quinta-feira, 23 de maio de 2013

O fator Cunha - Denise Rothenburg

O governo teve menos de uma semana para curtir sua vitória na MP dos Portos. Ontem, o campo de batalha estava armado novamente, em outra frente, na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara. Sem alarde, o deputado gaúcho Darcísio Perondi, do PMDB (sempre ele!) apresentou um projeto igual ao do governo para mudar o indexador da dívida dos estados, tirando assim o efeito da decisão da Fazenda de retirar a proposta do Congresso. A equipe econômica queria evitar que o líder do PMDB, Eduardo Cunha (RJ), relator do texto, incluísse uma emenda que permitiria a mesma mudança do indexador retroativa, o que poderia levar a uma redução das dívidas em torno de R$ 45 bilhões. Ontem, Cunha pediu que a proposta fosse retirada de pauta. Mas, graças ao projeto de Perondi, continua tramitando no Congresso. Assim, a tensão não cessará.

Esse entrevero se deu na manhã de ontem, menos de 12 horas depois do jantar em que os governadores do partido reclamaram do sufoco em que estão as contas estaduais e, ainda, do fato de o governo promover incentivos com impostos que compõem o Orçamento dos estados e municípios. Sérgio Cabral, do Rio de Janeiro, foi mais além. Repisou a tecla de palanque único no Rio de Janeiro e completou dizendo que a bancada está certa em apoiar o líder em seus enfrentamentos com o Poder Executivo.

Os peemedebistas já sentiram cheiro de fumaça em suas campanhas estaduais. Sabem que, em principio, o PT lançará candidato onde der, especialmente agora que Dilma é conhecida, popular e acolhida. Ou seja, a situação se inverteu. Se em 2010 Dilma tinha Lula, mas precisava do PMDB para reforçar a campanha, em 2014 está pintando que os partidos vão precisar de Dilma para alavancar seus candidatos. E, se ela tiver vários palanques, essa ajuda termina beneficiando mais os petistas — que carregam o número do partido da presidente — do que qualquer outro aliado.

Nesse sentido, Cabral começa a pensar duas vezes no futuro. Durante sua fala no jantar do partido, ele lembrou com nostalgia de sua relação com Lula, dos tempos em que os dois eram só alegria. Depois, disse com todas as letras que "não tem plano A, nem plano B, que seu plano é D, de Dilma", mas "não dá para ficar num projeto que, de manhã é um candidato a governador, à tarde é outro e de noite é outro (...) Se não me quiserem, vou cuidar da vida", disse Cabral, que, vale lembrar, foi quem indicou Renato Pereira para marqueteiro de Aécio Neves (PSDB).

Esse sentimento de descarte, do tipo, "não servimos para cargos e agora nem para candidatos a governos estaduais", começa a tomar conta do PMDB. No jantar, até Roseana Sarney, que já foi líder do governo e hoje governa o Maranhão, reclamou da falta de investimentos federais no estado e também do apoio dos petistas a seu adversário, Flávio Dino, presidente da Embratur. O presidente em exercício, Valdir Raupp, define a legenda como "capilarizada, grande e regionalizada e é preciso harmonizar as questões regionais". A cobrança é clara: apoio a peemedebistas nos estados pode ser a porta de saída das crises.

Enquanto isso, na liderança do partido...

Diante das insatisfações generalizadas, as ações de Eduardo Cunha ganham o apoio global da bancada. O líder, talentoso e estudioso dos assuntos, não teria tanto poder de controle sobre sua base se Dilma e o PT estivessem, por exemplo, dispostos a negociar os palanques estaduais ou atender os estados separadamente. Como o governo não se mobiliza, Eduardo Cunha surfa. E não tem feito nada sozinho. Na emenda que apresentou à Comissão de Finanças sobre a dívida de estados e municípios, teve apoio inclusive do prefeito de São Paulo, Fernando Haddad. Fez o que estados pediram.

Nesse sentido, o governo ainda não encontrou a fórmula para isolar o líder do PMDB como gostaria. E não dá para desprezar a destreza do líder em surfar quando a onda é boa. Nunca é demais lembrar que até Lula, o mago da articulação política, levou um tombo que contou com um empurrãozinho do deputado peemedebista. Quando a CPMF, o imposto do cheque, estava em votação na Câmara, Cunha atrasou como pôde a tramitação do texto na Casa. O resultado foi a derrota do governo no Senado, onde o projeto desaguou com prazos apertados e a bancada governista não era tão grande quanto hoje. Aliás, foi aquela derrota que fez Lula jurar que nunca mais teria uma base pequena entre os senadores.

Fonte: Correio Braziliense

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