Facebook. O criador do perfil se identifica como mulher, moradora da cidade de Cajazeiras, na Paraíba, e tem cerca de 200 amigos. Pimentel afirma que, pelo tipo de comentário, dá para perceber que a rede disseminou informação que vinha das ruas. Ou seja, o boato não foi criado no Facebook. O sociólogo diz que os dados coletados pela empresa podem servir apenas como indícios para uma investigação. As informações foram colocadas à disposição da PF.


Cortina de fumaça

OPINIÃO

A DECISÃO do corpo técnico da Caixa de alterar o calendário de pagamento do Bolsa Família, supostamente sem o conhecimento da direção do banco, é inusitada.

SERIA IMPENSÁVEL no setor privado. Pode não ter sido capaz de deflagrar a boataria em torno do benefício, mas, sem dúvida, tornou o ambiente bem propício a qualquer tipo de rumor.

ESTÁ-SE diante de uma dessas histórias que só acontecem no universo das estatais. Mas ainda há muito a esclarecer num caso em que não faltaram tentativas de politização.

Fonte: O Globo

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