sexta-feira, 14 de junho de 2013

A velha no castelo

Dilma Rousseff acha que tudo de ruim que está acontecendo no país é fruto da imaginação alheia ou, pior ainda, de torcida contrária. É possível que a vida palaciana e o ar de Brasília estejam lhe afetando seriamente a percepção da realidade. Um diagnóstico realista e honesto seria o primeiro passo para superar os obstáculos que dificultam o dia a dia do brasileiro comum, que, ao contrário da presidente, não vive isolado em castelo.

Dilma Rousseff acha que tudo de ruim que está acontecendo no país é fruto da imaginação alheia ou, pior ainda, de torcida contrária. É possível que a vida palaciana e o ar de Brasília estejam lhe afetando seriamente a percepção da realidade. Viver encastelada dá nisso.

A presidente aproveitou solenidade destinada a anunciar um programa que incentiva o consumo num momento em que as lojas já não dão conta de suprir as encomendas – e, com isso, incha ainda mais o balão da inflação – para criticar os críticos de seu governo. Comparou-os ao Velho do Restelo, personagem de Camões em "Os Lusíadas”.

Segundo ela, seriam eles incorrigíveis pessimistas que enxergam o que ninguém mais vê: um país próspero, estável, equilibrado e sem qualquer entrave ao desenvolvimento e ao aumento de bem-estar de sua população. Provavelmente, gente que não deve estar assistindo a propaganda do governo nos rádios e nas TVs...

Estes velhos de literatura também devem ser, quem sabe, gente que não consegue comprar tomate na feira porque seu preço mais que dobrou nos últimos meses. Gente que teve que tirar o filho da escola porque a mensalidade subiu quase 50% nos últimos quatro anos. Gente que vê sua poupança para a aposentadoria minguar à medida que a desconfiança dos investidores em relação à solidez do país cresce e derruba os rendimentos.

Aparentemente sem antes ter besuntado a face com óleo de peroba, Dilma afirmou: "A situação real em que o Brasil vive é de inflação sob controle, contas públicas sob controle”. Em que castelo a nossa presidente vive? Deve ser o mesmo habitado por Guido Mantega, aquele que fica perguntando "onde está a crise?” por aí...

Dilma disse também que "não há a menor hipótese” que o governo dela "não tenha uma política de controle e combate à inflação”. Pode até ser que a presidente tenha alguma iniciativa para segurar os preços, mas o problema é que ela simplesmente não funciona. Basta perguntar para o nosso Banco Central por que ele está tendo que arrochar os juros brasileiros na contramão de todo o resto do mundo.

A verdade é que não há rumo nem lógica alguma nas ações da gestão de Dilma. No mesmo momento em que seu ministro da Fazenda diagnostica – enfim! – que o problema do país é investimento de menos e consumo demais, a presidente decide conceder subsídio para compra de eletrodomésticos e mobília.

Na mesma hora em que investidores e agências de classificação apontam temor com o crescente descontrole das contas públicas, a chefe da nação determina que o Tesouro emita mais títulos e aumente ainda mais sua dívida para que mutuários possam jogar fora o seu fogão, um item presente em 98,5% dos lares brasileiros, e comprem um sofá novo.

Só neste ano, o Tesouro já foi autorizado a emitir mais R$ 45 bilhões em dívida nova em operações sempre escamoteadas pelo governo petista de forma a não aparecerem nos indicadores de endividamento público. No entanto, a dívida bruta brasileira caminha para superar neste ano 60% do PIB, ultrapassando a marca dos demais Brics e os limites de prudência.

A presidente e seus auxiliares parecem dar de ombros a tudo isso. A linha de crédito anunciada ontem pelo governo custará R$ 18,7 bilhões, mas nenhuma autoridade federal sabe exatamente de onde o dinheiro virá. "A explicação do governo sobre o custo do novo programa só aumentou as dúvidas”, resumiu o Valor Econômico.

Uma parte dos recursos será composta por R$ 8 bilhões em novos créditos concedidos à Caixa Econômica Federal, que, há apenas dois meses, recebera injeção de outros R$ 13 bilhões. Sabe-se agora que o banco também ficará dispensado de recolher dividendos à União pelos próximos anos, conforme medida provisória publicada ontem à noite.

Com manobras desta natureza, a Caixa já se tornou sócia de frigorífico, fabricante de autopeças, de bens de capital, processador de minério, entre outras empresas privadas, como mostrou ontem O Estado de S.Paulo. Como um dos principais motores da publicidade oficial, o banco também já é o terceiro maior anunciante do país. Até onde esta balbúrdia vai?

Como estes montantes não são suficientes para cobrir o valor e as condições camaradas previstas na nova linha de financiamento, uma boa dica é: que tal olhar para o dinheiro dos trabalhadores depositado no FGTS? É de lá que o governo está tirando recursos utilizados para tocar o Minha Casa Minha Vida, sem que, porém, o Tesouro honre sua parte e ressarça o fundo. Estima-se que a gatunagem já ultrapasse R$ 4,8 bilhões, e continua subindo.

Ninguém é contra ações que visem melhorar as condições de vida da população brasileira, em especial a mais pobre. Mas não dá para concordar com iniciativas de governo que busquem, em primeiro lugar, recuperar a popularidade presidencial. Não se admite que, sob o manto das boas intenções, Dilma faça o diabo apenas de olho na sua reeleição.

Antes de qualquer coisa, a presidente da República deveria reconhecer o momento de dificuldade, que não é exclusivo do Brasil e alastra-se pelo mundo. Um diagnóstico realista e honesto seria o primeiro passo para superar os obstáculos que dificultam o dia a dia do brasileiro comum, que, ao contrário da presidente, não vive isolado em castelo.
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Fonte: Instituto Teotônio Vilela, 13/6/2013.

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